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Camalaú: Berço de artistas, artesãos e talentos

Camalaú: Berço de artistas, artesãos e talentos

Camalaú, palavra derivada do tupi-guarani que significa “camará preto”. Na Paraíba, é a palavra que nomeia o município fundado como povoado em 21 de junho de 1895, através da doação de uma área de mais de 16hectares feita por Domingos Ferreira Brito e Rosa Maria da Conceição para a Igreja Católica, formando assim o Patrimônio de São José.  A doação foi feita a pedido de José Cardoso da Silva, conhecido até hoje como o fundador da cidade.

Somente em 19 de março de 1962, quando Camalaú foi separado de Monteiro, através da Lei nº 2.617/1961, que passou então a ser considerado como um município. A cidade está localizada no Cariri paraibano, fazendo divisa com Pernambuco e com as seguintes cidades da Paraíba: São João do Tigre, São Sebastião do Umbuzeiro, Monteiro, Sumé e Congo. Em relação a João Pessoa, capital do estado, Camalaú está a 331,7 quilômetros de distância.

O município é conhecido pela sua bela vista para o pôr do sol a partir das águas do açude da cidade. O visual soma-se à Serra da Caroá, a Bodega de “dona Mocinha e seu Aluísio”, o Cruzeiro de Santo Antônio, a Pedra do Mateus – ou do Letreiro; o Balneário Público Municipal, o Picoito do Pindurão, entre outros. De acordo com Paloma Neves, diretora de Turismo Municipal, uma das principais atividades econômicas da cidade de Camalaú, que tem crescido nos últimos anos, é a “implantação de diversos fabricos nas zonas rural e urbana, gerando emprego e renda para muitos moradores da cidade”.

A cidade também é berço de artistas, estudiosos e artesãos que são de extrema importância para a cultura do município, fortalecendo o sentimento de pertencimento que os invade cotidianamente. Segundo Paloma, algumas das figuras que podem ser mencionadas são o professor Antônio Mariano Sobrinho, Cidinho dos Oito Baixos, o poeta Manoel Nicolau, Kiel do Acordeon, o poeta Zé Mineiro, a poetisa Angélica Costa, além de outros exemplos.

Para Paloma, poder contribuir atualmente com a promoção e o desenvolvimento da cidade e de seus atrativos é uma das formas que encontrou de retribuir o carinho que o lugar sempre teve para e com ela. Dentre suas atividades, está a apresentação dos potenciais de Camalaú para os outros municípios e visitantes.

Inclusive, Neves acredita que a conquista dos nativos de Camalaú ao longo dos tempos, em diversas esferas, “tem sempre engrandecido a terra de onde vieram e seu carinho por ela”, podendo ser considerada como um dos grandes marcos camalauenses atuais.

Apresentando de outro ponto de vista, de quem conheceu Camalaú através do olhar de pesquisadora, a professora Thaís Catoira comenta que um dos pontos altos de seu período na pesquisa, intitulada de “Patrimônios em devir: a fruição da informação dos patrimônios arqueológicos juntos aos seus atores no município de Camalaú, PB”, foi a receptividade dos moradores. Catoira lembra que “as memórias compartilhadas nas conversas com os moradores foram fontes riquíssimas para compreender como estes percebem e se relacionam com as pinturas rupestres”. Além disso, o acesso às lembranças pessoais e afetivas traz à tona também a importância “da preservação do patrimônio cultural, arqueológico, que vão além de aspectos institucionais, mas nos mostram a beleza das histórias pessoais e individuais que envolvem, conectam e os unem enquanto comunidade”, disse a pesquisadora.

Renda Renascença de geração em geração

Também pesquisadora, a professora Geysa Flávia, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), destacou a produção da renda Renascença na cidade de Camalaú. “Desenvolvi minha tese de doutorado intitulada ‘Entre linhas, agulhas e almofadas: os processos memoriais das mulheres rendeiras do município, a partir da técnica da renda Renascença’, com o objetivo de compreender como as memórias individuais e coletivas das rendeiras auxiliam a construção das identidades locais e fortalecem as identidades nacionais na construção artística da produção de renda Renascença”, explicou.

O trabalho foi realizado em 2019 e, na época, dos cerca de quatro mil habitantes de Camalaú, mil eram mulheres, crianças e adolescentes que produziam a renda Renascença. A pesquisadora conta que, a partir de conversas com as rendeiras, estima-se que a produção da Renascença no município tenha se fortalecido em meados da década de 1970, com a fundação da escola técnica de primeiro e segundo grau, no ano de 1972. “A escola tinha como propósito melhorar a vida da comunidade e lá as pessoas começaram a ter um contato maior com a realidade social dos alunos, conhecendo suas dificuldades e carências, que eram filhos e filhas de mulheres rendeiras”, disse Geysa.

Ainda com relação às descobertas feitas a partir do trabalho de campo para sua pesquisa de doutorado, Geysa ressalta que existe uma organização social entre as rendeiras e isso demonstra as relações sociais e de produção da renda, principalmente quando se trata da família enquanto “unidade reprodutiva da mão de obra” e também enquanto “formadora de uma tradição que se consolidou entre mulheres responsáveis pela formação de uma nova geração de rendeiras”, apontou a professora.

Em dezembro de 2021, a renda Renascença foi considerada Patrimônio Cultural Imaterial da Paraíba, através de um projeto de lei proposto pelo deputado Chió. Na ocasião, ele ressaltou a importância do bordado para o estado e para a economia dos principais municípios produtores, dentre eles Camalaú.

A renda Renascença, para Geysa Flávia, é uma expressão artística que se baseia na transmissão de saberes, “através da voz, da performance, da memória e da observação de gerações de rendeiras”, destacou. Nesse sentido, cada uma das gerações de rendeiras integram uma espécie de “coautoria” dessa arte, a partir da criação de pontos, por exemplo. “A performance, que expressa significado nas mãos das artesãs ao recriar sua arte a cada ponto produzido, torna -as intérpretes de sua cultura. As mãos tecem à medida que os sonhos, as expectativas e as formas da criação e da vida vão sendo fixadas na memória”, finalizou Geysa.