Mudanças climáticas deveriam ser prioridade antes de se pensar em explorar a foz do Amazonas, alerta Edvaldo Santana
“Se o Brasil tem uma matriz elétrica tão limpa e renovável, por que temos que priorizar um recurso não renovável?”, questiona o ex-diretor da ANEEL.
A chegada de Magda Chambriard à presidência da Petrobras é um sinal claro de que a estatal, que já estava na contramão na tarefa de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e investir pesado em fontes renováveis, deverá ser mais “petroleira” do que nunca. Afinal, a ex-diretora geral da ANP defende a exploração de combustíveis fósseis na foz do Amazonas, disse que a gestão de Jean Paul Prates “não lutou” para obter a licença do IBAMA para perfurar um poço no bloco FZA-M-59 e também atacou a legislação ambiental brasileira.
A catástrofe climática que atinge o Rio Grande do Sul é um efeito das mudanças climáticas, cuja principal causa é a queima dos combustíveis fósseis. Por isso, cientistas como o climatologista Carlos Nobre insistem que não apenas devemos correr para reduzir o consumo, mas também não abrir mais nenhum poço de petróleo e gás fóssil ou mina de carvão.
“Vamos ver se agora, com esses eventos climáticos extremos que aconteceram no Brasil – maior seca da história da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal, a maior chuva do Rio Grande do Sul – se o setor de combustíveis fósseis ajuda e não atrapalha”, reiterou, em entrevista à Daniela Chiaretti no Valor. Que foi publicada no dia seguinte ao anúncio de Magda para o comando da estatal.
Ao que parece, a tragédia no RS e o apelo científico não devem sensibilizar a nova CEO da Petrobras nem seus “mentores” no governo federal. Assim como os ministros de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Casa Civil, Rui Costa, Magda é adepta do “desenvolvimentismo do século passado”, mostra o UOL, que, entre outras questões, defende a exploração de petróleo no Brasil “até a última gota”. Não à toa a pauta da 1ª reunião de Silveira com Magda incluiu os projetos na foz do Amazonas, informa o Valor.
Já que ignoram a ciência e a catástrofe, a turma “desenvolvimentista” formada por Silveira, Costa, Magda e também pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, devia dar ouvidos a alguém que, como ela, também esteve em uma agência reguladora do setor de energia, mas de eletricidade. No Summit Brazil-USA, promovido pelo Valor, o ex-diretor da ANEEL e hoje consultor Edvaldo Santana destacou que a crise climática deveria ser priorizada pelo governo, em vez da explorção de combustíveis fósseis na foz. E reforçou: “Se temos uma matriz elétrica tão limpa e renovável, por que temos que priorizar um recurso não renovável?”.
Para Santana, não é válido o argumento de que o Brasil precisa explorar a foz do Amazonas para não se tornar dependente de importação de petróleo novamente, argumento falacioso que tem sido usado pela “turma desenvolvimentista”, que ignora as projeções de pico da demanda de petróleo em 2030 da Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês). “Na frente disso, estão todos os problemas de mudanças climáticas”, destacou.
O ex-diretor da ANEEL diz que o governo brasileiro poderia usar os dividendos bilionários que recebe da Petrobras para investir e assumir a liderança do processo de transição energética no mundo: “Nada melhor do que isso para dar uma notícia boa para o mundo inteiro, mas não foi feito. Apesar de todas essas vantagens, continuamos só correndo atrás”.
E para piorar, correndo atrás de energia suja. Com uma aposta insana em combustíveis fósseis.