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Mais de um terço dos brasileiros toma antibióticos sem receita médica

Mais de um terço dos brasileiros toma antibióticos sem receita médica

Um levantamento da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) com uma amostra representativa de 385 entrevistados mostrou que 69% dos brasileiros acreditam que infecção de garganta com pontos de pus sempre se trata com antibióticos. Além de equivocada, essa crença contribui para agravar um problema de saúde pública: o uso indiscriminado desse tipo de medicamento.

A pesquisa da SBI foi conduzida nas cinco regiões do Brasil entre os dias 25 de outubro e 1º de novembro. A dor de garganta foi citada como principal motivo para uso automedicado de antibiótico (62,4%), seguida de resfriado e gripe (26,8%) e sinusite (18,8%).

A automedicação é feita pelo menos uma vez ao ano por 24,5% dos entrevistados, e 30,1% tomam antibiótico sempre que ficam doentes ou várias vezes ao ano. Ainda, mais de um terço (38,7%) declarou tomar o medicamento sem receita médica.

Resistência antimicrobiana

A resistência antimicrobiana (RAM) já representa uma ameaça global para a OMS, e um estudo publicado na revistaThe Lancet em setembro mostrou que, entre 1990 e 2021, mais de um milhão de pessoas morreram por ano em razão dela. Em 2021, a RAM foi confirmada como causa de 1,14 milhão de mortes e associada a outras 4,71 milhões. O estudo estimou que, até 2050, o problema causará um saldo extra de 39 milhões de óbitos.

Apesar disso, a RAM é desconhecida por 55,5% dos entrevistados da pesquisa da SBI, sendo que apenas 22,9% deles afirma estar “muito bem-informado” sobre o assunto.

A resistência aos antibióticos ocorre quando os medicamentos “selecionam” bactérias resistentes. Essas sobrevivem e se multiplicam, enquanto as outras são eliminadas. Com isso, os medicamentos vão perdendo a eficácia.

Esse processo de seleção ocorre naturalmente devido a alterações genéticas, mas o uso excessivo de antibióticos acaba acelerando sua dinâmica. É o que explica Ana Gales, infectologista e coordenadora do comitê de resistência antimicrobiana da SBI, durante coletiva de imprensa realizada em 19 de novembro em São Paulo. “A bactéria resistente já existe na natureza. O antibiótico não vai fazer uma bactéria ficar resistente, ele vai simplesmente selecionar e favorecer o crescimento dela”, afirmou a médica.

O mecanismo de resistência pode ser transferido por meio dos chamados “Elementos Genéticos Móveis”, que podem passar genes de resistência de uma bactéria resistente para uma bactéria sensível.

Problema de acesso

A OMS elenca patógenos prioritários para o desenvolvimento de novos antimicrobianos. Entre eles, estão Salmonella, Shigella a Pseudomonas aureus, Neisseria gonorrhoeae Enterococus faecium, que representam desafios para a saúde pública de países de baixa e média renda.

Para a infectologista, precisamos não só de novos medicamentos, mas de acesso a eles. “Nem todos os antimicrobianos disponíveis nos Estados Unidos e na Europa estão disponíveis no Brasil. E não é só porque não foram aprovados pela Anvisa. Muitas vezes, a gente não tem eles sendo testados na nossa população”, disse Gales. “O modo como a gente avalia também tem que ser melhorado. Então, o acesso a diagnóstico rápido e barato poderia nos ajudar nesse sentido.”

Para que serve o antibiótico?

O antibiótico é usado para combater somente bactérias, porém, apenas 63% dos respondentes do estudo da SBI sabiam disso. Outros 37% dos respondentes disseram erroneamente que esse medicamento combateria vírus, fungos, vermes e parasitas. Para 38%, sua função seria “aliviar a dor” – sendo que 13,4% já tomaram o medicamento equivocadamente para caso de dor muscular.

Quanto a obter antibiótico sem receita, 45,2% já o fizeram. Desses, 27% conseguiram por meio de farmácias pequenas e 2,1% com outras formas de acesso – o que inclui pegar com um familiar, amigo que conhecia um farmacêutico, via amostra grátis ou ter sobras em casa.

Gales destaca a importância de garantir saneamento básico e higiene para todos, o controle de infecções em ambientes hospitalares e que os pacientes tomem os tratamentos de forma adequada – para isso, ela vê como fundamental atividades educativas para médicos e dentistas.

RAM em animais

A resistência antimicrobiana, no entanto, não se restringe a tratamentos humanos. Na pecuária, os antibióticos usados em animais criados para consumo também se espalham pelo solo, água e plantas – chegando às pessoas tanto pelo consumo de carne quanto de vegetais.

Na União Europeia, o uso de antibióticos de crescimento em animais de criação está proibido desde 2006, e seus membros têm aplicado medidas para vetar a importação de países que não sigam as restrições estabelecidas.

Conforme estudo publicado em 2023 pela organização sem fins lucrativos Proteção Animal Mundial, 75% dos antibióticos vendidos no mundo são destinados a animais, sendo que 80% desses não são usados para tratar infecções, mas para alimentação humana em fazendas industriais.

A demanda mundial faz com que o Ministério da Agricultura brasileiro e produtores “se movimentem e desenvolvam metodologias para reduzir o uso de antibióticos e utilizar novas tecnologias para melhorar a produtividade”, como afirmou Alberto Shebabo, presidente da SBI.