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Cortisol vira vilão nas queixas de cansaço e insônia, mas o hormônio não é o culpado

Cortisol vira vilão nas queixas de cansaço e insônia, mas o hormônio não é o culpado

Apelidado de “hormônio do estresse”, cortisol prepara o organismo para situações do cotidiano e regula o sistema imunológico. Especialistas alertam para uma grande busca por exames que detectam os níveis de cortisol no sangue e para diagnósticos errados em cima dos resultados.

cortisol é um hormônio que entra em cena para preparar o organismo para o que provavelmente está por vir. Ele estimula o sistema imunológico a produzir anticorpos, acelera os batimentos cardíacos e aumenta a produção de glicose para alertar o corpo em caso de uma emergência.

Por causa da sua ação de defesa frente a situações consideradas estressantes, como um acidente, uma cirurgia ou um assalto, o cortisol é mais conhecido por outro nome: “hormônio do estresse“. Apesar de popular, a nomenclatura tem gerado uma falsa interpretação do cortisol.

Nas redes sociais, o que mais se vê são relatos do tipo “acabei com meu estoque de cortisol hoje” – para justificar uma exaustão no fim do dia – ou “não é nem meio-dia e meu cortisol está nas alturas” – para explicar uma situação ruim vivida no começo da manhã. Tem até quem deseja eliminar o cortisol do corpo na tentativa de eliminar o estresse da mente.

Tudo isso está errado. Médicos endocrinologistas ouvidos pelo g1 afirmam que o cortisol não é a causa, mas a consequência. O aumento do cortisol não deixa você mais estressado e a diminuição dele não te deixa mais cansado. Porque:

  • O estoque de cortisol não acaba ao longo do dia, apenas diminui, e o nível do hormônio é maior justamente pela manhã;
  • Isso porque a liberação acontece aos poucos, desde o despertar até a hora de dormir;
  • Não queira ficar longe do cortisol: isso está associado a uma doença rara e autoimune chamada de insuficiência adrenal;
  • Já o “cortisol nas alturas” está ligado a outra doença, a Síndrome de Cushing;
  • Em ambos os casos, as doenças surgem junto com outros sintomas e deficiências nas partes do corpo envolvidas na produção e liberação do cortisol: a hipófise e as glândulas suprarrenais.
Localizadas acima dos rins, as glândulas suprarrenais são responsáveis pela produção do cortisol — Foto: Endocrine Society/Reprodução

Localizadas acima dos rins, as glândulas suprarrenais são responsáveis pela produção do cortisol — Foto: Endocrine Society/Reprodução

“Não há como saber a partir de que intensidade de estresse psicológico e emocional ocorre uma maior ou menor liberação de cortisol. A liberação pode ser uma consequência do estresse, que é desencadeado por outro motivo e que estimula a produção do cortisol”, disse Madson Queiroz de Almeida, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Especialistas alertam para uma grande busca por exames que detectam os níveis de cortisol no sangue e diagnósticos errados em cima dos resultados. O mais comum é a fadiga adrenal, usada para explicar um conjunto de sintomas que ocorrem em pessoas sob estresse mental, físico ou emocional a longo prazo. Não há provas científicas de que a fadiga adrenal seja uma doença.

“Quando o organismo está funcionando direito, o esperado é que, diante de uma situação de estresse, a gente realmente consiga produzir cortisol em quantidades suficientes para enfrentar aquela ocasião. É a reação natural do organismo”, afirmou Roberto Zagury, endocrinologista do Laboratório de Performance Humana (LPH).

Abaixo, nesta reportagem, entenda os seguintes pontos:

  • Como o cortisol age no corpo
  • Como saber quando o cortisol está desregulado
  • Para que servem os exames de cortisol
  • A falsa doença relacionada ao cortisol
  • O que fazer para se sentir menos estressado

Cortisol: luta ou fuga

O cortisol é liberado no organismo a partir de um trabalho conjunto que envolve o hipotálamo e a hipófise, localizados no cérebro, e as glândulas suprarrenais (ou adrenais), onde é produzido.

“É um hormônio do tipo luta ou fuga”, explicou o endocrinologista Roberto Zagury. “A sua suprarrenal percebe isso e produz bastante cortisol e vários outros hormônios. Todos eles vão preparar o nosso corpo para sair correndo ou para entrar em embate”, disse.

Funciona assim:

  1. hipotálamo, que liga os sistemas endócrino e nervoso, recebe o alerta de estresse;
  2. Um hormônio, chamado de liberador de corticotrofina (CRH), é ativado e estimula uma reação;
  3. O CRH atinge a hipófise, que libera outro hormônio, o adrenocorticotrófico (ACTH);
  4. O ACTH ativa as glândulas suprarrenais e o cortisol é liberado no sangue;
  5. A partir daí, ocorre a reação de “luta ou fuga”; a resposta é dada pelo hipotálamo.

“É justamente o que o organismo precisa naquele momento. A quantidade de cortisol liberada é condizente com as circunstâncias”, afirmou Zagury.

Ou seja: não significa que, em um momento de estresse, o corpo irá receber uma grande quantidade de hormônio. No caso do cortisol, os níveis variam ao longo do dia. Geralmente, são mais elevados nas primeiras horas do dia e mais baixos à noite.

O fluxo regular e harmonioso do cortisol traz uma série de benefícios para o funcionamento do corpo, além de ser vital para a defesa do organismo turbinando o sistema imunológico. O hormônio ainda ajuda a regular o metabolismo e na manutenção da pressão arterial.

Cortisol: como o corpo reage ao estresse — Foto: Wagner Magalhães/Arte g1

Cortisol: como o corpo reage ao estresse — Foto: Wagner Magalhães/Arte g1

Quando o cortisol está desregulado

O aumento ou a diminuição da produção de cortisol podem estar associados a duas doenças, que atingem as partes do corpo envolvidas na produção e liberação do hormônio.

⬆️ A Síndrome de Cushing é provocada pela exposição prolongada a níveis elevados de corticoides. Isso pode acontecer a partir de um tumor na hipófise, que estimula a produção de cortisol além do planejado, ou por uso excessivo de medicamentos corticoides. A doença causa acúmulo de gordura no abdômen e no rosto, já braços e pernas ficam finos e há fraqueza muscular.

⬇️ A insuficiência adrenal é uma doença rara, autoimune, e que causa danos às glândulas suprarrenais. A inflamação atrapalha a produção de cortisol e causa diminuição no hormônio. A pessoa tem cansaço fácil, perda de peso não intencional, redução da libido sexual, desejo por alimentos salgados e alterações na cor da pele.

Diante desses sintomas, é importante buscar ajuda médica para buscar o diagnóstico correto.

💥 A liberação do cortisol aumenta em situações de estresse no trabalho, no trânsito ou em casa? Sim. É um fluxo normal, de defesa do corpo. O que não é normal é ficar sob estresse o tempo todo – isso pode causar problemas de saúde.

“Existem hipóteses de que depressão e estresse crônico a longo prazo gerem um estímulo constante para aumentar a secreção de cortisol. Mas o ponto é que esse aumento não se traduz em uma doença. Provavelmente, a longo prazo, não faça bem para a saúde mental, haja aumento no risco cardíaco, mas são hipóteses”, explicou o endocrinologista Madson Queiroz de Almeida.

Exame de cortisol não mede estresse

Existem exames que medem o nível de cortisol no corpo. O mais comum é o de sangue, feito em laboratórios de análises clínicas. Em geral, o exame sozinho não deve ser usado para diagnósticos. É necessário fazer outros exames e testes de estímulo para chegar a uma definição precisa.

Segundo o endocrinologista Madson Queiroz de Almeida, o nível de cortisol em indivíduos saudáveis varia de 6 até 20 mcg/dL (a medida usada é micrograma por decilitro de soro ou plasma).

“O cortisol pode vir 7 no exame e, apesar de ser um número baixo, pode não representar nada”, disse o médico.

Medir o cortisol em laboratório também não serve para medir o nível de estresse que você se encontra naquele momento.

“O exame de sangue para cortisol tem indicações específicas. Mas ele não mede o nível de estresse que você está submetido. Isso pode ser medido com uma boa conversa com seu médico. Atualmente, as pessoas não avaliam adequadamente os seus pacientes e substituem isso por toneladas de exames”, afirmou o endocrinologista Roberto Zagury.

A falsa doença relacionada ao cortisol

Fadiga adrenal é uma condição que não existe, segundo a ciência. Mas a “doença” tem aparecido cada vez mais como a causa de cansaço extremo e estresse elevado – e a culpa seria do cortisol.

Segundo a teoria, não comprovada cientificamente, as glândulas suprarrenais, que produzem esse e outros hormônios, não conseguiriam atender às necessidades do corpo de pessoas que enfrentam estresse a longo prazo.

Não há nenhum teste que detecte a fadiga adrenal, segundo Endocrine Society, uma das organizações médicas mais respeitadas do mundo. A pessoa é diagnosticada com a falsa doença com base apenas nos sintomas. Segundo especialistas, isso pode ocultar a verdadeira doença da pessoa e levar ao tratamento errado, causando outros problemas de saúde.

Entre eles, está o uso sem indicação de medicamentos corticoides para aumentar o nível de cortisol. “Se você indica isso para quem não precisa, a pessoa pode ficar exposta aos riscos que os corticoides trazem, como aumento de peso, retenção de líquido e aumento da glicose”, afirma Almeida. Nesses casos, não se deve parar de tomar os remédios de forma abrupta e buscar ajuda médica.

O que fazer para se sentir menos estressado

Aqui, a ciência assina embaixo: fazer mudanças no estilo de vida podem ajudar a controlar o impacto que o estresse provoca no organismo, de acordo com os médicos. Entre elas, estão:

  • Fazer atividades físicas: correr, caminhar, andar de bicicleta;
  • Alimentação balanceada;
  • Meditar ou prestar atenção naquela música agradável;
  • Limitar a agenda de trabalho e desativar as notificações do celular na hora da folga;
  • Curtir momentos com família e amigos.

“Às vezes, seu problema de saúde é seu próprio estilo de vida”, disse o endocrinologista Roberto Zagury. “Não há nada que você possa fazer, do ponto de vista de estilo de vida, que vai fazer a sua suprarrenal parar de funcionar. E que bom, né?”, afirmou.