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Queimadas no Pantanal podem aumentar dispersão da radiação solar quase 90% na estação seca

Queimadas no Pantanal podem aumentar dispersão da radiação solar quase 90% na estação seca

Alteração no fluxo de raios solares na superfície pode influir na quantidade de carbono na atmosfera, com possíveis reflexos na temperatura local e na formação de nuvens

No Pantanal, os materiais particulados produzidos pelas queimadas, conhecidos como aerossóis, podem aumentar a dispersão da radiação solar em até 86% durante a estação seca, entre os meses de julho e outubro, mostra estudo da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) em colaboração com o Instituto de Física (IF) da USP. Entre 2017 e 2019, os pesquisadores mediram a quantidade dos aerossóis e sua capacidade de absorver e espalhar os raios solares. Eles alertam que essas emissões podem interferir nas relações entre a fauna e a flora da região. As conclusões do trabalho são relatadas em artigo da revista científica Atmospheric Pollution Research, publicado na edição de maio.

De acordo com os pesquisadores, a principal consequência do aumento de dispersão é a alteração no fluxo de raios solares na superfície da região. Essa mudança pode influir tanto na quantidade de carbono na atmosfera, com possíveis reflexos na temperatura local, quanto na quantidade de água liberada pelas plantas e que evapora do solo, o que está relacionado com a formação de nuvens. No entanto, os cientistas apontam que a extensão total desses efeitos no clima do Pantanal será verificada em novas pesquisas.

“A região do Pantanal é considerada uma das maiores planícies de sedimentação do planeta e possui um mosaico de formas de relevo, com espécies de vegetação diversificadas”, afirmam ao Jornal da USP os pesquisadores Rafael Palácios, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), e Fernando Morais, do IF e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que participaram do estudo. “Essa região foi escolhida por representar um excelente laboratório para o monitoramento de partículas em suspensão no ar, os aerossóis, pois o período chuvoso pode ser representativo de uma atmosfera praticamente limpa, em condições naturais. Já no período de seca, acredita-se que, assim como em outras áreas da América do Sul e do Brasil, o Pantanal seja fortemente influenciado pelas emissões de queima de biomassa decorrentes da atividade humana.”

O estudo usou medidas das propriedades óticas dos aerossóis obtidas entre janeiro de 2017 e dezembro de 2019 no Norte do Pantanal, situado no Estado do Mato Grosso. “Estimativas do espectro de absorção da radiação solar pelos aerossóis serviram para analisar sua variação durante o ano, obtendo valores de base na estação chuvosa e impactados pelas queimas locais e regionais de biomassa na estação seca”, explicam os pesquisadores. “As estimativas foram integradas com medidas de espalhamento dos aerossóis, quantificando tanto as propriedades óticas quanto as alterações causadas pelas emissões das queimadas.”

De acordo com os integrantes da pesquisa, as propriedades óticas são as características dos aerossóis que definem seus processos de espalhamento e absorção da radiação solar. “As medidas de espalhamento foram obtidas no local por meio de um nefelômetro, um instrumento ótico que determina o chamado coeficiente de espalhamento”, descrevem. “Já as medidas de absorção foram obtidas com o uso de outro equipamento ótico, chamado de aetalômetro, que determina a concentração de Black Carbon, também chamado de BC, carbono negro ou carbono de fuligem. As medidas de BC foram então convertidas em coeficientes de absorção.”

A pesquisa verificou que as principais contribuições para o aumento do espalhamento e absorção da radiação solar na estação seca foram de queimadas locais e regionais. “Neste trabalho, a estação seca foi definida com base nos eventos de queimas regionais, e embora essa classificação não seja climatológica, o período de julho a outubro apresenta uma mudança geral sobre as propriedades óticas dos aerossóis, efeito justificado pelas emissões das queimadas que se elevam bruscamente em julho”, apontam Palácios e Morais. “Isso provoca um aumento da dispersão da radiação solar em aproximadamente 86%”.

Rafael Palácios – Foto: Currículo Lattes

Estudo usou medidas das propriedades óticas dos aerossóis obtidas entre janeiro de 2017 e dezembro de 2019 no Norte do Pantanal, situado no Estado do Mato Grosso, o que incluiu estimativas do espectro de absorção e espalhamento da radiação solar nos períodos chuvosos e de seca na região – Fotos: cedidas pelos pesquisadores

Fernando Morais – Foto: Reprodução

“Durante a estação chuvosa, as propriedades óticas do material particulado são semelhantes a valores encontrados na Amazônia central. Esta foi uma novidade encontrada na pesquisa e os resultados permitem afirmar, em termos óticos, que, nessa época do ano, a atmosfera pantaneira é tão limpa quanto a atmosfera na região central da Amazônia”, enfatizam os pesquisadores. Normalmente, o período de chuvas no Pantanal vai de novembro a março, especialmente nos meses de verão. “Este estudo valida as medidas que caracterizam as propriedades óticas dos aerossóis no Pantanal, fornecendo informações essenciais para compreensão dessas partículas sobre o microclima e os efeitos sobre o bioma pantaneiro.”

De acordo com Palácios e Morais, o estudo deixa um alerta geral sobre o impacto das queimadas regionais sobre os fluxos radiativos no Pantanal. “Em um contexto regional as emissões de gases e aerossóis podem interferir no funcionamento do ecossistema alterando as trocas de massa e energia da fauna e da flora”, destacam. “Embora o trabalho não deixe uma recomendação formal sobre ações de preservação, os impactos provocados pelas emissões das queimadas são evidentes e levam a uma reflexão sobre a realidade pantaneira. Em uma perspectiva futura, as medidas e caracterizações realizadas por esse trabalho serão essenciais para a compreensão do efeito dessas partículas sobre o meio ambiente da região.”

Gráfico ilustrando a relação entre o acumulado mensal de chuvas (barras azuis), focos de queimadas no Pantanal (barras pretas) e a profundidade ótica do aerossol fino (linhas vermelhas), no período de janeiro de 2017 a dezembro de 2019; as áreas sombreadas representam as estações consideradas secas – Foto: reprodução

O estudo contou com a participação direta dos pesquisadores Rafael Palácios, Kelly Romera, Danielle Nassarden, Lucas Rothmund, Angélica Siqueira, João Basso, Thiago Rodrigues, Leone Curado, Alfredo Weber e José Nogueira (in memoriam), do Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental da UFMT. Por meio do professor Paulo Artaxo e de Fernando Morais, físico especialista em laboratório, o IF colaborou no desenvolvimento e manutenção do experimento. Os pesquisadores Luciana Rizzo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Glauber Cirino e Breno Imbiriba, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e David Adams, da Universidade Nacional Autónoma de México (UNAM), colaboraram na organização das ideias e escrita da redação científica.

Mais informações: e-mails fmorais@if.usp.br, com Fernando Morais, e rafael.pgfa@gmail.com, com Rafael Palácios