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Lucidez terminal: por que muitas pessoas com demência ‘voltam’ antes de morrer?

Lucidez terminal: por que muitas pessoas com demência ‘voltam’ antes de morrer?

Pesquisadores buscam desvendar episódios de breve clareza mental em indivíduos que sofreram declínio cognitivo antes do óbito

Em 2009, um time de pesquisadores da Universidade de Virginia, nos Estados Unidos, cunhou o termo “lucidez terminal” para se referir a quando um indivíduo com demência – síndrome que engloba diferentes diagnósticos que levam à perda cognitiva, como Alzheimer e outras doenças neurológicas e psiquiátricas – recupera a “clareza mental e a memória” por um breve momento antes de morrer.

Segundo o estudo em que abordaram o tema, há relatos do tipo desde o século XIX, embora eles tenham recebido pouca atenção da comunidade científica. No entanto, os responsáveis defendem que o interesse tem crescido e que pesquisar o assunto pode levar ao “desenvolvimento de novas terapias”, além de “ajudar médicos, cuidadores e familiares a se prepararem para encontrar essas experiências e a lidarem com elas”.

Mas por que isso acontece? É o que duas pesquisadoras da Universidade Monash, na Austrália, Yen Ying Lim e Diny Thomson, decidiram analisar em novo artigo publicado na plataforma de conteúdo acadêmico The Conversation. Embora tenham confirmado que grande parte da resposta permanece um mistério, elas explicam o que se sabe até agora sobre o fenômeno.

Citam que a evidência mais recente é de um outro estudo, publicado na revista científica Resuscitation no ano passado, que foi o primeiro a examinar a consciência em pacientes durante um processo de ressuscitação cardiopulmonar após uma parada cardíaca. O trabalho, conduzido por pesquisadores da Universidade de Nova York, mostrou que 43% das pessoas que experimentam a breve lucidez morreram em 24 horas, e 84%, em uma semana.

Os responsáveis por esse estudo especularam que “mudanças na atividade cerebral antes da morte podem causar lucidez terminal”. Ainda assim, Ying Lim e Diny Thomson, destacam que “isso não explica completamente por que as pessoas recuperam repentinamente habilidades que se supunham perdidas”.

“Os cientistas têm lutado para explicar por que ocorre a lucidez terminal. Foi relatado que alguns episódios de lucidez ocorrem na presença de entes queridos. Outros relataram que a música às vezes pode melhorar a lucidez. Mas muitos episódios de lucidez não têm um gatilho distinto”, escreveram no The Conversation.

Elas contam, por exemplo, que nem sempre o episódio de lucidez é um indicativo de morte iminente. Outro trabalho, de fevereiro deste ano, publicado no periódico Alzheimer’s & Dementia, descobriu que muitos pacientes com declínio cognitivo avançado apresentam esse breves momentos de clareza mental, porém mais de seis meses antes de morrer.

“Momentos de lucidez que não indicam necessariamente morte são às vezes chamados de lucidez paradoxal. É considerado paradoxal, pois desafia o curso esperado de doenças neurodegenerativas, como a demência. Mas é importante notar que estes episódios de lucidez são temporários e, infelizmente, não representam uma reversão da doença neurodegenerativa”, escreveram.

As cientistas da Universidade Monash afirmam que o principal motivo para a ausência de melhores explicações é a dificuldade em estudar tanto a lucidez terminal como a paradoxal, já que são episódios imprevisíveis.

“E como a lucidez terminal pode ser um momento de alegria para quem testemunha o episódio, seria antiético que usassem esse tempo para conduzir pesquisas. No momento da morte, também é difícil para os cientistas entrevistarem os cuidadores sobre quaisquer momentos de lucidez que possam ter ocorrido”, dizem.

Por isso, por enquanto, as pesquisadoras acreditam que as explicações “vão além da ciência”: “esses momentos de clareza mental podem ser uma forma de a pessoa que está morrendo se despedir, encerrar a situação antes da morte e se reconectar com a família e os amigos. Alguns acreditam que episódios de lucidez terminal são representativos da pessoa que se conecta com a vida após a morte.

Mesmo assim, destacam que é importante direcionar esforços para estudar o fenômeno, até para auxiliar entes queridos do paciente a lidarem com a breve lucidez. Contam que, para muitas pessoas, pode ser algo “confuso e perturbador” deparar-se com um lapso de clareza mental em alguém próximo que há tempos não demonstrava a mesma capacidade cognitiva de antes.

“Estar ciente da lucidez terminal pode ajudar os entes queridos a compreender que faz parte do processo de morte, reconhecer que a pessoa com demência não irá recuperar (a cognição) e permitir-lhes aproveitar ao máximo o tempo que passam com a pessoa lúcida. Para quem testemunha, a lucidez terminal pode ser uma oportunidade final e preciosa de se reconectar com a pessoa que existia antes da demência se instalar e do ‘longo adeus’ começar”, finalizam.