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Taxa de crianças acima do peso no Brasil cresceu em 70%

Taxa de crianças acima do peso no Brasil cresceu em 70%

O salgadinho de pacote é ingrediente central do cardápio de má nutrição das crianças brasileiras. Mas não é o único vilão. A fome convive com a crescente epidemia de obesidade, e os dois fenômenos atingem a população mais vulnerável. Dados compilados pela piauí e pela agência de dados públicos Fiquem Sabendo, com base no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), do Ministério da Saúde, mostram que a proporção de crianças de 5 a 10 anos acima do peso explodiu nos últimos treze anos. A taxa de crianças com obesidade subiu 70% de 2008 a 2021. Praticamente uma em cada cinco crianças atendidas pelo sistema público de saúde está obesa.

Crianças obesas têm mais chance de se tornarem adultos obesos – e podem adquirir ao longo da vida uma série de doenças relacionadas ao excesso de peso, como hipertensão, diabetes e problemas cardiovasculares. Enquanto a obesidade infantil traz uma nova carga de vulnerabilidade aos mais pobres, o Brasil caminha para ter uma população doente. “A consequência disso é a mortalidade prematura”, explica a nutricionista Daniela Neri, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP.

Obesidade dispara entre crianças de 5 a 10 anos

Magreza parou de cair; dados do MInistério da Saúde (Sisvan) compilados pela piauí e pela agência Fiquem Sabendo consideram a porcentagem de crianças pesadas, e não o total de pesados, que varia ano a ano.

Do outro lado da balança, a taxa de crianças abaixo do peso adequado para a idade parou de cair em 2021, interrompendo a tendência de queda registrada desde 2008. Em nove estados, a taxa de crianças de 5 a 10 anos em situação de magreza ou magreza acentuada aumentou nos últimos dois anos. No caso do Distrito Federal, o salto na proporção de crianças abaixo do peso adequado foi de 23% – e o índice voltou a um patamar semelhante ao de 13 anos atrás.

O Sisvan registra peso e altura de crianças que chegam à rede de atenção primária do sistema público de saúde, a maioria atendida por programas sociais. Como os dados se referem prioritariamente a crianças em situação de vulnerabilidade social, o sistema serve de guia para todas as estratégias e ações do Ministério da Saúde na área de alimentação e nutrição.

No país onde 125 milhões de pessoas não sabem se vão conseguir se alimentar adequadamente todo dia – e das quais 33 milhões passam fome, segundo pesquisa da rede Penssan –, a obesidade está conectada à pobreza. Especialistas ouvidos pela piauí concordam que o aumento da obesidade infantil também é produto do empobrecimento e da insegurança alimentar.

“A obesidade está se tornando uma marca da população mais pobre”, diz a endocrinologista Maria Edna de Melo, professora da Universidade de São Paulo. Hoje quem tem dinheiro pode escolher com mais folga o tipo de alimento que vai comer e optar por pratos mais saudáveis e diversos. Quem não tem, come o mais barato – que quase sempre é também o mais calórico ou de qualidade nutricional inferior.

Relatório publicado pelo Unicef no final de 2021 revelou um alto consumo de ultraprocessados entre crianças integrantes do programa Bolsa Família (substituído em novembro passado pelo Auxílio Brasil). Esses produtos são basicamente uma mistura de sal, açúcar, gordura e conservantes e sequer são considerados comida de verdade. Recebem uma série de aditivos industriais para alterar seu gosto e prazo de validade, o que os torna mais palatáveis, baratos, práticos e acessíveis – apesar de não terem valor nutricional. “As pessoas sentem uma falsa sensação de saciedade porque na verdade não estão se alimentando quando comem esses produtos”, diz a endocrinologista Zuleika Halpern, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Em metade dos domicílios pesquisados pelo Unicef, as crianças com menos de 6 anos consomem salgadinho de pacote, macarrão instantâneo e refrigerante de uma a três vezes por semana. O estudo concluiu que a vulnerabilidade socioeconômica das famílias é um fator que influencia no consumo de ultraprocessados, e a maior dificuldade para melhorar os hábitos alimentares foi o alto custo dos alimentos saudáveis.

“O preço de uma salsicha pouco aumentou, enquanto o da cenoura disparou. As pessoas mais pobres estão comendo comida de baixa qualidade porque é mais barato”,

diz o economista Arnoldo de Campos, ex-secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Um levantamento feito por ele mostra que, das 20 maiores altas de preços acumuladas este ano até o mês de abril, 19 foram de alimentos in natura.

Estudos mostram que a epidemia de obesidade no Brasil não é oposta à insegurança alimentar, mas uma consequência dela.

“Antes as crianças pobres morriam porque não tinham acesso à comida. Agora elas comem, mas vão desenvolver uma série de doenças porque comem mal”, diz Zuleika Halpern.

Os casos mais críticos são os estados do Rio Grande do Sul, onde um quarto das crianças de 5 a 10 anos eram obesas (25% dos pesados), Ceará (23%) e Rio Grande do Norte (23%). O problema atinge estados com perfis socioeconômicos diferentes.

A obesidade infantil aumentou em todos grupos raciais, mas as crianças brancas apresentaram o índice mais alto em 2021 – 21% delas tinha obesidade ou obesidade grave, ante 18% entre crianças pretas e 16% entre pardas, que por sua vez tiveram índices maiores de magreza e magreza

Somando com os obesos, pode-se dizer que cerca de um terço das crianças acompanhadas pela pesquisa no Brasil estava com excesso de peso em 2021 – taxa que, em alguns estados, como o Rio Grande do Sul, chegava a quase metade das crianças pesadas.

Crescimento infantil abaixo do normal indica má alimentação

Os dados do Sisvan também mostram a consequência direta da má alimentação ao longo dos anos. Mais de 8% das crianças de 5 a 10 anos têm altura baixa ou muito baixa para a idade. O crescimento infantil é usado como um indicador de saúde das crianças. Até os 5 anos de idade, se as necessidades de saúde e nutrição das crianças são atendidas, o padrão de crescimento médio é semelhante. O déficit na altura é a característica mais representativa do quadro de desnutrição crônica no Brasil. Enquanto o baixo peso é um problema que pode ser revertido, o potencial de crescimento perdido na infância não pode ser recuperado.

Nascida e criada em São Paulo, é publicitária formada pela Faculdade Cásper Líbero e Master em Programação Neurolinguística. Trabalha como redatora publicitária, redatora de conteúdo e tradutora de inglês e espanhol. Apaixonada por animais e viagens, morou no Canadá e no Uruguai, e não dispensa uma oportunidade de conhecer novos lugares e culturas.