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Desmatamento e aquecimento global estão fazendo chover menos no Cerrado, aponta estudo

Desmatamento e aquecimento global estão fazendo chover menos no Cerrado, aponta estudo

Queda chega a 50% na estação seca e começo da chuvosa. Situação preocupa, já que bioma concentra nascentes das principais bacias hidrográficas do país

Um estudo publicado nesta semana aponta que o bioma do Cerrado teve reduções significativas nas suas chuvas nos últimos 30 anos. Tanto a precipitação anual quanto o número de dias com chuva a cada ano caíram, se comparado o período entre 1991 e 2021 com o entre 1960 e 1990.

Foram analisados 70 diferentes locais, dos quais 54 tiveram declínio nas chuvas ao longo do ano – nos outros 16, as chuvas aumentaram. A c (entre outubro e novembro).

A pesquisa, publicada no periódico Scientific Reports, é liderada por Gabriel Hofmann, do Centro Polar e Climático e do Programa Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Além de analisar dados de sensores que registram chuva e temperatura, eles cruzaram as informações com modelos climáticos globais, para notar possível influência de outros fenômenos atmosféricos.

Ao comentar o estudo, o Observatório do Clima, coalizão de organizações socioambientais brasileiras, considerou suas conclusões “alarmantes”. “A análise confirmou aquilo que os cerratenses mais velhos já sabiam: na maior parte do Cerrado a temporada de chuvas tem demorado mais a chegar. Isso impacta a recarga dos aquíferos e reduz a disponibilidade de água nos reservatórios que abastecem cidades como Brasília”, apontou o OC, em nota.

Como exemplo da situação, eles lembram do racionamento de água que foi necessário na capital federal em 2017, quando seus reservatórios ficaram vazios em plena estação chuvosa.

Em entrevista ao OC, Gabriel Hoffmann aponta duas causas principais para o declínio da chuva no Cerrado: o desmatamento (o desmatamento reduz a evapotranspiração, algo que no Cerrado ajuda a manter alguma umidade mesmo nos meses de seca), que já devastou mais de 50% da vegetação nativa do Cerrado; e o aquecimento global, que vem alterando o regime de ventos no Atlântico Sul e espantando a umidade para longe do Cerrado.

Por ser passível de intervenção imediata e indutor do segundo, o primeiro fator preocupa mais. O Observatório do Clima chama a atenção para a “permissividade ambiental” que, aponta, existe no Cerrado, com poucas áreas protegidas e elevados limites estabelecidos por lei para o desmatamento. Região de especial sensibilidade é a do “Matopiba”, região entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia que é alvo de grilagem e expansão do monocultivo de soja. “A chuva média está diminuindo, e agora a gente deu um passo a mais para explicar como”, diz Hoffmann.

O cenário é preocupante também porque é no Cerrado que ficam muitas nascentes das principais bacias hidrográficas do país – o Pantanal depende totalmente das águas que nascem no bioma.

Para os pesquisadores, é importante avaliar de que formas o agronegócio pode estar prejudicando um dos biomas mais sensíveis brasileiros, com efeitos em cascata para outras localidades. “Nossos resultados, e as projeções de cenários futuros geradas por outros estudos, põem em questão a manutenção do modelo de produção agrícola praticado atualmente no Cerrado, em particular no que diz respeito à agricultura industrial.”