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Startup de biotecnologia aumenta resistência de abelhas — e dá nova esperança à produção de alimentos

Startup de biotecnologia aumenta resistência de abelhas — e dá nova esperança à produção de alimentos

Beeflow age para conter a morte em massa de abelhas, enquanto cientistas tentam elevar a capacidade de polinização das que permanecem

A necessidade urgente de salvar as abelhas, as mais importantes polinizadoras do mundo animal, leva pesquisadores a atividades talvez estranhas à primeira vista. Como colocar uma abelha em um tubo de laboratório, liberar sobre ela um pequeno sopro de ar perfumado e torcer para que o animal tenha uma reação muito específica: colocar a língua para fora. A reação aparentemente prosaica pode significar um futuro promissor para toda a espécie — e expectativas melhores para a humanidade, que conta com a ajuda de insetos polinizadores em 35% da produção global de alimentos.

Por quê? É que a língua para fora indica que o inseto reconhece o “volátil”, uma característica floral que atrai abelhas, entre outras funções, e funciona como um sinal de que há alimento numa planta. É por esse caminho que a Beeflow, uma startup de biotecnologia que nasceu na Argentina e atualmente tem sua sede na Califórnia, nos Estados Unidos, busca identificar o caminho certo para desenvolver uma ração para abelhas, usando algumas delas para “treinar” outras a fim de que possam polinizar culturas específicas.

Esse treinamento faz parte da solução da Beeflow para um desafio multibilionário que os agricultores enfrentam atualmente. O clima extremo, a perda de habitats e os pesticidas tóxicos continuam a matar as abelhas, um inseto crítico para transformar flores em frutas e, portanto, essencial para a biodiversidade e a saúde do Planeta. A FDA (Agência de Medicamentos e Alimentos dos EUA) alerta que esses insetos têm algum papel (essencial ou auxiliar) na produção de 30% da comida consumida no país. Por isso, cientistas tentam descobrir como proteger a população restante e maximizar seu potencial de polinização.

Para a Beeflow, isso significa criar dietas melhores para as abelhas. Assim como os humanos tomam, quando recomendado por profissionais, suplementos para sua saúde, a empresa alimenta regularmente suas abelhas com um suplemento projetado para melhorar seu sistema imunológico. Composto de aminoácidos coletados do néctar floral e de hormônios vegetais, o produto permite que as abelhas realizem até sete vezes mais voos em climas frios, segundo a empresa, e mais que o dobro de sua carga normal de pólen. A partir daí, o Beeflow usa um suplemento diferente para definir efetivamente o “GPS de voo” das abelhas para culturas específicas.

Até agora, a empresa usou sua tecnologia em mais de 4 mil hectares de terras agrícolas nos Estados Unidos, Argentina, México e Peru. A Beeflow diz que seu serviço de polinização produziu um aumento médio de 32% no rendimento das colheitas em comparação com fazendas convencionais, com base em mais de 50 testes de campo com mirtilos, amêndoas e framboesas. Desde que foi fundada, em 2016, a empresa levantou aproximadamente US$ 13 milhões (cerca de R$ 69 milhões) de investidores e garante estar, atualmente, em processo de obter mais financiamento para ampliar as operações.

Nas últimas duas décadas, a população de abelhas tem diminuído em todo o mundo. Associada a outros fatores, a crise climática afeta várias espécies de abelhas selvagens. Aproximadamente dois terços das plantações do mundo contam, em algum grau, com abelhas e outros polinizadores, e um estudo recente descobriu que a polinização insuficiente está causando cerca de 500 mil mortes prematuras por ano.

“As abelhas são responsáveis pela polinização de quase todas as plantas que a a gente conhece e utiliza”, diz o biólogo e pesquisador do Instituto Nacional da Mata Atlântica (Inma) Antônio Carvalho. “Elas visitam uma flor e levam o pólen de outra. Por isso têm frutos e grande diversidade nas florestas. Sem pedir nada em troca, as abelhas acabam protegendo o ambiente de forma geral. A função ecossistêmica delas é importantíssima”, define ele.

Além da Beeflow, várias empresas trabalham para encontrar uma solução. A GreenLight Biosciences, com sede em Boston, também nos EUA, desenvolveu uma vacina para proteger as abelhas de um parasita mortal. Na Irlanda, a ApisProtect instala sensores na colmeia para alertar os apicultores quando são identificadas abelhas doentes. A Veon, terceira maior empresa de telefonia móvel da Rússia, oferece um sistema de alerta para a distribuição de pesticidas, uma das principais causas de morte das abelhas russas.

A Beeflow, por sua vez, concentra-se apenas em uma parte do desafio: fazer com que as abelhas trabalhem mais em climas frios. Embora as abelhas se tornem naturalmente menos ativas à medida que as temperaturas caem, as ondas de frio mais frequentes causadas pelas mudanças climáticas significam que os apicultores e produtores terão que encontrar maneiras de superar essa limitação.

Uma vez que o Beeflow torna uma abelha mais forte, ele deve garantir que a abelha esteja aplicando sua força à cultura alvo, sem distrações de flores silvestres ao longo do caminho. Isso é feito dando uma guloseima às abelhas – especificamente, xarope de açúcar – sempre que elas são expostas ao cheiro associado à cultura que precisam polinizar. Como as abelhas têm memória curta, o Beeflow redefine seu condicionamento a cada duas semanas durante a temporada de polinização.

A empresa explica que levou mais de três anos e superou o total de mil testes de laboratório para identificar e criar, por exemplo, uma versão sintética do volátil floral exato do mirtilo que indica alimento para as abelhas. Mas o esforço da startup parece estar valendo a pena. A Beeflow diz que seus dois suplementos, combinados com a colocação estratégica de colmeias em terras agrícolas, ajudam a aumentar a produção de mirtilos em até 60%. A empresa também oferece serviços de polinização comercial para amêndoas e cerejas, e diz ter visto aumento na produtividade de ambos.

A Beeflow diz que o crescente número de testes de campo da empresa ajuda a convencer os produtores, afetados pela restrição no fornecimento de fertilizantes provocada pela pandemia de covid-19 e a invasão russa da Ucrânia. A empresa ainda não teve lucro e não divulgou sua receita, mas afirma que expandiu sua força de trabalho para mais de 40 pessoas este ano, contra 12 funcionários em 2020. A Beeflow está de olho em uma expansão adicional nos EUA no próximo ano, e pretende entrar no mercado europeu até 2025.