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Árvore da vida das plantas revela potencial para identificar novas espécies e para conservação

Árvore da vida das plantas revela potencial para identificar novas espécies e para conservação

Projeto contou com cientistas de 27 países e mapeou o DNA de 9.500 espécies de angiospermas, construindo “árvore genealógica” que inclui até plantas consideradas extintas

Dos trópicos à Península Antártica, é possível encontrar plantas angiospermas – aquelas que são capazes de produzir flores e frutos. E elas vão mais longe: são 90% da vida vegetal que conhecemos. Em pesquisa produzida por cientistas do Royal Botanic Garden, Kew e recém-lançada na revista Nature, pesquisadores apontam a criação de uma “árvore da vida” das angiospermas. Como numa árvore genealógica, o projeto mapeou como as plantas estão relacionadas através do sequenciamento e análise do DNA de mais de nove mil espécies, identificando as mudanças que se acumularam ao longo dos anos.

A pesquisa prevê que a “árvore da vida” das angiospermas ajudará em “futuras tentativas de identificar novas espécies, a refinar a classificação das plantas, a descobrir novos compostos medicinais e a conservar plantas diante das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade”, relata José Rubens Pirani, professor e pesquisador do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências (IB) da USP.  Esses aspectos se tornam viáveis porque a localização da planta no esquema da “árvore da vida” permite predizer as suas propriedades.

As informações coletadas terão acesso aberto e livre para a população e a comunidade científica, com o objetivo de democratizar o conhecimento e possibilitar o uso em diferentes áreas. “Abrir os dados para todo mundo e permitir que as pessoas investiguem desde o dado bruto, que é a sequência de DNA, até o mais refinado, que é essa árvore da vida, faz com que qualquer pessoa que queira interagir e construir conhecimento em cima desse trabalho possa fazê-lo”, explica Alexandre Zuntini, biólogo doutor em botânica e pesquisador do Royal Botanic Garden.

Ao todo, participaram da pesquisa 279 cientistas, de 138 organizações, e 27 países. Do Brasil, colaboraram 16 pesquisadores, seis egressos da USP, entre eles Alexandre Zuntini e José Rubens Pirani.

Alexandre Zuntini – Foto: Arquivo particular

Importância para a biodiversidade

Com 15 vezes mais dados em comparação a qualquer outro estudo da área, os resultados da pesquisa exploram a complexidade da evolução das plantas. A tecnologia usada é capaz de separar o DNA através de magnetismo, método que já foi utilizado até em pesquisas com animais extintos, como mamutes. “Uma das vantagens da abordagem técnica molecular usada pela equipe é que ela permite que uma ampla diversidade de material vegetal, antigo e novo, seja sequenciado, mesmo quando o DNA foi extraído de amostra de planta coletada há um ou dois séculos, e esteja muito danificado – isso possibilitou acessar muitas coleções antigas depositadas nos herbários, os museus botânicos”, conta Pirani.

Entre os dados coletados, estão…

1.8
bilhão de letras de código genes
DNA de
9.506
espécies de plantas
das 9.506 espécies coletadas…
3.400
vieram de herbários
800
nunca tiveram seu DNA sequenciado
511
estão em risco de extinção
4
espécies já estão extintas

O estudo contempla a questão da preservação da biodiversidade de plantas frente a questões ambientais, como as mudanças climáticas. “A gente não vai sobreviver, pensando no mundo com mudanças climáticas [sem as plantas]”. A perda de espécies de angiosperma afeta não apenas os seres humanos, mas todo o bioma comprometido. Por isso, a escolha de medidas a serem tomadas para conservação de uma ou outra espécie faz toda a diferença. “Nós temos que estabelecer prioridades e essa é uma das formas, pensando nas mudanças climáticas e no futuro do planeta”, esclarece Zuntini, destacando que, “se você tem um grupo de plantas que representou, no passado, uma linhagem inteira, e que hoje em dia só é reconhecido por poucas espécies, é importante a gente preservar esse grupo mais do que um grupo amplamente distribuído”.

Entre as amostras de espécies analisadas e sequenciadas, estavam a de uma Arenaria globiflora coletada há aproximadamente 200 anos no Nepal, e de plantas extintas, como a Hesperelaea palmeri, que não é encontrada viva desde 1875. Além de espécies já extintas, foram sequenciados os DNAs de 511 espécies que constam na lista vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).

A árvore da vida das angiospermas é uma figueira​

Com tanta informação, a “árvore da vida” permite que muitas dúvidas sobre a evolução das angiospermas sejam sanadas, mas também levanta dúvidas sobre assuntos que ainda precisam ser estudados. “Com os dados que nós geramos hoje nós conseguimos então voltar no tempo e encontrar pontos onde as histórias entre os genes estão conflitantes”, relata Zuntini.

Os pesquisadores, através dos dados, conseguiram chegar a respostas sobre a evolução e disseminação das angiospermas pelo globo. Baseados em 200 fósseis, os cientistas seguiram pela linha do tempo para descobrir que algumas poucas espécies deram origem a mais de 80% das linhagens existentes hoje em dia. No entanto, houve uma queda e estabilização e, há 40 milhões de anos, surgiu uma nova explosão de diversidade, que coincide com a diminuição das temperaturas no planeta.

Para Zuntini, a “árvore da vida” é uma figueira. “Uma figueira, quando você olha, às vezes os troncos se encostam, se juntam e se separam de novo”, explica o pesquisador, falando sobre a complexidade nas relações entre as plantas, observada no projeto. “Agora, nós começamos a ter dados para testar, e como o nosso trabalho é o primeiro a apresentar dados de centenas de marcadores para milhares de grupos, a gente consegue estudar isso em diferentes escalas”, completa.

Mais informações: e-mail pirani@usp.br e a.zuntini@kew.org

*Com orientação de Luiza Caires e Fabiana Mariz e informações do Royal Botanic Garden