Anchor Deezer Spotify

Plástico nos oceanos ameaça biodiversidade na darwiniana Galápagos

Plástico nos oceanos ameaça biodiversidade na darwiniana Galápagos

Ilha equatoriana é exemplo de danos que material e suas micropartículas causam na escala global; poluição piorou nos últimos 18 anos

Galápagos, o arquipélago a quase mil quilômetros na costa equatoriana, têm uma contribuição ímpar para a ciência global: foi lá que Charles Darwin observou as diferenças nos bicos dos tentilhões, um dos pilares para a teoria da evolução, em 1835. Quase dois séculos após a viagem do britânico, as ilhas são um estudo de caso da ameaça que o excesso de plástico nos oceanos representa para o planeta, da preservação da biodiversidade à saúde humana.

Há hoje no mar cerca de 171 trilhões de fragmentos plásticos, segundo um estudo assinado pelos pesquisadores liderados por Marcus Eriksen e Win Cowger. De 1990 a 2005, apesar de oscilações sem uma tendência clara, houve uma disparada. Há 18 anos, havia 16 trilhões de partículas, menos de um décimo do acumulado atual.

Se fosse um país, a indústria dos plásticos seria o quinto maior emissor de gases-estufa do planeta terra, segundo dados da Oceana, a maior organização de preservação de oceanos do planeta. Por ano, cerca de 14 milhões de toneladas de plástico vão parar nos mares, algo equivalente a despejar dois caminhões cheios dos produtos no mar a cada dois minutos.

O impacto disso já é claro em Galápagos, segundo uma pesquisa realizada pelo Galápagos Conservation Trust, organização britânica que trabalha para a preservação do arquipélago. Para tentar garantir sua proteção, a região, que tem mais de 2,5 mil espécies endêmicas, foi declarada a segunda maior reserva marítima do planeta.

Foram encontradas enroladas em plásticos ou ingeriram a substância 52 espécies, entre elas 20 endêmicas. Os animais da região que correm maior risco de se machucar e se prender são tartarugas-verde, iguanas marinhas — únicos lagartos do planeta adaptados a hábitos marinhos —, tubarões-baleia, móbulas japanicas e aves geospiza fortis.

Uma preocupação especial é com os manguezais, disse ao GLOBO Jen Jones, uma das responsáveis pelo estudo, que analisa cinco anos de informações. A íntegra da pesquisa será lançada no segundo semestre, mas os resultados preliminares foram antecipados na Conferência Nosso Oceano, que ocorreu no início do mês no Panamá.

— Descobrimos que, de início, não é possível ver muito plástico, já que ele fica enterrado sob os sedimentos. Mas ele está lá, e a razão pela qual isso é muito preocupante é porque os mangues são importantes para a captura de carbono e o carbono azul. Se o plástico é uma barreira física, a captura não pode acontecer — disse a cientista britânica.

Descartáveis de fora

De acordo com o estudo, mais de 95% do plástico costeiro que chega à Galápagos vêm de fora da reserva marítima. A pesquisadora Joanna Alfaro, na mesma conferência na capital panamenha, narrou uma anedota de quando fazia um trabalho com pequenos pescadores no arquipélago. Ao se apresentar como peruana, ouviu que seus compatriotas consomem “muita Inca Kola”, refrigerante muito popular no país andino.

Segundo os dados do Galápagos Conservation Trust, 69% dos itens plásticos recolhidos nas ilhas são descartáveis, e um terço tem relação com bebidas. As latinhas e garrafas da bebida são levadas por correntes marítimas para as praias da região, sinal de que o lixo jogado em um ponto qualquer do globo pode ter impacto global.

— Lembro-me de uma vez que levamos três dias para soltar uma arraia manta cujas nadadeiras ficaram presas em uma linha de pesca de plástico, que cortava o animal como uma navalha — disse Alex Hearn, professor da Universidade São Francisco de Quito, também no evento no Panamá.

Tão perigosa quanto a população visível, contudo, é a invisível: mais de 2,5 mil microplásticos são encontrados por metro quadrado nas praias mais poluídas do arquipélago. Os plásticos não se decompõem, mas se reduzem em fragmentos menores, de limpeza dificílima. Há ainda os microbeads, partículas de polietileno usadas em produtos de beleza como esfoliantes e pastas de dentes — têm dimensão tão ínfima que driblam os sistemas de filtragem e vão parar nos oceanos.

Dos invertebrados marinhos de Galápagos analisados, 52% tinham microplásticos. No ano passado, um estudo detectou a presença das minipartículas no sangue humano pela primeira vez. Seu impacto ainda não é de todo conhecido, mas acredita-se que podem danificar células, induzir respostas inflamatórias ou reações autoimunes.

Indústria bilionária

Abandonar o plástico de uma vez para outra, contudo, é muito difícil. O primeiro obstáculo é o valor de mercado da indústria, estimado em US$ 593 bilhões (R$ 3 bilhões) em 2021 — a previsão é de que passe de US$ 810 milhões (R$ 4,2 bilhões) em 2028. Só no Brasil, segundo dados mais recentes da Associação Brasileira da Indústria do Plástico, o setor gerou mais de 336 mil empregos em 2021.

A estimativa é de que os países do G20, que reúne as 20 maiores economias do planeta, dupliquem o uso de plásticos até o meio do século, chegando a 451 milhões de toneladas, segundo o informe recém-divulgado. Em 1950, a produção global ficava ao redor de 2 milhões de toneladas.

Uma cruzada contra plásticos de uso único, cujo consumo aumentou durante a pandemia, é particularmente essencial, destacam os especialistas. Em dezembro, mais de 160 países começaram uma negociação sob a égide da ONU para banir os descartáveis, além de multa para quem contaminar e impostos sobre os produtores.

O problema tem uma dimensão ainda maior devido ao fato de apenas 9% do plástico do planeta ir para reciclagem. E quando a poluição já está nos mares, retirá-la de lá é uma missão cara, pouco eficiente e dificílima.

— As pessoas estão gastando dinheiro tentando limpar correnteza abaixo, quando nada disso é prático. O importante é o contrário. Digo sempre: “Se você entra no banheiro de sua casa e a banheira está transbordando, qual é a primeira coisa a fazer? Desligar a água ou pegar um esfregão?” É este o cenário que os plásticos nos impõem — disse Andrew Sharpless, diretor executivo da Oceana.

*A repórter viajou ao Panamá à convite da conferência Nosso Oceano.