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Turismo mantém Cerrado em pé no Sul do Maranhão

Turismo mantém Cerrado em pé no Sul do Maranhão

Em contraponto com o agronegócio que avança e desmata o Cerrado no Sul do Maranhão, proprietários de terras mantém florestas em pé e nascentes preservadas ao apostarem no turismo sustentável

  • A Chapada das Mesas, situada na porção maranhense do Matopiba, no sul do Estado, é uma região que ficou famosa por causa de seus imensos platôs formados por rochas, que lembram os formatos de mesas. Mas esse é apenas o cartão de visita do lugar. Em uma região que disputa espaço com as grandes lavouras de uma só espécie (monocultura), por entre as trilhas densas do Cerrado que resiste, se escondem nascentes, cavernas, mirantes, cachoeiras, espelhos d’água cristalinas, gravuras rupestres, vestígios de dinossauros, formações rochosas e uma diversidade de fauna e flora que só o encontro entre a Caatinga, o Cerrado e Amazônia pode ter.

O lugar, composto por paisagens dos municípios de  Imperatriz, Tasso Fragoso, Estreito, Carolina, Riachão, Balsas, Formosa da Serra Negra, Fortaleza dos Nogueiras, Itinga do Maranhão, Campestre, Alto Parnaíba e Açailândia, deu origem a um dos mais recém-criados parques nacionais do País. Criada em 2005, a Unidade de Conservação abriga 160 mil hectares entre os municípios de Carolina, Riachão e Estreito, mas parte das atrações naturais da Chapada das Mesas também são encontradas pelos arredores da área integralmente protegida.

A região vem sendo um destino cada vez mais procurado por viajantes que buscam estar conectados com a natureza e recebe diariamente grupos de excursões em seus atrativos. Com os impactos já esperados pela presença de turistas e as consequências do avanço do agronegócio, manter essas riquezas naturais da Chapada das Mesas preservadas tem sido um desafio.

Em Riachão, a exemplo desse contraste, no caminho para um dos atrativos turísticos, a equipe de reportagem da Eco Nordeste pôde conferir enormes plantações de soja compondo as paisagens. Mais à frente, três seriemas (Cariama cristata) saíram de uma moita e cruzaram a estrada de terra. Uma cotia (Dasyprocta aguti) repetiu a ação ainda nesse mesmo caminho, que nos levou aos atrativos vizinhos Encanto Azul e Complexo Poço Azul. Ambas são propriedades particulares que contam com cachoeiras e nascentes de águas incrivelmente azuis.

Joana Paula de Oliveira conta que a propriedade do Poço Azul já pertence à sua família há mais de 33 anos. E tudo teve início quando o seu falecido esposo, que foi um apreciador da natureza, buscava um lugar que tivesse uma cachoeira para conhecer, na região. Foi quando um amigo lhe apresentou o espaço, que pertencia a outro proprietário. Encantado com a natureza única formada por uma área de Cerrado preservado, uma imensa cachoeira, várias nascentes e um poço azul lindíssimo que brota das rochas, seu primeiro esposo não sossegou até comprar as terras do que hoje é um dos complexos ecoturísticos mais concorridos entre os visitantes da região, e chega a receber 15 mil visitantes por ano.

A necessidade de abrir a propriedade para o público veio junto com a grande procura das pessoas em conhecer o Poço Azul. “Ao todo são 470 hectares preservados. Temos várias cachoeiras dentro do complexo, muitas árvores nativas, como o Pau Brasil, e contamos com a presença de muitos animais, como as aves, quatis, cobras e macacos. Tudo o que a gente arrecada no espaço, com as taxas de entrada, se converte em investimentos para garantir a qualidade da experiência dos visitantes e para a preservação do lugar”, destaca Joana Paula.

O complexo gera emprego e renda para as pessoas locais e, além da natureza em volta, oferece ao público o serviço de hospedagem em chalés, restaurante, trilhas calçadas, redário e conta com uma capela.  Joana Paula ressalta que a procura de viajantes pelo Poço Azul tem sido cada vez maior, mas que há, por parte da gerência do complexo, o máximo de cuidado com o número de visitantes por hora e a capacidade de carga do espaço.

“Prezamos em cuidar para que a gente tenha esse lugar sempre bem zelado e uma natureza bem protegida. Aqui não deixamos desmatar, temos o cuidado de preservar as nascentes e não permitimos que nada altere aquele ambiente. Procuramos trabalhar a educação ambiental por meio de informações contidas em placas espalhadas pelo complexo e disseminamos a conscientização por meio das nossas redes sociais. Temos um diálogo importante também com os nossos guias para que esses sejam multiplicadores desse cuidado com o espaço junto aos nossos visitantes”, enfatiza.

Intervenções do poder público

O secretário de Turismo, Cultura e Juventude do Município de Riachão, Joamar Silva Filho, reforça que os proprietários desses atrativos da Chapada das Mesas assumem, junto à pasta, o compromisso em cumprir normas estabelecidas para a preservação ambiental, inclusive por que a natureza preservada é tida como o mais precioso produto desses empreendimentos turísticos.

“A capacidade de carga nos complexos é um ponto sensível porque sabemos os impactos que uma grande quantidade de pessoas pode causar nesses espaços. Criamos a Lei de Ordenamento Turístico, que funciona com um voucher digital. Fomos até Bonito, no Mato Grosso do Sul, para conhecer o modelo implantado por lá e trazê-lo para a Chapada das Mesas. Implantamos um sistema que integra todos os atrativos com as operadoras de turismo (agências e receptivos) para se trabalhar a capacidade de carga. Assim a gente consegue ter controle da quantidade e do perfil dos visitantes dos atrativos hoje em dia“.

Como uma das exigências feitas pelos órgãos competentes do município, o secretário cita a proibição de lixões dentro das propriedades dos atrativos, a gestão adequada dos resíduos sólidos descartados nessas propriedades e a proibição de alterações em áreas de nascentes.

Joamar explica que também está tramitando a implementação da taxa de preservação permanente, por meio da qual o turista irá custear esse valor, com isenções para quem se hospeda no município. Esse recurso deverá ser convertido em investimentos para a preservação ambiental e outros serviços necessários. Quanto ao avanço do agronegócio em Riachão, o responsável pela pasta reconhece que ainda há muito trabalho a ser feito para evitar os impactos locais.

Já o secretário de Meio Ambiente do município, Pedro Ludovico, destaca que a grande aposta da pasta que lidera são as ações de educação ambiental: “buscamos trazer as pessoas para o nosso lado nessa pauta, fazendo formações e reuniões pelas comunidades do município para estabelecer esse diálogo.  A gente tem conseguido êxito em diminuir as quantidades de queimadas na região, com investimentos em construções de aceiros e contando com as comunidades para evitar essas queimadas. A população vem assumindo também o seu papel de fiscal ambiental”.

Além da diminuição de queimadas, o secretário ressalta como um dos êxitos das ações de educação ambiental a diminuição da caça. O diálogo e a troca de conhecimentos com os agricultores familiares também é um caminho. Esses estão recebendo kits de irrigação para evitar que construam suas roças próximas aos brejos e nascentes.

Quanto à pulverização aérea de agrotóxicos adotadas pelas grandes fazendas produtoras de grãos, Ludovico reconhece o risco de contaminação do solo e dos recursos hídricos, além dos danos à saúde das populações. O secretário destaca que a pulverização de agrotóxicos é proibida no município, sendo o produtor passivo de multa caso use da prática.

A Chapada das Mesas e o Matopiba

Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 1980 como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três Estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Sendo reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.

Turismo de base comunitária

Como uma das iniciativas para fortalecer o turismo sustentável na região e a preservação ambiental, Joamar Silva Filho destaca um pacto regional que recebe fundos internacionais, no qual o município de Riachão está inserido: O Pacto Produzir, Conservar e Incluir (PCI) envolve outros 11 municípios no Sul do Maranhão e busca a conservação dos recursos naturais a partir da inclusão das pessoas que vivem nessas áreas em todo esse processo.

A ideia é incentivar o turismo de experiência, o turismo rural e de base comunitária. Isso é possível quando numa determinada rota turística quem oferece os serviços são os agricultores familiares que vivem naquele lugar. A iniciativa conta com a atuação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

“Por exemplo: partindo da perspectiva do empreendedorismo, a casa ou o estabelecimento de um pequeno produtor pode se tornar destino turístico por vender uma típica receita de galinha caipira da região, ou de um doce caseiro feito de frutos nativos do Cerrado, isso tudo levando em consideração a vivência do visitante na realidade local. Enquanto isso, há também o compromisso de preservar a natureza em volta”, explica Sandra Barcelos, analista do Sebrae.

A exemplo disso, entre os municípios de Balsas e Nova Colinas há a cachoeira do Macapá. No caminho para essa queda d’água que se tornou um dos maiores atrativos dos dois municípios, há alguns povoados. O Sebrae vem fazendo um levantamento nessas comunidades para mapear potencialidades de serviços voltados para o turismo rural e de experiência que podem ser incentivados. O mesmo vem sendo feito em outras áreas que compõem a Chapada das Mesas. Iniciativas por parte da Secretaria de Turismo do Estado do Maranhão também vem fortalecendo o segmento.

Descobertas pré-históricas e suas potencialidades

O Município é detentor de um grande número de cavernas, o que justifica muito bem a estadia e passagem do homem pré-histórico no local, conforme pontua o ambientalista, fotógrafo e guia de turismo Agnaldo Guimarães Fialho, conhecido como Lirô. Ele, que junto à sua esposa, fundou o Museu do Cerrado, vem, há mais de 20 anos, reunindo um acervo de achados arqueológicos, na região, sendo alguns já tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

“Aqui nós temos documentados 72 sítios arqueológicos, no entanto esse número deve estar subestimado. Entre dez paredões de serra que se explora, são três ou quatro sítios que encontramos.  Há cerca de 30 sítios que ainda precisam ser batizados.

Tasso Fragoso ainda não conta com um grande movimento turístico, mas acredito que nenhuma outra região do País abrigue a quantidade de gravuras rupestres que temos aqui, que são tidos como patrimônios da humanidade.”

O fundador do Museu do Cerrado pondera que manter a atividade e a integridade desses patrimônios em uma região onde o grande agronegócio permanece avançando é uma missão muito difícil, já que áreas que podem abrigar esses importantes sítios correm o risco de degradação.

Como realizações do Museu do Cerrado, Lirô destaca a conservação das riquezas naturais e culturais encontradas em Tasso Fragoso, a divulgação de sítios arqueológicos e da natureza local e a conscientização para a preservação desses patrimônios naturais por meio de atividades educativas: “Trazemos grupos de estudantes e damos verdadeiras aulas de pertencimento e importância desses patrimônios que temos aqui”, destaca.

Este conteúdo faz parte do Projeto Ma.to.pi.ba., uma ação multimídia da Agência Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo que aborda os problemas socioambientais, a iniciativa multimídia aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelas repórteres Alice Sales e  Camila Aguiar, a fotógrafa Camila de Almeida, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts, e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.