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Na Amazônia, 38% da floresta que sobreviveu ao desmatamento está sujeito à degradação

Na Amazônia, 38% da floresta que sobreviveu ao desmatamento está sujeito à degradação

Estudo mapeou danos de queimadas, madeira ilegal, fragmentação da área remanescente e secas; somados ao “corte raso” da mata, esses fatores implicam que mais da metade da floresta já foi destruída ou afetada

O desmatamento é hoje a maior preocupação para a preservação da Amazônia, mas outras formas de degradação florestal que não são no corte raso da mata já atingem 38% da floresta, ou 2,5 milhões de km². A conclusão é de um estudo que revisou a extensão dos quatro principais fatores de degradação do bioma: as queimadas, a extração predatória de madeira, a fragmentação das matas remanescentes e as secas extremas.

O trabalho, liderado pelo cientista David Lapola, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) está descrito em artigo nesta quinta-feira na revista Science. O trabalho foi destacado na capa da publicação, que é o periódico científico mais influente do mundo, junto com a revista Nature.

Somada à área do bioma amazônico que já foi desmatada com corte raso (17%) os dados divulgados no trabalho implicam em dizer que mais da metade da floresta já sofreu interferência humana direta ou indireta. Os dados sobre degradação usados no trabalho foram extraídos de diversos outros estudos feitos ao longo das duas últimas décadas na região.

— A gente pegou dados que já existiam sobre extensão de fogo, efeito de borda, exploração de madeira ilegal e secas, só que eram todos separados — conta Lapola. — A nossa análise agora trouxe eles juntos num artigo de revisão, mas que envolveu muita análise, não foi apenas uma revisão qualitativa.

Apesar de abarcar apenas o período entre 2001 e 2018 (sem incluir os anos da gestão Bolsonaro no país), o trabalho representa a avaliação mais completa e robusta até agora sobre o tema. O estudo envolveu 35 cientistas de instituições brasileiras e estrangeiras, vários deles líderes em seus subcampos de pesquisa.

Nos mapas que os pesquisadores criaram para o trabalho, muitas das áreas impactadas pela degradação são próximas a áreas desmatadas com corte raso, porque um tipo de destruição está ligado ao outro. Além da região do arco do desmatamento (o eixo sul-leste da floresta), é visível o impacto da degradação perto de grandes eixos de transporte na região, sobretudo em torno das das rodovias Transamazônica e BR-163, além do rio Amazonas, uma hidrovia.

Esse padrão valeu sobretudo para as áreas fragmentadas, que sofrem daquilo que os cientistas chamam de “efeito de borda”. Árvores e animais que ficam perto de áreas desmatadas são mais suscetíveis ao ressecamento, caça ilegal e outros problemas. A falta de sombra também as deixa mais vulneráveis ao fogo e à intrusão de madeireiros ilegais.

Mapas de impacto dos quatro principais fatores de degradação da floresta amazônica  — Foto: Lapola et. al/Science/reprodução

Mapas de impacto dos quatro principais fatores de degradação da floresta amazônica — Foto: Lapola et. al/Science/reprodução

Mapas de impacto dos quatro principais fatores de degradação da floresta amazônica  — Foto: Lapola et. al/Science/reprodução

Mapas de impacto dos quatro principais fatores de degradação da floresta amazônica — Foto: Lapola et. al/Science/reprodução

O mapa das grandes secas que ocorrem na região, porém, seguiu um padrão muito diferente, porque os últimos grandes eventos de estiagem afetaram algumas áreas muito distantes do Arco do Desmatamento. Entre regiões que sofreram ao menos quatro eventos de seca severos em duas décadas estão o sul do Mato Grosso, o oeste do Maranhão e a divisa entre Amazonas e Roraima, beirando a terra indígena Yanomami.

As estimativas sobre emissão de CO2 e gases estufa da degradação da floresta Amazônica ainda não têm alta precisão mas estão provavelmente na ordem dos 100 milhões de toneladas de carbono por ano, a mesma escala de emissões das emissões do corte raso, indicam o estudo. Apesar de as secas provocarem menos emissão que os outros três fatores, a extensão do problema acaba a tornando relevante também.

— A seca extrema tem uma intensidade relativamente baixa de impacto em termos de emissões, e área afetada perde 1% ou 2% do carbono, só que a seca, quando ocorre, atinge uma área imensa imensa, muito maior que a do fogo, por exemplo — diz Lapola.

Essa forma de degradação, apesar de não ter uma origem local, pode ser considerada também impacto humano, já que a frequência das estiagens mais severas aumenta (e seguirá aumentando) como efeito do aquecimento global.

— Nem toda seca que teve na Amazônia foi inequivocamente provada como causada por conta de mudanças climática antropogênicas, de origem humana, mas algumas que foram, principalmente a de 2015/2016 — diz o cientista.

Mudança desenfreada

Além da pesquisa liderada por Lapola, a Science publica um segundo estudo nesta semana sobre a Amazônia, que compara a taxa de mudanças ecológicas e atmosféricas atual com aquela que a floresta experimentou no passado, por perturbações geológicas naturais.

O trabalho, articulado pela rede de cientistas que integram o Painel Científico da Amazônia (SPA), liderado pelo cientista Carlos Nobre, da USP. Essa pesquisa concluiu que as perturbações antropogênicas ocorrem numa escala de tempo centenas a milhares de vezes mais rápida do que os processos naturais climáticos e geológicos da região, o bioma incapaz de se adaptar, como já fez no passado entrando e saindo das eras do gelo.

— O clima flutuou bastante nos últimos dois milhões de anos, por períodos glaciais e interglaciais, e a Amazônia sobrevieveu a esses períodos porque ela tem uma capacidade resiliente de responder ao clima global — explica o geólogo Pedro Val, da City University de Nova York, coautor do estudo.

Os processos atuais na floresta, porém, colocam a Amazônia mais perto de um “ponto de inflexão” a partir do qual ela poderia perder a capacidade de sobreviver sozinha.

— A mudança climática atual já faz com que as as beiradas do sudeste e do leste da Amazônia, que são regiões em que está se expandindo a área aridificada, já começem a recuar — diz Val, que desenvolveu parte de sua pesquisa com apoio do Instituto Serrapilheira, do Rio.

Para reverter o processo, dizem os pesquisadores, o único caminho é o fim do desmate por corte raso, mas o combate a outras formas de degradação é essencial, incluído o processo de degradação de origem global, que é a mudança climática.