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Síndrome do FOMO: o medo de se sentir excluído, enquanto todos ao redor estão aproveitando a vida

Síndrome do FOMO: o medo de se sentir excluído, enquanto todos ao redor estão aproveitando a vida

Durante boa parte dos últimos dois anos, as publicações nas redes sociais seguiam uma mesma cartilha: informações sobre a pandemia, dicas do que fazer na quarentena e um apelo para o #fiqueemcasa como estratégia de combate à Covid-19. Mas, com a vacinação e a consequente melhora do cenário epidemiológico, a vida voltou a parecer com o que era antes, com festas, eventos, viagens — e também com a síndrome do FOMO. Acrônimo de Fear of Missing Out, algo como “medo de estar de fora”, o termo remete à ansiedade sentida quando a impressão é de que todos ao seu redor estão aproveitando a vida, menos você.

A psicóloga Anna Lucia King, doutora em saúde mental e coordenadora do Laboratório Delete do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, explica que o FOMO costuma afetar pessoas mais inseguras, com baixa autoestima e alta dependência emocional, que acabam sendo mais vulneráveis às opiniões alheias e, especialmente, ao conteúdo publicado nas redes sociais.

— Só que essas redes são mais do ‘parecer’ do que do ‘ser’. O que importa ali é a imagem, não o real. Então, as pessoas mostram uma vida em que tudo é maravilhoso, com ótimos relacionamentos, festas incríveis, uma imagem que nem sempre combina com a realidade da vida delas. E isso tende a fazer com que essas pessoas mais vulneráveis se sintam excluídas desse contexto tão “maravilhoso”, com sentimentos de tristeza e de angústia — afirma King.

Dentro desse cenário de comparação com retratos “perfeitos” das vidas alheias, a pandemia — e a melhora dela —pode ter um impacto ainda mais forte no FOMO, ressalta o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior, coordenador do ambulatório de dependência de comportamento do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp.

— Esse fenômeno fica um pouco mais em evidência exatamente porque as pessoas passaram por um tempo em que todo mundo estava com a vida meio parecida. Então, de repente, você começa a ver seus colegas postando fotos de viagens, festas, evento, e o impacto é maior porque a ideia é que eu estou “devendo” dois anos de vida a mim mesmo e, quando eu vejo que o colega começou a pagar essa dívida antes de mim, isso causa uma ansiedade ainda mais forte — explica o especialista.

Termo incluído no dicionário

A síndrome do FOMO, apesar de hoje ser ligada a ansiedades e questões psicológicas de saúde mental, foi criada em um contexto de negócios. Isso porque muitas estratégias de propaganda utilizam essa sensação de se sentir “por fora” para convencer o seu público-alvo a realizar determinada compra ou a ir a certo evento, por exemplo.

A primeira menção ao termo de forma oficial apareceu em 2000. Nos anos seguintes, o FOMO foi ganhando repercussão a partir de uma abordagem mais ampla até ser incorporado ao dicionário da língua inglesa de Oxford, em 2013. Na ocasião, foi definido como “um sentimento de preocupação que um evento animado ou interessante esteja acontecendo em algum outro lugar” (tradução livre). Com o tempo, passou a ser alvo da Psicologia como um conceito relevante nos estudos relativos à saúde mental e aos relacionamentos sociais.

Um estudo de pesquisadores dos departamentos de psicologia da Universidade de Essex, no Reino Unido, e das universidades da Califórnia e de Rochester, nos Estados Unidos, definem a sensação como uma apreensão generalizada de que os outros podem estar tendo experiências gratificantes, das quais se está ausente, e um desejo em permanecer continuamente conectado com o que estão fazendo.

Além disso, pesquisadores do Centro Psiquiátrico Clarion, nos EUA, descobriram que o FOMO foi ligado a consequências como desatenção, declínio na produtividade, dificuldades no sono, piora no desempenho acadêmico e maior risco para transtornos de ansiedade e depressão.

Os responsáveis pelo estudo consideram que estar inserido em grandes comunidades online pode ser um fator de risco para o desenvolvimento da síndrome. Eles explicam que as redes incentivam as pessoas a estarem constantemente se comparando com as outras, comportamento que gera frustração, inveja, ciúme, ressentimento e outras emoções consideradas negativas — características do FOMO.

Primeiro passo é reduzir o tempo gasto nas redes

Para os cientistas americanos, o primeiro passo para melhora no quadro é a restrição do tempo gasto nas redes e o entendimento de que o conteúdo online não reflete a vida real. Foi essa ideia que motivou o surgimento de um conceito em resposta ao FOMO: o JOMO. A sigla significa Joy of Missing Out, ou “felicidade em ficar de fora”, em português, e celebra a desconectividade, a atenção ao momento presente e o prazer nas pequenas coisas e na própria companhia.

Segundo definição do dicionário de Oxford, o JOMO é caracterizado como “gostar de passar o tempo livre fazendo o que quiser, sem se preocupar que algo mais interessante esteja acontecendo em outro lugar”. O conceito ganhou relevância após a canadense Christina Crook escrever um livro sobre o tema relatando sua própria experiência durante um mês fora da internet.

Anna Lucia King, do Instituto Delete, destaca que o primeiro passo para trocar o FOMO pelo JOMO é adotar hábitos que promovam um uso consciente das redes.

— As pessoas que sofrem com o uso excessivo da tecnologia precisam dar limites ao seu dia. Então reduzir o tempo de uso dos aparelhos, utilizá-los para o trabalho apenas em horários comerciais, evitar o acesso durante as refeições e não usá-los por pelo menos uma hora antes de dormir. Essas são algumas técnicas para um uso adequado no dia a dia — diz.

Aderbal Vieira Júnior ressalta ainda que é importante se ter em mente que o que é publicado nas redes é apenas um recorte editado dos melhores momentos da vida real, portanto não deve ser comparado com a vida cotidiana.