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Seca extrema pode ter agravado desmoronamento que engoliu vila no interior do Amazonas

Seca extrema pode ter agravado desmoronamento que engoliu vila no interior do Amazonas

Fenômeno chamado de ‘terras caídas’, causado pela erosão do solo, é comum na região. Duas pessoas morreram e três seguem desaparecidas após queda de barranco no fim de semana.

seca extrema que atinge a região da Amazônia pode ter agravado o desmoronamento de terra que fez uma vila inteira desaparecer do mapa no interior do Amazonas.

🚨 Contexto: O deslizamento aconteceu no fim de semana na vila de Arumã, que pertence ao município de Beruri, a cerca de 6 horas de barco de Manaus. Segundo os bombeiros, 40 casas desabaram e foram arrastadas para dentro do rio que banha o vilarejo, duas pessoas morreram e outras três seguem desaparecidas.

Os deslizamentos de terra são comuns na Região Norte e têm até nome: “terras caídas”. O fenômeno é provocado pela ação da água nas margens dos rios, levando à erosão do solo. (Entenda mais abaixo.) No mês passado, houve um em Manicoré (interior do estado), mas que não deixou mortes.

O que especialistas apontam, porém, é que a dimensão da tragédia em Beruri pode ter relação com a estiagem severa, que ameaça bater recorde histórico e se estender até o mês de janeiro. A situação de diversos rios estratégicos é crítica, com vazões (volumes) abaixo da média histórica.

Queda de barranco deixou mortos e feridos em Beruri no Amazonas — Foto: Divulgação

Queda de barranco deixou mortos e feridos em Beruri no Amazonas — Foto: Divulgação

Por que acontecem os desmoronamentos?

  • As áreas onde os desmoronamentos acontecem são banhadas por rios e, durante o período das cheias, elas ficam com o solo extremamente encharcado.
  • Nessa época, a água do rio exerce um papel importante: que é o de absorver a pressão do solo encharcado.
  • Quando vem a estiagem, o nível dos rios baixa e a margem se distancia do solo, que ainda não conseguiu escoar a água da temporada de cheias.
  • solo pesado não aguenta e a terra desmorona, levando junto tudo o que estiver no caminho.

O geógrafo José Alberto Lima de Carvalho, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e especialista no fenômeno de “terras caídas”, explica que essa região “tem muita cheia e, quando isso acontece, a água fica retida no terreno. Ao baixar o nível do rio, esse solo desaba”.

É uma situação que acontece frequentemente nos nossos períodos de estiagem e que castiga a região, causando desmoronamentos de áreas quilométricas.
— José Alberto Lima de Carvalho, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
'Cena de terror,' diz sobrevivente de queda de barranco que fez vila 'sumir do mapa' no AM

‘Cena de terror,’ diz sobrevivente de queda de barranco que fez vila ‘sumir do mapa’ no AM

Bombeiros e Defesa Civil ainda procuram sobreviventes do deslizamento de uma vila no Amazonas

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Como a seca severa pode ter contribuído?

O professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Marinho explica que a seca extrema faz com que a vazão do rio aconteça de forma mais rápida, deixando seu nível muito baixo e, consequentemente, o solo encharcado sob mais pressão.

A água do lençol freático que ainda está no solo não acompanha a vazão do rio na mesma intensidade. Com isso, o solo fica ainda mais instável.
— Fernando Marinho, professor da USP

O rio Purus, que banha o município de Beruri, onde ocorreu a tragédia, é um dos que constam do levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao governo federal, sobre os rios em situação crítica, com vazão abaixo da média.

O professor da Ufam ressalta que, quanto maior a seca do rio, que é periódica, e mais alto for o barranco, maior a força da gravidade exercida. “Em geral, há sinais de que isso vai acontecer e as pessoas conseguem sair, o rio espuma e racha na margem”, explica.

Bombeiros e Defesa Civil ainda procuram sobreviventes do deslizamento de uma vila no Amazonas

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⚠️ Embora ainda não seja possível fazer uma análise da sucessão de fatores, o pesquisador da USP pondera que as secas influenciam na criação de rachaduras no solo, que podem intensificar os deslizamentos.

“A seca pode gerar trincas no solo, que está pressionado por estar encharcado. Essas trincas podem contribuir para um primeiro desbarrancamento e, como está tudo muito instável, qualquer coisa pode causar um deslizamento, que acaba sendo mais intenso”, explica Marinho.

Em meio à seca na Amazônia, 110 botos são achados mortos no Lago Tefé (AM), aponta Instituto Mamirauá

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Causas da seca

🔥🌊 A seca prolongada e fora do normal nos rios da Amazônia, que tem castigado milhares de moradores na região, está relacionada, segundo especialistas, à combinação de dois fatores que inibem a formação de nuvens e chuvas: o El Niño (que é o aquecimento do oceano Pacífico) e a distribuição de calor do oceano Atlântico Norte.

Apesar de os reflexos dos dois fenômenos ocorrerem em regiões diferentes da Amazônia, o aquecimento das águas do oceano desencadeia um mecanismo de ação similar sobre a floresta: a redução de chuvas na região, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Com isso, o início do período de chuvas, que deveria ser em novembro, vai atrasar.

A estiagem é mais grave na chamada Amazônia Ocidental, composta por Acre, Rondônia, Roraima e Amazonas.

Os bancos de areia, que a cada dia que passa ficam mais visíveis e extensos, devem aumentar de tamanho com a persistência da seca. Além da navegação, os desdobramentos podem ser sentidos na pesca, na agricultura e no equilíbrio ambiental.

No mapa abaixo, a área marrom indica previsão de chuva no Norte abaixo da média nos próximos três meses.

Previsão de chuva na região amazônica — Foto: Arte/g1Previsão de chuva na região amazônica — Foto: Arte/g1