Picacismo: transtorno alimentar que causa desejo de comer cabelo, giz e terra
Eduardo Aratangy comenta as possíveis causas da síndrome e explica quais riscos à saúde podem surgir a partir do consumo de substâncias não alimentares
O picacismo, também conhecido como picofagia, é um transtorno alimentar raro e complexo caracterizado pela ingestão de substâncias não alimentares. Esse comportamento, que pode incluir o consumo recorrente de itens como carvão, gelo, giz, tecidos, cabelo, tinta, terra e argila, apresenta uma série de desafios tanto para os pacientes quanto para os profissionais de saúde. O psiquiatra Eduardo Aratangy, médico supervisor do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, discorre sobre as possíveis causas desse transtorno e as diferentes formas de tratamento.
Características e causas
Segundo o especialista, assim como diversos outros transtornos alimentares e psiquiátricos, o picacismo é uma condição multifatorial, portanto, não há uma única causa identificável para seu surgimento. Aratangy explica que, na maioria das vezes, o picacismo surge em crianças e está associado a pacientes em condições como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou deficiência intelectual. “O picacismo também pode estar relacionado a fatores nutricionais, como desnutrição ou ausência no corpo de vitaminas do complexo B, o que é chamado de disvitaminose. Em pessoas com essa ausência de ferro ou dessas vitaminas, pode haver uma espécie de alteração no paladar, o que leva ao desejo de consumir essas substâncias não alimentares”, detalha.
De acordo com o psiquiatra, o transtorno também pode ser observado em mulheres no período de gestação, uma vez que, durante a gravidez, as necessidades de micronutrientes aumentam, o que pode alterar os desejos alimentares da gestante. Ele conta que é comum que a gestante tenha o desejo de ingerir substâncias não alimentares, como caroços de melancia ou cascas de frutas. Aratangy ressalta que tais mudanças são geralmente transitórias e frequentemente relacionadas a deficiências nutricionais temporárias.
Riscos e complicações
Conforme o médico, os riscos associados ao transtorno variam amplamente, dependendo do material ingerido, sendo que alguns deles podem formar acúmulos de substâncias não digeríveis no trato gastrointestinal, chamados de bezoares, podendo causar obstrução. O acúmulo de cabelo, por exemplo, é chamado de tricobezoar e pode exigir intervenção cirúrgica se causar obstrução significativa no intestino.
“A ingestão de substâncias como tinta e tecidos pode resultar em intoxicações severas. A tinta, por exemplo, pode conter chumbo e outras substâncias tóxicas que, ao serem ingeridas, podem causar envenenamento. Além disso, a ingestão de terra pode ocasionalmente resultar em verminose, uma condição causada pela presença de parasitas intestinais. Em animais, as próprias verminoses podem ser responsáveis pelo surgimento do picacismo”, analisa.
Outros materiais, como gelo e argila, também podem ter efeitos adversos. Embora o gelo possa parecer inofensivo, o consumo excessivo pode levar a problemas dentários e, em sendo o caso de água contaminada, complicações digestivas. A ingestão de argila, por outro lado, pode levar a complicações semelhantes às observadas com a terra, incluindo problemas gastrointestinais e possíveis parasitas.
Estratégias de tratamento
De acordo com Eduardo Aratangy, o tratamento do picacismo deve ser abrangente e adaptado às necessidades individuais e as causas do transtorno em cada paciente. Se uma deficiência nutricional é identificada como a causa, o tratamento visa a corrigir essa ausência de nutrientes. No caso de picacismo associado a transtornos mentais, como deficiência intelectual ou TEA, o tratamento pode incluir estratégias de controle comportamental.
“Quando é um transtorno alimentar puro, costuma-se instruir o paciente com terapia cognitivo-comportamental, por exemplo, no caso de ingestão de cimento ou de gesso, que também causam bezoares potencialmente perigosos. Já no caso de existir comorbidades com quadro depressivos, indica-se o tratamento com o uso dos antidepressivos, mas basicamente o tratamento é comportamental”, finaliza.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira