Anchor Deezer Spotify

Por que Brasil tem chance de vender hidrogênio verde ‘mais barato do mundo’

Por que Brasil tem chance de vender hidrogênio verde ‘mais barato do mundo’

No contexto da busca internacional por alternativas de transição energética, um dos temas mais promissores da atualidade é o hidrogênio verde.

E o Brasil é um dos países com mais condições de liderar a produção dessa alternativa abundante, barata e potencialmente eficiente de energia.

Mas afinal, o que é o hidrogênio verde, e por que o Brasil tem tanto potencial com ele? Para chegarmos lá é preciso, primeiro, entender o que é o hidrogênio.

O hidrogênio (H2) é um gás incolor e inodoro, altamente inflamável e de combustão espontânea ao ar livre, produzindo uma chama também incolor.

O hidrogênio é o mais leve dos elementos químicos e tem a estrutura atômica mais simples possível: um único elétron orbitando um núcleo que consiste em um único próton.

É de longe o elemento mais abundante no Universo, embora não na Terra, onde ocorre principalmente combinado com o oxigênio como água (H2O).

As estrelas, incluindo o Sol, são formadas principalmente por hidrogênio, que pode também assumir os estados líquido e sólido.

O hidrogênio tem também um grande conteúdo energético, liberando na sua queima três vezes mais energia do que a gasolina.

Mas, diferentemente da gasolina, o hidrogênio é um vetor de energia limpa.

Quando reagido com oxigênio em combustão para produzir calor, ou em uma célula a combustível para produzir eletricidade, energia e água são os dois únicos produtos finais.

Já que na Terra o hidrogênio só existe em combinação com outros elementos, principalmente na água, e nos hidrocarbonetos (gás natural, carvão e petróleo), em combinação com o carbono, ele precisa ser separado destes outros elementos para ser usado como combustível.

Este processo é extremamente energointensivo, utilizando grandes quantidades de energia que, dependendo de sua origem, vai dar a “cor” utilizada na nomenclatura adotada para classificar as diferentes maneiras de obter o hidrogênio combustível.

As muitas ‘cores’ do hidrogênio

As diferentes cores atribuídas à forma como o hidrogênio é produzido começam pelo cinza, quando ele vem de hidrocarbonetos ou a partir da eletrólise da água usando uma fonte de energia elétrica fóssil (termelétricas a carvão ou a gás natural, por exemplo).

A maior produção de hidrogênio cinza está na China, que tem uma matriz energética predominantemente composta por usinas termelétricas a carvão.

O hidrogênio é denominado de azul quando existe a captura e armazenamento do CO2 resultante dos processos de reforma de hidrocarbonetos ou da produção de energia termelétrica para alimentar a eletrólise de água.

Dar ao hidrogênio este tom azul, no entanto, também é um truque que disfarça as emissões de metano (CH4) envolvidas no processo.

E, como o metano é um gás de efeito estufa cerca de 21 vezes mais potente do que o próprio CO2, existem sérias dúvidas sobre o quanto o hidrogênio azul pode contribuir com a sustentabilidade esperada da tecnologia do hidrogênio.

Outras cores para denominar a origem da energia ou do insumo para produzir o hidrogênio incluem o rosa (quando a fonte primária de energia elétrica é nuclear), o turquesa (no qual um processo chamado pirólise do metano é usado para produzir hidrogênio e carbono sólido, que pode ser armazenado ou utilizado em outros processos), o amarelo (quando se usa especificamente a energia solar para alimentar o processo de eletrólise) e, finalmente, o verde (quando se usa qualquer fonte renovável de energia na eletrólise, como solar ou eólica).

Tanques de armazenamento de hidrogênio

CRÉDITO,GETTY IMAGES Legenda da foto, O hidrogênio é um gás altamente inflamável e de combustão espontânea ao ar livre

Custo alto é obstáculo

As tecnologias que permitem o uso do hidrogênio como combustível ou como vetor energético são conhecidas há muitos anos, mas por razões principalmente de custo, ele ainda não é utilizado em larga escala.

Com a pressão para reduzir a emissão dos gases de efeito estufa que estão resultando em mudanças climáticas que podem levar à destruição de nosso planeta, no entanto, o hidrogênio vem sendo apresentado como uma potencial fonte de energia que pode contribuir de forma decisiva na transição para uma matriz energética sustentável.

Atualmente, porém, 99% do hidrogênio usado como combustível ainda é cinza, produzido a partir de hidrocarbonetos e fontes não renováveis, e menos de 0,1% é produzido por meio da eletrólise da água, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA).

O maior obstáculo para a ampliação do uso do hidrogênio está relacionado com as grandes quantidades de energia e os custos para sua produção que não envolvam a emissão de CO2.

Até agora, gás natural, carvão e derivados de petróleo são as fontes desta energia, de maneira que a produção de hidrogênio cinza continua a poluir o meio ambiente com CO2.

Mais recentemente, contudo, energias renováveis e limpas, como solar e eólica, passaram a ser usadas na produção de hidrogênio por meio da eletrólise da água.

A eletrólise usa uma corrente elétrica para dividir a água em um dispositivo chamado eletrolisador.

O resultado é o chamado hidrogênio verde, 100% sustentável, mas por enquanto ainda muito mais caro de se produzir do que o hidrogênio cinza.

Com a redução acentuada dos custos das tecnologias solar fotovoltaica e eólica, gerar hidrogênio verde e seus derivados — como amônia (NH3), combustíveis sintéticos, fertilizantes verdes, etc. — a partir de fontes renováveis passou a ser um tema de grande interesse não somente técnico e científico, mas também econômico, social e ambiental.

Tanques de armazenamento de hidrogênio

CRÉDITO,GETTY IMAGES Legenda da foto, Atualmente, 99% do hidrogênio usado como combustível ainda é produzido a partir de hidrocarbonetos e fontes não renováveis

Produção mais barata no Brasil

Atualmente, quando comparado à produção de hidrogênio cinza a partir de gás natural ou carvão, o hidrogênio verde chega a custar mais que o dobro.

A produção de hidrogênio verde no Brasil, a partir de energia solar e eólica, vem sendo avaliada como uma forma mais barata para sua produção.

A expectativa é de que em 2050 o Brasil produza o hidrogênio verde mais barato do mundo, chegando a custar metade do preço pelo qual se produz hoje o hidrogênio cinza. Mas muita pesquisa e desenvolvimento precisa ainda acontecer para chegar lá.

Voltando às “cores” do hidrogênio, pode-se resumir todo o espectro utilizado nesta nomenclatura ao verde e ao cinza.

Só é verde e sustentável o hidrogênio produzido a partir da eletrólise da água e que utiliza uma fonte renovável para fornecer a energia elétrica para este processo.

Todas as outras tecnologias (e cores) na produção de hidrogênio que envolvem a emissão de gases de efeito estufa devem ser agrupadas na cor cinza.

A produção de amônia verde pode permitir desde a fertilização de áreas pouco produtivas do mundo em desenvolvimento até a propulsão de navios de grande porte que diariamente cruzam os oceanos queimando combustíveis fósseis.

A aviação comercial também pode se beneficiar do desenvolvimento de combustíveis sintéticos e renováveis com base no hidrogênio verde, e os veículos movidos por células de combustível alimentadas por hidrogênio verde complementam a grande lista de aplicações da economia do hidrogênio.

A associação de luz solar e ventos brasileiros com a abundância de água disponível no país pode contribuir de forma expressiva para a competitividade do hidrogênio verde brasileiro.

No Laboratório de Energia Solar Fotovoltaica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em Florianópolis, estamos produzindo hidrogênio, amônia e fertilizantes verdes a partir da água captada da chuva pelas mesmas placas fotovoltaicas que compõem os telhados e fachadas do prédio, e que geram a energia elétrica necessária para isso a partir do Sol.

*Ricardo Rüther é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

**Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation Brasil e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original.