Anchor Deezer Spotify

Queda das criptomoedas pode ser boa para o meio ambiente

Queda das criptomoedas pode ser boa para o meio ambiente

De janeiro até agora, o valor do bitcoin despencou 58%. O do ethereum, quase 70%. Um bitcoin, que chegou a custar US$ 67 mil, passou a valer pouco mais de US$ 21 mil.

Até aí, está dentro da rotina: fortes oscilações na cotação das criptomoedas são comuns.

Elas podem ser desastres ou oportunidades para os investidores. Já para o meio ambiente, há indícios de que a queda das criptos pode ser boa – e ajudar a reduzir as emissões de CO2.

As criptomoedas são criadas através da “mineração”: você coloca o seu computador para trabalhar, resolvendo operações matemáticas, e ao terminá-las recebe criptos como recompensa.

Só que, como elas valem dinheiro, há muito tempo a mineração deixou de ser uma atividade doméstica: hoje ela é feita em larga escala, por grandes conjuntos de servidores comprados e mantidos especificamente para essa atividade – que demanda uma quantidade imensa de eletricidade.

Em 2021, a mineração de criptomoedas consumiu estimados 180 a 200 TWh (terawatt-hora). É o equivalente ao gasto por todos os datacenters do mundo, somados – ou quase o dobro do consumo energético de países como Argentina e Holanda.

Ao longo do ano passado, as criptos atraíram muitos novos investidores, e seu valor disparou, estimulando a mineração. Agora, com a queda nas cotações, acontece o contrário – e o consumo de energia também diminui.

É o que mostra uma análise publicada pelo economista holandês Alex de Vries, que estuda o consumo energético envolvido nas criptomoedas. Segundo ele, sempre que o bitcoin estiver acima de US$ 25.200, o processo de mineração irá consumir pelo menos 180 TWh por ano.

Mas, quando ele cai abaixo desse valor, essa atividade se torna menos lucrativa – porque o valor da criptomoeda se torna menor, mas o custo da eletricidade usada para minerá-la continua o mesmo. Dessa forma, a quantidade de pessoas e empresas minerando diminui.

Uma simples queda do valor do bitcoin para a casa dos US$ 24 mil já reduziria o consumo global em 10 TWh. Quanto mais a cotação desce, mais energia é economizada.

Se o bitcoin cair para US$ 8 mil, calcula De Vries, esse valor sustentaria muito menos mineração – e ela passaria a consumir no máximo 60 TWh. É uma diferença bem grande. E essa projeção considera apenas o bitcoin, sem levar em conta as demais criptos.

As criptomoedas têm um impacto relevante nas emissões de CO2 porque a eletricidade usada para minerá-las nem sempre vem de fontes limpas – na maior parte das vezes, é justamente o contrário.

A mineração ficou mais “suja” também devido a outro fator. Em 2021, a China proibiu a mineração de criptos. O país, que abrigava mais de 50% de toda a mineração do mundo, usava energia de fonte hidrelétrica para fazer isso em boa parte do ano.

Com a proibição, a mineração passou a ser realizada de forma clandestina, com eletricidade de origem poluente – e também migrou para outros países, onde a matriz energética é mais suja.

Estima-se que a mineração de bitcoin gere 65 milhões de toneladas de CO2 por ano, o equivalente a todas as emissões geradas pela Grécia.

Segundo um estudo da Universidade do Havaí, publicado na revista Nature, o bitcoin, sozinho, teria o poder de gerar emissões suficientes para a temperatura do planeta subir acima de 2oC em relação a níveis pré-industriais, levando o planeta a descumprir a meta estabelecida pelo Acordo de Paris, em 2015.

Mas isso não significa que as criptomoedas devam ser extintas. Há formas de fazer a mineração consumindo menos eletricidade – e/ou poluindo menos.

Técnicas alternativas

Durante a noite, a demanda por eletricidade é menor, pois as pessoas estão dormindo. As turbinas de energia eólica continuam girando, pois continua ventando – mas a eletricidade que elas geram nesse período muitas vezes é descartada, já que não há como armazená-la.

Esse problema também pode afetar a energia solar. O Sol brilha mais forte ao meio dia, mas esse não é o horário de maior consumo (é ao anoitecer, quando as pessoas chegam em casa).

Já existem empresas tentando desenvolver soluções, como grandes baterias, para armazenar essa energia limpa  que sobra, pois é gerada em partes do dia em que a demanda é menor.

Outras possíveis saídas: só permitir a mineração fora dos horários “de pico”, ou apenas com eletricidade comprovadamente gerada por fontes limpas.

Também é possível mexer nas regras das próprias criptomoedas. A mineração delas segue a regra de proof of work, ou prova de trabalho: os computadores que executam e completam determinadas operações matemáticas ganham criptos por esse trabalho.

Mas é possível adotar o princípio de proof of stake, ou prova de participação. Grosso modo, é o seguinte: nesse sistema, usuários que detêm uma certa quantidade mínima de cripto são escolhidos para executar as operações matemáticas que geram moedas e validam as transações de outras pessoas.

Não existe a mineração irrestrita, como nos moldes atuais. Por isso o consumo de eletricidade se torna até 99% menor. A criptomoeda ethereum poderá migrar para esse sistema ainda este ano.

Além disso, seria possível reduzir as emissões envolvidas nas criptos limpando a matriz energética como um todo. Se a geração de eletricidade vier de fontes renováveis, a mineração naturalmente se tornará muito menos poluente.

E os países desenvolvidos estão investindo pesado em descarbonização. Nos EUA, por exemplo, estados que avançaram na geração de energia de fonte eólica, em especial o Texas, têm atraído um grande número de empresas de mineração de criptomoedas.

Como disse Steve Barbour, fundador da Upstream Data, empresa canadense especializada na produção de equipamentos para mineração, em entrevista à rede CNBC: “este é um mercado portátil, do qual você pode participar se aproximando da fonte mais adequada de eletricidade”.

Entre os países onde há mais mineração de criptos estão o Cazaquistão, que gera sua energia basicamente a partir da queima de carvão, e os Estados Unidos, que utiliza principalmente gás e carvão.

A corrida pelas criptos, em 2021, piorou esse cenário: naquele ano, apenas 25% da mineração foi alimentada com energia limpa e renovável (contra 42% em 2020).