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A produção de alimentos, as mudanças climáticas e a saúde pública

A produção de alimentos, as mudanças climáticas e a saúde pública

Por Luís Fernando Guedes Pinto

A agricultura sustentável, combinada com mudanças na dieta, pode compatibilizar a produção de alimentos saudáveis com o combate à crise ambiental

O planeta já aqueceu 1,1°C desde a revolução industrial. Como consequência, o clima da Terra está em transformação de maneira inequívoca e em função da ação humana. A mudança do clima já afeta bilhões de pessoas no planeta, em especial as populações mais vulneráveis e mais pobres. Ainda é possível alcançarmos um cenário seguro para o futuro do clima, com aumento de somente 1,5 °C até o final do século 21, mas isso exige esforços enormes para a diminuição da emissão e o aumento do sequestro de gases de efeito estufa da atmosfera.

Estas são as principais conclusões dos últimos três relatórios publicados entre o final de 2021 e o início de 2022 pelos cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU). Os relatórios deixam claro que as mudanças climáticas já têm e terão um efeito ainda maior sobre a produção de alimentos e a saúde, novamente, com sérios riscos para os mais pobres e vulneráveis.

O aumento da temperatura, secas cada vez mais intensas e frequentes e grandes tempestades podem resultar na quebra de safras, na diminuição da produção e no aumento do preço de alimentos. Alguns estudos apontam que o ar mais quente implica na produção de cereais menos nutritivos.

Em uma aparente contradição, a ciência indica que os sistemas alimentares podem ser tanto uma ameaça quanto uma solução para combater as mudanças climáticas.

Apesar dos aumentos de produtividade, a expansão da agropecuária ainda é o principal responsável pelo desmatamento no Brasil e em várias partes do mundo, sendo uma das principais fontes de emissões de gases de efeito estufa. Além disso, a produção de carne bovina é responsável por uma grande emissão de metano, um gás com uma potência mais de 20 vezes maior que o CO2 para o aquecimento global.

Além das questões climáticas, vale lembrar os impactos dos sistemas alimentares para a saúde, pois o consumo excessivo de carne vermelha, de produtos contaminados com agrotóxicos e alimentos ultraprocessados têm causado uma outra pandemia estrutural. O desmatamento e a perda de ecossistemas nativos também tem resultado no aumento de doenças contagiosas, sendo uma possível causa da pandemia do Covid 19. A crise climática e sua retroalimentação com a fome, a desnutrição e a obesidade são um grande risco para a humanidade, num processo chamado de sindemia global.

Por outro lado, a agricultura sustentável, combinada com mudanças na dieta, pode compatibilizar a produção de alimentos saudáveis com o combate às mudanças climáticas. Os ingredientes são: 1) o fim do desmatamento; 2) a agricultura de baixo carbono, 3) a restauração de florestas; 4) a adoção de sistemas de produção baseados na biodiversidade, 5) a multiplicação da diversidade dos microrganismos do solo, que junto com ecossistemas restaurados e sistemas diversos, diminuem a dependência de agrotóxicos e fertilizantes químicos; 6) a diminuição do consumo de carne e o consumo de proteínas vegetais, que produzem muito mais alimento em áreas menores do que a de produção animal; 7) a ampliação do número de espécies usadas na alimentação.

Todas essas mudanças estão ao nosso alcance com a coordenação de políticas públicas. Essa via seria pavimentada com a premissa de que os alimentos continuam sendo produzidos no campo e sob a gestão de agricultores.

Mas é importante não perder de vista uma outra tendência. Trata-se da produção de alimentos em fábricas, seja por meio de plantas cultivadas em edifícios ou até mesmo produzidas em tanques industriais, sem conexão com a natureza e agricultores. Essas opções podem resolver a questão climática, mas ainda não há clareza sobre as suas consequências para a saúde e muito menos sobre a segurança alimentar, pois pode resultar em uma concentração da produção de alimentos, como acontece hoje com a revolução digital. Os efeitos colaterais para as populações no campo também podem ser desastrosos.

É importante ser crítico e acompanhar de perto estas mudanças para termos segurança sobre os caminhos que vamos tomar para garantir um futuro sustentável e saudável para a nossa população e o nosso planeta.

Sobre o autor

Luís Fernando Guedes Pinto é diretor executivo da SOS Mata Atlântica e pesquisador da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis/USP

Sobre o artigo

Esse artigo faz parte de série de artigos publicados, conjuntamente, pela Bori e Nexo Políticas Públicas. Para reproduzi-lo em veículos de comunicação, é preciso informar que o texto foi originalmente publicado no Nexo Políticas Públicas e Bori.