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Praias mais quentes: extremos climáticos disparam na costa brasileira

Praias mais quentes: extremos climáticos disparam na costa brasileira

Divulgado em fevereiro de 2022, o último relatório elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) reafirmou como a emissão de gases de efeito estufa está aumentando a frequência e a intensidade de temperaturas extremas ao redor do planeta.

De acordo com o relatório, a cada 1 °C a mais na temperatura média global é esperado um agravamento desses fenômenos, responsáveis por secas, inundações, fome e morte de inúmeras pessoas, animais e plantas. As previsões indicam um acréscimo médio de 1,5 °C nos termômetros em relação à era pré-industrial até 2030, mesmo em um cenário otimista de menor emissão de carbono.

Mas como especificar o que é um “extremo” de temperatura em um país imenso como o Brasil e com clima tão diverso, e identificar padrões destes extremos para entender seus efeitos em diferentes regiões?

É o que respondeu o estudo inédito feito por pesquisadores do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que avaliou os padrões dos extremos de temperatura no litoral brasileiro, com impactos medidos em termos de ocorrências (dias em que um extremo aconteceu) e de eventos (dias seguidos da ocorrência de extremos, caracterizando uma onda).

O trabalho se debruçou nos dados de temperatura do ar levantados a cada hora do dia ao longo dos últimos 40 anos em cinco regiões costeiras do país: São Luís (MA), Natal (RN), São Mateus (ES), Iguape (SP) e Rio Grande (RS).

Após quatro décadas de medições, o desfecho das análises impressionou ao trazer à tona um problema que já era estudado em outras regiões do mundo, mas que carecia de respostas na costa brasileira. Nas regiões Sul e Sudeste, as mais afetadas dentre as regiões estudadas, a frequência de ocorrências diárias de extremos de temperatura e das ondas de calor aumentou 188% no Espírito Santo, 100% no Rio Grande do Sul e 84% em São Paulo durante esse período.

Em Iguape, litoral de São Paulo, registrou-se o maior extremo de temperatura máxima, variando de 29,5 °C, observado em julho de 2000, a 40,4 °C, verificado em janeiro de 2016. No Espírito Santo, os extremos máximos de temperatura foram de 28,6 °C, em julho de 1987, a 37,2 °C, em março de 2013. Na última década, o estado viu os termômetros marcarem por 19 vezes temperaturas acima de 35 ºC, mais do que o dobro da ocorrência nos anos 1990.

“A pesquisa confirmou que a frequência dos eventos extremos está aumentando no Sudeste e Sul. Já esperávamos. Mas quando a gente olha estas variações, são quase três vezes mais em 40 anos no Espirito Santo, ou o fato de ter dobrado no Rio Grande do Sul. É muita coisa”, diz Ronaldo Christofoletti, coordenador da pesquisa e professor do IMar/Unifesp, que ressalta o ineditismo e o objetivo do trabalho de desmistificar o que era extremo climático e colocar isso em números.

“O grande pulo do gato foi responder a pergunta mais básica possível. O que é um extremo climático? Não se encontrava um valor de referência. Geramos um modelo matemático que permite definir o que é um extremo considerando qualquer ponto da costa brasileira que tenha dados de longo prazo”.

Mais ondas de calor, mais ondas de frio

Duas outras medições chamaram a atenção dos cientistas. O litoral capixaba registrou não somente aumento de ocorrências de ondas de calor, mas também uma frequência de ondas de frio cada vez maior. Na costa gaúcha, por sua vez, a intensidade das temperaturas mínimas diminuiu, ou seja, está ficando cada vez menos frio no sul do país.

Na região de Rio Grande, onde os termômetros apontam uma tendência decrescente na intensidade de temperatura mínima (os extremos de temperatura mínima estão ficando mais quentes com o tempo), os gaúchos anotaram temperaturas abaixo de 3 °C por 21 vezes entre 1989 e 1999. Quando comparada ao mesmo intervalo de tempo, a última década registrou somente 12 vezes a temperatura inferior a 3 °C.

“O Espirito Santo está sujeito a entradas de frentes frias que vem do sul por se localizar em uma região subtropical. Mas se for pensar no Rio Grande do Sul, onde a mínima extrema diminuiu, é bem preocupante”, conta o biólogo marinho Fábio Sanches, primeiro autor da pesquisa. “Quando eu era mais novo escutava que no futuro a gente ia ter problemas relacionados com o aquecimento global. E é o que nós mostramos. O tempo está ficando louco e as mudanças climáticas estão ai”, conclui.

A pesquisa avaliou também a variação da amplitude térmica (temperatura máxima menos temperatura mínima) ao longo do dia e entre dias consecutivos, parâmetros importantes para prever a entrada de frentes frias.

A única região que não apresentou variações na amplitude térmica diária foi o litoral do Rio Grande do Norte. Em São Luís, capital do Maranhão, é cada vez mais frequente encontrar dias de maior amplitude térmica, além de ser a única área a demonstrar aumento do número de dias consecutivos com amplitude térmica maior.

As alterações térmicas são ainda maiores no Sul e no Sudeste.

Além do aumento da frequência de dias de maior amplitude térmica, as regiões analisadas apresentaram aumento na intensidade da variação térmica diária, o que significa que é cada vez mais frequente encontrar dias cada vez mais variáveis na temperatura.

Iguape é a região com o valor mais extremo em amplitude térmica registrado em um mesmo dia, com impressionantes 17,9 °C de diferença entre a temperatura máxima e temperatura mínima, observado em fevereiro de 2018.

“É outro índice inédito da nossa pesquisa que mostra algo que estava passando desapercebido porque não causa uma mortalidade imediata, mas vai minando o dia a dia a saúde das pessoas ao mexer com todos os ciclos virais e a parte respiratória, além de impactar a saúde de animais e plantas. Já não temos mais as estações climáticas tão definidas quanto antes”, explica Christofoletti.

Como reduzir o efeito estufa

Enfrentar a crise climática global e fazer a transição para uma indústria de baixo carbono, bioeconomia e adoção de novas tecnologias verdes são desafios emergentes. O relatório do IPCC destaca a desproporção na balança de quem polui mais: as famílias entre os 10% mais ricos emitem mais de 45% dos gases de efeito estufa em todo o mundo.

Empossada à frente da Secretaria de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente há pouco mais de cinco meses, a economista e doutora em ciência política Ana Toni sabe bem como a dicotomia entre meio ambiente e economia pode ser injusta e deve ser superada.

Segundo Toni, que deixou o cargo de diretora-executiva do iCS (Instituto Clima e Sociedade) para assumir a pasta no governo Lula, sua gestão terá a missão de trazer o tema do clima como uma perspectiva de desenvolvimento, levando em conta a importância das pautas sociais.

“Os poderes econômicos estão baseados em combustíveis fosseis, em monocultura, e a gente quer transicionar para este outro mundo. Temos que enxergar a economia como um todo e a partir do olhar do meio ambiente”, diz ela.

Integrante do conselho do Greenpeace de 2010 a 2017, a secretária destaca ainda o desafio de fazer uma política transversal compartilhando responsabilidades e criando pontes com outros ministérios e o setor empresarial.

“O desafio não é a junção da economia com o meio ambiente”, afirma Toni. “Eu realmente acho que vai acontecer pela própria sobrevivência das empresas. O grande desafio é fazer isso de uma maneira mais justa levando em conta a desigualdade e segurança das pessoas mais vulneráveis.”