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Ladislau Dowbor: este é o século da vida, da bioeconomia

Ladislau Dowbor: este é o século da vida, da bioeconomia

O século 20 foi da química inorgânica, dos combustíveis fósseis, e este século é dos organismos vivos.

O economista Ladislau Dowbor é pouco ortodoxo em sua visão de desenvolvimento. Sua obra literária e acadêmica é profundamente crítica à financeirização dos processos econômicos e busca sempre apresentar caminhos que transitam pela inovação e inclusão.

Entrevista em vídeo LADISLAU DOWBOR  

Tenho um olhar sobre estudos que ligam a biologia à agricultura, à medicina e em muitas outras áreas. O século 20 foi da química inorgânica, dos combustíveis fósseis, e este século é dos organismos vivos. A biodigestão dos resíduos para efeito de circularidade da economia ao invés de criar resíduos contaminantes é um caminho para a economia circular. No caso do plástico há sempre a esperança de encontrar uma bactéria que vai nos livrar desse problema.

O economista Ignacy Sachs tem a visão de que as bactérias irão nos ajudar em muitos processos, um exemplo é a transformação de qualquer resíduo agrícola em celulose. Isso está em estudos e vai revolucionar a produção de diversos derivados da celulose. A tecnologia Crisper*, de manipulação genética, é uma capacidade de transformação de DNA relativamente barata. Isso permite você cortar uma cadeia de DNA em um ponto determinado e substituir por outra.

A tecnologia da vida está se expandindo de forma radical. Há estudos de modificações para que pessoas sejam resistentes a AIDS e a outras doenças. Há dilemas a serem enfrentados. A produção de biocombustíveis a partir de cana de açúcar é bastante sustentável. No entanto, a produção do mesmo biocombustível a partir do milho, um alimento fundamental, não pode ser considerada boa. A bioeconomia está dando seus primeiros passos e uma chave é o Crisper*.

Temos uma disputa no caso da mobilidade entre a eletrificação dos motores ou o uso de biocombustíveis. Se você tem a capacidade de produzir energia solar OK, o ciclo se fecha. No entanto se as fontes de energia são outras a conta não fecha. Há a questão do lítio, metal do qual se depende para a bateria. Ainda não há boas tecnologias de estocagem de energia, ou seja, precisamos de baterias mais eficientes. Grande parte da contaminação climática se dá por aviões e navios e não conseguimos nenhum avanço nessa questão.

O Brasil é um grande exportador de água e solo embutidos em produtos agropecuários.

O Brasil tem uma grande quantidade de solo agrícola e as empresas agroexportadoras não se preocupam com a qualidade desse solo, pois utilizam enorme volumes de agroquímicos. E também, por termos disponibilidade de água, os processos de irrigação ainda são muito toscos e perdulários. O que não é desperdiçado é contaminado pelos agrotóxicos. E a água é nosso grande capital agroexportador.

O Brasil é um grande exportador de água e solo embutidos em produtos agropecuários.

Temos 350 milhões de hectares de estabelecimentos agrícolas e só utilizamos em lavouras 63 milhões de hectares. O solo agrícola de alta qualidade, com água, temos 225 milhões de hectares. Temos disponíveis como terra parada 160 milhões de hectares de boa qualidade. Isso é uma dramática subutilização em um país com alto desemprego e populações nas periferias das cidades que poderiam ajudar a equilibrar essa conta.

A produção brasileira de grãos é suficiente para dar 3,5 KG de grãos por dia para cada brasileiro. Há cidades que tem alto desemprego e terras agriculturáveis em seu entorno. Planejar e implementar cinturões verdes produz alimentos, trabalho e renda para a população que precisa disso. E é possível fazer com que seja trabalho de alta qualidade e com boa renda a partir da aplicação de conhecimentos, tecnologias e investimentos razoáveis. Você dá empregos para as pessoas e produz alimentos frescos.

O Brasil tem apenas 33 milhões de empregos formais no mercado privado e 11 milhões de empregos públicos. Com 211 milhões de habitantes, 150 milhões de adultos, temos cerca de 100 milhões de pessoas subutilizadas.

Meu trabalho é focado na utilização de fatores subutilizados. A cidade de Imperatriz, no Maranhão, é um caso exemplar dessa disponibilidade de terras e mão de obra. O Brasil tem apenas 33 milhões de empregos formais no mercado privado e 11 milhões de empregos públicos. Com 211 milhões de habitantes, 150 milhões de adultos, temos cerca de 100 milhões de pessoas subutilizadas e ficamos calculando o déficit do Estado. Nós somos uma imensa potência do agro e do bio. Acrescente-se a destruição da biodiversidade na Amazônia e em outros biomas e vemos que temos enormes oportunidades nessa bioeconomia.

O aquecimento global é uma questão para o Brasil, em especial para a Amazônia, mas há também o crescimento dos semiáridos em todo o mundo e no Nordeste brasileiro. Temos de juntar nosso imenso potencial de solo agrícola, 12% da água doce superficial e nossa rica biodiversidade e temos de juntar a isso as tecnologias, o que significa investimentos em universidades e ciência, e o capital. No Brasil o capital é basicamente financeiro e especulativo.

Temos de juntar nosso imenso potencial de solo agrícola, 12% da água doce superficial e nossa rica biodiversidade.

O Brasil tem um processo extrativo e destrutivo em relação ao solo. Poluímos as águas e desmatamos sem necessidade. Ter uma economia apoiada na terra não significa que estamos condenados a uma economia primária. No entanto a opção brasileira é exportar commodities e importar coisas. Precisamos de 200 hectares de soja para ter um emprego e o campo gera muito pouco em impostos. Mas se juntarmos a inteligência biológica, as tecnologias genéticas avançadas podemos transformar o Brasil em uma fonte de riqueza alimentar e biológica para o planeta. A linha de frente da ciência e das tecnologias não é necessariamente estar na indústria, mas também em outras áreas onde podemos utilizar nossos principais capitais, solo, água e pessoas.

O ciclo de extração de madeira, queimas, plantio de soja e pecuária é uma espiral de pobreza. E a área da agroindústria extrativa tem maioria no poder político local e nacional.

A transformação atual do mundo industrial para o que estão chamando de indústria 4.0 hoje é tão profunda quanto a passagem da era agrária para a era industrial. O conceito é mais profundo, a transformação digital atinge todos os setores. Quem manda hoje no planeta não são mais os barões da indústria. Quem manda são as plataformas de conhecimento e informação e os grandes grupos financeiros. Se eu pego bioeconomia vejo que ela se enquadra no conjunto dessas transformações. Para avançar na economia da vida é preciso ter acesso a muita tecnologia digital. Na educação estamos saindo da era da sala de aula, de um professor que sabe e o aluno que não sabe. O aprendizado hoje é mais horizontal.

Para avançar na economia da vida é preciso ter acesso a muita tecnologia digital.

Tudo está mudando, quando eu produzo bicicleta, quando eu vendo a bicicleta fico sem ela, mas quando o principal capital é o conhecimento, eu passo esse conhecimento e continuo com ele. Na china há sistemas de compartilhamento de conhecimentos de forma que as pessoas não precisam ficar competindo por conhecimentos já dominados. O conhecimento livre é o eixo principal de transformação no planeta e é também a principal peça de resistência a essa economia da concentração. O conhecimento á um produto livre, imaterial, que viaja pela rede e os tradutores automáticos, como o do Google, derrubaram as barreiras da língua.

O conhecimento livre é o eixo principal de transformação no planeta e é também a principal peça de resistência a essa economia da concentração.

Os que resistem à essa imensa oportunidade de transformação do planeta insistem em colocar barreiras para o uso livre. Ainda temos produtos patenteados por 20 anos em pleno século 21. Isso trava os avanços tecnológicos e científicos. O interesse público não entra na conta. Geramos um sistema de rentistas que travam o desenvolvimento e não economias pensantes e de conhecimentos.

O mundo já produz recursos suficientes para todos. Se dividirmos o PIB mundial de 85 trilhões de dólares pela população, 7.8 bilhões de pessoas, temos cerca de 18 mil reais por mês por família de 4 pessoas.

Nosso problema não é econômico, ou de falta de recursos, nosso problema é de organização política e social. Mas nosso sistema econômico está ancorado em grandes grupos concentradores de riquezas.

Temos um imenso potencial aberto pela conectividade. As pesquisas mais interessantes vão na linha do desenvolvimento local integrado. Usar os sistemas de educação local para enriquecer a comunidade, fortalecer as potências locais. A China tem tido essa visão de fortalecimento local, um governo central pequeno e os governos locais enfrentando os desafios de desenvolvimento de suas comunidades.

Portland, nos Estados Unidos, trabalha para que as universidades estejam conectadas às necessidades da comunidade para o desenvolvimento econômico e de políticas públicas. Lá os TCC são trabalhados sobre questões objetivas e podem propor soluções importantes para a comunidade. No Brasil ainda estamos pendurados em sistemas que formam para hierarquia e para a concentração de conhecimentos e poder. Aqui há um enorme desperdício de capacidade científica. (Envolverde)

Ladislau Dowbor – é economista e professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nas áreas de economia e administração. Atua como Conselheiro no Instituto Polis, IDEC, Instituto Paulo Freire, Conselho da Cidade de São Paulo e outras instituições.