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Mesmo com vacina e tratamento, raiva já matou duas pessoas no Brasil em 2023 e acendeu alerta

Mesmo com vacina e tratamento, raiva já matou duas pessoas no Brasil em 2023 e acendeu alerta

Com animais domésticos imunizados, perigo maior recai sobre morcegos e outros bichos silvestres

No primeiro semestre de 2023, pelo menos duas pessoas morreram por raiva no Brasil. Os casos acenderam o alerta para a falta de informação da população, já que a doença pode ser prevenida e tratada, desde que a busca por ajuda ocorra no tempo certo.

Em fevereiro, um agricultor de 36 anos foi mordido por um macaco sagui no Ceará, mas a vítima só procurou atendimento no fim do mês de abril, após o início dos sintomas da doença, quando já era tarde demais. Um criador de gado de 60 anos de Mantena, no Leste de Minas Gerais, também teve diagnóstico confirmado para raiva humana em abril, dias depois de ter manuseado um bezerro com comportamento atípico. Infelizmente, quando chegou aos serviços de saúde o quadro já era grave e ele morreu.

Diante disso, a Sociedade Brasileira Imunizações (SBIm) criou um informativo sobre a doença.

— A gente teve dois casos de pessoas que morreram de raiva esse ano. É muito para uma doença que é totalmente evitável. As pessoas que morreram chegaram tarde demais para procurar atendimento médico. E isso é o que faz a diferença — afirma Isabella Ballalai, diretora da SBIm: — Não é uma campanha de vacinação, mas de informação.

A raiva é uma doença infecciosa viral grave, que mata em praticamente 100% dos casos. Ela só afeta mamíferos, inclusive o homem, e a transmissão acontece pelo contato com o vírus que está contido na saliva do animal infectado, quando ele morde, lambe ou arranha uma pessoa ou outro animal.

Se os cuidados preventivos não forem tomados o mais cedo possível, o vírus afeta o sistema nervoso central e provoca a inflamação do cérebro e de outros órgãos. Nesse ponto, já não há tratamento.

Assim, logo após uma mordida ou contato com um animal que possa estar infectado, é preciso procurar o serviço de saúde mais próximo, para avaliar e definir a conduta a ser adotada.

A vacinação e, quando necessária, a aplicação de imunoglobulina ou soro antirrábico, além de outros cuidados, podem prevenir a doença. Mas, infelizmente, por falta dessa informação, mesmo sendo uma doença prevenível a raiva mata, a cada ano, no mundo, 70 mil pessoas.

— A diferença entre o animal e a gente é que o animal toma a vacina anualmente como rotina e não é o mesmo imunizante. Em geral, nós só temos que tomar se passarmos por uma situação de risco. Não há vacinação rotineira porque não precisa. De quando você sofre o acidente até ter a doença demora de 2 a 7 dias, mas pode demorar um mês, até um ano, embora seja raro. Ou seja, dá tempo de tomar a vacina ou a imunoglobulina e não adoecer — explica Ballalai.

Graças às campanhas de vacinação de animais, o número de casos raiva, desde 1986, caiu drasticamente. Mesmo assim, o perigo ainda é real. Em 2022, a ocorrência de acidentes voltou a crescer. Segundo o Ministério da Saúde, de 2010 a 2022 foram registrados 45 casos de raiva humana no Brasil, cinco deles entre janeiro e outubro de 2022.

Cachorros ou morcegos?

Embora a raiva ainda esteja muito ligada aos cães no imaginário popular, o perfil da transmissão vem mudando, graças à vacinação anual de gatos e cachorros. Assim, esses animais deixaram de ser os maiores transmissores da doença no país. Hoje, a maior parte dos casos se deve à transmissão por morcegos ou outros animais silvestres, como cachorros do mato.

Entre os 45 casos registrados desde 2010, 24 foram provocados por morcegos, 9 por cães, 5 por felinos, principalmente gatos, 4 por micos ou macacos e 2 por raposas. Em um dos casos não foi possível identificar o animal agressor.

Assim, atualmente, 53% das transmissões são por morcegos, 20% por cachorros, 11% felinos, 9% primatas e 4% raposas.

É importante ressaltar que que animais como furões, coiotes e gambás também podem transmitir raiva. Por outro lado, não transmitem a doença coelhos, roedores pequenos (esquilos, ratos, porquinhos-da-Índia e hamsters), lagartos, peixes e pássaros.

— O Brasil fez várias campanhas e ainda faz e a gente não tem a raiva entre os animais domésticos, incluindo gatos e cachorros de rua que também são vacinados. O grande problema é que tem muito morcego e ele é um dos maiores transmissores, hoje é o mais comum. No Rio de Janeiro tem morcego que entra em casa e morde o cara assistindo televisão. E não é só o que bebe sangue. O frutífero, que vive na cidade, também pode pegar raiva e transmitir para a gente — alerta Ballalai.

Se um cachorro for mordido por um morcego é preciso lembrar que a vacina não é 100%, então ele tem que ficar em observação.

Quando possível, o animal agressor deve ficar em observação por dez dias, para que possa ser identificado qualquer sinal suspeito de raiva.

Se o animal apresentar comportamento diferente, mesmo que não tenha agredido ninguém, também é importante procurar o serviço de saúde.

Uma dica importante é lavar imediatamente o ferimento com água corrente abundante e sabão, ou outro detergente. Isso diminui, comprovadamente, o risco de infecção, por eliminar grande quantidade de partículas virais no local.

Vacina antes ou depois

A vacina é inativada, portanto não há risco de causar a doença. Ela pode ser de pré-exposição ou pós-exposição.

Em muitas situações, geralmente por trabalho, as pessoas podem ter contato mais longo com o vírus da raiva. Nestes casos, a recomendação é se vacinar preventivamente. A medida vale, por exemplo, para veterinários, biólogos, profissionais de laboratórios de virologia, assim como quem atua na captura, vacinação, identificação e classificação de mamíferos passíveis de portar o vírus, pesquisadores, funcionários de zoológicos e até mesmo guias de ecoturismo ou espeleólogos (pessoas que estudam cavernas).

Há também casos em que a pessoa viaja para áreas de maior risco como partes da África, Ásia e das América Central e do Sul. Segundo a SBIm, nestes lugares, a raiva em cães ainda é um grande problema e tanto o acesso a vacinas quanto o atendimento podem ser difíceis de obter. Então é o caso de avaliar uma vacinação preventiva.

Para depois da exposição, a vacina antirrábica, se recomendada por um profissional de saúde, pode ser aplicada em qualquer pessoa, incluindo crianças, idosos e gestantes. Não há contraindicações ou relatos de eventos adversos graves.

Já o soro antirrábico é, segundo informações da SBIm, um auxiliar importante da vacina, porque neutraliza o vírus com rapidez, enquanto o imunizante produz no organismo a proteção necessária. Assim, é aplicado de forma complementar à vacina.

A imunoglobulina é ainda mais segura que o soro antirrábico e tem o mesmo objetivo, mas como sua produção é limitada, é mais cara e não está sempre disponível.