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Casa autossuficiente: o que há de novo no mercado para um lar sustentável

Casa autossuficiente: o que há de novo no mercado para um lar sustentável

Nunca foi tão necessário ser sustentável. Diante da crise hídrica e da conta de luz cara, arquitetos e engenheiros apontam as novidades e as vantagens dos sistemas de energias renováveis

Ser autossuficiente no abastecimento doméstico de água e de energia elétrica é a grande cartada deste século. O aquecimento global causado pela poluição e a destruição das florestas levou a mudanças climáticas irreversíveis, que reduzem as chuvas no Brasil.

A cada inverno, o baixo nível dos reservatórios de água assusta mais. Além do risco de secar as torneiras, a crise hídrica dificulta o funcionamento das hidrelétricas e obriga o uso de termoelétricas pelo governo, tornando a energia mais cara. Para reduzir a conta, soluções sustentáveis se tornam essenciais na construção de casas. Só para a geração de energia solar, em três anos, aumentou em 2 mil por cento a quantidade de sistemas instalados em residências no país, segundo o Ministério de Minas e Energia.

O arquiteto Omar Fernandes, do escritório Olaa Arquitetos (@olaa_arquitetos), é entusiasta das energias renováveis, sempre presentes em seus projetos. “As placas de células fotovoltaicas evoluíram muito nos últimos 20 anos. Antes os sistemas difundidos eram apenas para aquecimento de água. Hoje, as placas estão mais eficientes e acessíveis para a geração de energia solar até para as casas modestas. A tecnologia avança e os preços diminuem”, diz Omar. “Mas para incentivar a adoção desses sistemas é preciso baixar os impostos dos produtos, muitos importados, envolvidos na geração de energia limpa.”

Com a maior eficiência das placas fotovoltaicas, houve redução nos custos de inserção dos sistemas de energia solar. “Antes era preciso cobrir o telhado inteiro com painéis para atender às atividades de uma casa. Agora bastam 3 m²”, diz o arquiteto Matheus Seco, do Bloco Arquitetos (@bloco_arq). “Os produtos estão melhores e popularizados”, complementa.

Das novas tecnologias, ele destaca o aquecimento solar de água com tubos a vácuo e a primeira telha fotovoltaica fabricada no Brasil. Há ainda as placas solares que aquecem apenas a piscina e as mínimas, acopladas em postes e luminárias para a área externa. Se a região tem bons ventos, pode-se investir em uma turbina para a geração de energia eólica residencial. Para o abastecimento de água, cresce o uso de sistemas de captação de água de chuva em cisternas e de reúso das águas cinzas com miniestação de tratamento.

Revolução solar

A quantidade de energia que a Terra recebe do Sol a cada hora é mais do que suficiente para abastecer os aparelhos do mundo todo durante um ano. Para explorar esse potencial, em 2022 será realizada a primeira Bienal Solar, em Roterdã, Holanda. Idealizado pelas designers Marjan van Aubel e Pauline van Dongen, o evento reunirá cientistas e designers para expor inovações no campo da energia solar. “Vamos mostrar como as células fotovoltaicas podem ser integradas aos produtos e ambientes para criar um futuro sustentável”, diz Pauline.

No Brasil, várias soluções vêm sendo integradas a projetos residenciais. “Em uma casa urbana em Goiás, instalamos um sistema híbrido, que produz energia solar suficiente para o consumo e devolve o que sobra para a rede”, conta Matheus. “Em outra casa em área isolada perto da Chapada dos Veadeiros, tivemos de fazer investimento alto no sistema off-grid porque, para ter autonomia em eletricidade, precisa armazenar energia em baterias, que ainda são caras.”

Na empresa Fonte Solar, cada bateria da BYD, com células de fosfato de ferro-lítio e duração de 30 anos, custa R$ 55 mil. “Mas esses sistemas diminuem muito o uso da rede”, diz o arquiteto. “Na última década, o prazo para o retorno do investimento com a redução da conta de luz caiu de 20 anos para 5 anos.”

Casa com painel solar no telhado (Foto: PhotoMIX-Company / Pixabay / CreativeCommons)
Casa com painel solar no telhado (Foto: PhotoMIX-Company / Pixabay / CreativeCommons)

Para uma casa de quatro pessoas com o consumo mensal de 270 kWh, o gabinete off-grid sai por R$ 80 mil. A opção mais econômica é o sistema on-grid, que, conectado à rede da concessionária, injeta a energia solar excedente, reduzindo a conta de luz em até 95%.

Com o investimento de R$ 23 mil, fornece 400 kWh/mês. Há ainda a solução híbrida, que junta os sistemas off-grid e on-grid. Para gerar 300 kWh/mês, custa R$ 70 mil. “A evolução é visível. Em 2014, o módulo de 2 m² fornecia 200 W de potência; hoje tem 530 W”, diz a engenheira-eletricista Natalia Maestá.

Energia que dá na telha

A novidade que promete simplificar a implantação de sistemas de energia solar é a primeira telha com módulos fotovoltaicos feita no Brasil. Aprovada no ano passado pelo Inmetro, a Tégula Solar, fabricada pela Eternit, já está disponível em algumas cidades de São Paulo.

Como é colocada sobre o madeiramento igual às outras telhas, a instalação é mais econômica em relação ao painel solar. “É um produto integrado. Fabricamos o módulo com células fotovoltaicas protegidas por vidro líquido e o aplicamos na telha de concreto que já produzimos, transformando-a em elemento solar”, diz o engenheiro Luiz Lopes, diretor de novos negócios da Eternit.

200 telhas, que ocupam menos de 35 m² de telhado, produzem 230 Kwh por mês (Foto: Eternit / Divulgação)
Duzentas telhas, que ocupam menos de 35 m² de telhado, produzem 230 Kwh por mês (Foto: Eternit / Divulgação)

As telhas solares são vendidas pela Eternit em um sistema com inversor que converte a energia solar para a voltagem da rede elétrica local. “Oferecemos um gerador de energia solar que dura 20 anos e se paga entre dois e cinco anos”, explica Luiz.

Cada Tégula Solar mede 36,50 x 47,50 cm e é capaz de produzir 1,15 kWh/mês. “Nosso preço é competitivo com o das placas, mas a ideia é ser a opção mais econômica”, diz o diretor, que desenvolve agora a telha de fibrocimento com módulos fotovoltaicos. Em fase de aprovação do Inmetro, deve ser fabricada até o fim do ano.

Água quente

Para o aquecimento solar de água, a nova tecnologia de tubos de vidro a vácuo aproveita melhor a incidência do sol, tendo maior eficácia para atingir 100 ºC. Para uma casa de seis pessoas, o boiler de 600 litros e uma placa com 30 tubos a vácuo custa R$ 7.600, na Sol e Lazer.

A solução mais econômica tem o boiler acoplado ao painel de tubos a vácuo, que aquece mais rápido porque tem menos perda de energia. O sistema de 300 litros com 30 tubos sai por R$ 5.600. “É mais fácil de instalar e se gasta menos material hidráulico”, diz Ana Cristina Ferreira de Souza, da Sol e Lazer.

Já o sistema com três placas fotovoltaicas de 2 x 1 m para aquecer o boiler de 600 litros fica R$ 7.400. “Com esses sistemas, consegue-se economia de 50% a 60% na conta de energia elétrica”, afirma Ana.

Também é possível o aquecimento solar para a água da piscina. “Nesse caso, usamos placas de polipropileno, que podem ficar no chão. A água da piscina é bombeada para as placas durante o dia até atingir a temperatura desejada. Conforme a incidência do sol, pode chegar a 33 ºC”, explica Ana. O sistema para uma piscina de 6 x 3 m, com 12 placas de 3 x 0,50 m, capa térmica, controlador de temperatura e montagem, sai por R$ 3.370 e tem garantia de cinco anos.

Água purificada

A melhor maneira de enfrentar a crise hídrica é com uma cisterna instalada no quintal para armazenar a água da chuva coletada por calhas nos telhados. “Essa água pode ser usada na descarga dos banheiros, na irrigação do jardim e na limpeza externa”, diz Guilherme Castagna, diretor da Fluxus. “A água armazenada é bombeada para um reservatório elevado com conjunto de filtros para desinfecção, se for o caso de uso interno. Se for apenas para irrigar o jardim, não precisa.”

Segundo ele, o custo varia muito: produtos prontos são mais caros e mais rápidos de instalar. “O investimento em um sistema de captação de água de chuva pronto fica entre R$ 25 mil e R$ 30 mil. Se executar na obra, cai para entre R$ 10 mil e R$ 15 mil”, explica.

Outra forma de reduzir a dependência da rede pública é o reúso das águas cinzas, que saem da máquina de lavar roupa, do ralo do chuveiro, das pias da cozinha e dos banheiros. “O reúso pode ser feito de forma direta, levando a água de um ponto ao outro. Ou indireta: trata a água, armazena e reusa”, explica Guilherme. “Há diversos tratamentos biológicos e com produtos físico-químicos.”

Casa autossuficente (Foto: Guilherme Lepca (@lepca.art))
No Brasil, várias soluções vêm sendo integradas a projetos residenciais (Ilustração: Guilherme Lepca @lepca.art)

Bons ventos

Outra solução sustentável está na geração de energia eólica. “Diferente do sistema fotovoltaico, opera em plena potência por mais de 10 horas por dia, em locais onde venta bastante. Tem retorno de investimento de seis a oito anos”, diz Luiz Cezar Pereira, diretor da Enersud, que vende turbinas eólicas residenciais. “A procura aumentou em mil por cento no Brasil inteiro. Temos estações de energia eólica do Chuí a Rondônia, mas são mais eficientes no litoral, especialmente do Nordeste.”

Para uma casa de padrão médio, que precisa de 300 kWh/ mês, ele indica a turbina de 1,2 kW, que custa R$ 15 mil. Para substituir apenas o consumo de 50 kW, sugere turbina menor, de R$ 4.500. “Pode ser instalada uma turbina de 500 W no alto da casa somente para a iluminação externa. Para o uso interno, precisa de inversor de energia, que tem preço similar ao da turbina”, diz Luiz.

Incentivos para energia limpa

Há mais de 10 mil empresas que instalam sistemas fotovoltaicos hoje no Brasil. Elas fazem a análise do telhado onde serão colocados os módulos e o dimensionamento do sistema de acordo com a necessidade de energia da casa. Quando fornecidas dentro de um sistema, as placas ou as telhas solares têm isenção de ICMS. Se comprar os produtos individualmente, perde-se o benefício.

Gerador de energia eólica (Foto: Tee Farm / Pixabay / CreativeCommons)
Gerador de energia eólica (Foto: Tee Farm / Pixabay / CreativeCommons)

Para a redução na conta de luz, a melhor opção é o sistema on-grid: o excesso de energia solar gerado na casa durante o dia vai para a rede pública, que serve de reservatório com regulamentação da Aneel, e faz o relógio rodar ao contrário. O crédito contabilizado pela concessionária pode ser usado na casa à noite.

No balanço final, apenas a taxa mínima é cobrada. Para obter a ligação na rede, é necessário um projeto assinado por engenheiro que garanta o funcionamento do sistema com segurança, na frequência e no padrão da voltagem local. A Aneel aprova, faz a inspeção e instala o relógio para haver a troca de energia. Os mesmos benefícios são aplicados para a energia eólica.

A maior parte das empresas instaladoras é conveniada aos bancos que oferecem programas de financiamento para soluções sustentáveis. Por exemplo, o Banco do Brasil tem o programa BB Crédito Energia Renovável, que financia os sistemas, incluindo todos os produtos e a instalação, adquiridos de fornecedores conveniados. O valor de contratação é entre R$ 5 mil e R$ 100 mil. Os prazos de financiamento chegam a 60 meses, com até 180 dias para pagar a primeira parcela.