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Água não congela de modo tão simples como pensávamos

Água não congela de modo tão simples como pensávamos

A maior parte das pessoas provavelmente se espantaria se ouvisse um cientista dizer que a transformação da água em gelo é “um dos grandes mistérios da ciência”.

Pois, por mais que esse pareça ser um fenômeno trivial, o processo de cristalização da água em gelo está longe de ser bem compreendido pela ciência.

A propósito, a água tem cerca de 70 “mistérios” listados atualmente pela ciência, anomalias térmicas, estruturais ou dinâmicas ainda aguardando por explicações.

Alireza Hakimian e seus colegas da Universidade de Houston, nos EUA, não resolveram nenhuma dessas anomalias, mas eles acabam de mudar os livros-texto sobre o ponto de congelamento da água.

Limite de congelamento da água

O saber aceito até agora estabelecia que o limite de temperatura de congelamento de uma gota de água é -38 ºC.

Ou seja, qualquer gota de água irá congelar em alguma temperatura entre 0 C a -38 C – abaixo dessa temperatura, o congelamento seria inevitável.

Isso agora mudou.

Hakimian e seus colegas estudaram o processo de mudança de fase da água – passagem de líquido para sólido – observando gotículas de até 2 nanômetros de diâmetro, um recorde nos experimentos.

O que eles descobriram é que o limite de congelamento não é absoluto: Ele depende de algo tão trivial quanto a superfície sobre a qual a gotícula está colocada.

Quando uma gotícula de água, com dimensão entre 10 e 2 nanômetros, é colocada sobre uma superfície macia, como um gel ou mesmo gordura, ela pode se recusar a congelar até -44 ºC, o que baixa muito a temperatura limite do congelamento.

“Nós descobrimos que, se uma gota de água estiver em contato com uma interface macia, a temperatura de congelamento pode ser significativamente mais baixa do que em superfícies duras. Além disso, uma gota de água de alguns nanômetros pode evitar o congelamento até -44 ºC se estiver em contato com uma interface macia,” resumiu o professor Hadi Ghasemi, coordenador da equipe.

Embora o experimento traga mais perguntas que respostas, os pesquisadores acreditam que o fenômeno envolva a nucleação, a primeira etapa em que uma “semente” começa a formar os cristais de gelo. “Ao contrário da nucleação em superfícies sólidas rígidas curvas, a formação de gelo em interfaces macias (onipresente na natureza) pode deformar a interface, levando à supressão da nucleação do gelo. Para interfaces macias, a temperatura de nucleação do gelo depende do módulo da superfície,” escreveu a equipe.

Água não congela de modo tão simples como pensávamos

O fenômeno tem grande interesse do ponto de vista prático.
[Imagem: Alireza Hakimian et al. – 10.1038/s41467-021-27346-w]

Utilidades práticas

Este resultado está longe de ser uma curiosidade para os livros de ciências.

O processo de congelamento das gotas de água nessa faixa de dimensões desempenha um papel crítico na sobrevivência dos animais em ambientes frios, uma vez que uma gota de água que congele dentro de uma célula pode levar à ruptura da célula e à morte.

O processo também desempenha um papel fundamental na previsão do clima, na formação das nuvens, na criopreservação de órgãos e em várias tecnologias envolvendo condições muito frias, da refrigeração à formação de gelo na superfície de aviões e turbinas eólicas.

Bibliografia:

Artigo: Freezing of few nanometers water droplets
Autores: Alireza Hakimian, Mohammadjavad Mohebinia, Masoumeh Nazari, Ali Davoodabadi, Sina Nazifi, Zixu Huang, Jiming Bao, Hadi Ghasemi
Revista: Nature Communications
Vol.: 12, Article number: 6973
DOI: 10.1038/s41467-021-27346-w