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Matopiba será destacado para além do agronegócio em projeto multimídia

Matopiba será destacado para além do agronegócio em projeto multimídia

Desde que se consolidou como maior área de expansão agrícola do Brasil, há quase 40 anos, o Matopiba é apresentado como um celeiro mundial de soja, milho e algodão cercado de vastas pastagens. Pouco se mostra do que está por trás do agronegócio na região denominada com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. No rastro da produção dessas três commodities há desmatamento, mudanças climáticas, poluição e doenças provocados por agrotóxicos, conflitos territoriais, violação de direitos indígenas e quilombolas, pobreza e desigualdades sociais decorrentes da concentração de terra, capital e tecnologias.

É essa outra face do Matopiba que a Eco Nordeste, com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS), vai revelar a partir de 2024, quando estreia um projeto multimídia que trará, ainda, o que comunidades tradicionais estão fazendo para mudar esse cenário de problemas. A iniciativa visa lançar um olhar diferenciado para uma região negligenciada do ponto de vista socioambiental, que fica na transição entre três importantes biomas brasileiros – Amazônia, Cerrado e Caatinga – e tem no avanço agropecuário um grande risco de amplificar a principal contribuição nacional para a Crise Climática: o desmatamento da Floresta Amazônica.

No coração do Brasil, o Matopiba soma 73 milhões de hectares, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A confluência dos três ecossistemas faz dele um ecótono, região de alta diversidade biológica resultante do encontro de dois ou mais biomas. O mesmo governo federal que, em 2003 reconheceu a área como ecótono no Estudo de Representatividade Ecológica nos Biomas Brasileiros, em 2015 publicou decreto com o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba, que foi reeditado em novembro de 2023. Contradições como essa levaram à devastação de uma das áreas, até meados dos anos 1980, mais intocadas do País.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em 3 biomas

Cerrado – 66,5 milhões de hectares (91% da área)
Amazônia – 5,3 milhões de hectares (7,3% da área)
Caatinga – 1,2 milhão de hectares (1,7% da área)

Fonte: Embrapa

Quando da edição do primeiro decreto estabelecendo o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba, povos e comunidades tradicionais que habitam o território não foram consultados. Ainda em novembro de 2015, uma carta assinada por 41 organizações comunitárias, socioambientais e de direitos humanos denunciaram o projeto agropecuário, com o argumento de que só viria a trazer mais violência, grilagem e degradação ambiental, além de ampliar o poder político e econômico de pessoas ligadas ao agronegócio.

Nessa vastidão de terras estão inseridos 337 municípios de quatro estados (três do Nordeste e um do Norte). Pela mudança do uso do solo, com a conversão do Cerrado em pasto para gado ou área agrícola (principalmente soja), é uma fonte permanente de gases do efeito estufa, o que contribui para a intensificação de mudanças climáticas globais. E, embora a maior parte do Matopiba esteja no domínio do Cerrado, a expansão da fronteira agrícola é uma porta de entrada para a destruição da Amazônia.

Produção e projeções

18 milhões de toneladas na safra 2013/14
35 milhões em 2022/23.
93,0% foi o aumento registrado em 2022/23
11 milhões de hectares é a estimativa da área plantada em 2032/33
48 milhões de toneladas de grãos devem se produzidos nos próximos 10 anos

Fonte: Ministério da Agricultura

Dados recentes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que o Cerrado perdeu 11 mil hectares em 2023, um leve aumento de 3% em comparação com 2022. Do total desmatado, 63,47% pertenciam a propriedades privadas. Segundo o Código Florestal, as propriedades privadas no Cerrado precisam preservar apenas 20% da vegetação nativa (35% se estiver dentro da Amazônia Legal), enquanto que na Amazônia a lei fala em 80%. Outra diferença é que, ao contrário da maior floresta tropical do mundo, que em 2023 apresentou queda nos alertas de desmatamento, o Cerrado tem batido recorde. E é dentro do Matopiba que o cenário é mais preocupante.

Entre 2022 e 2023, a Bahia apresentou um aumento de 38%, perdendo um total de 1.971 km² de vegetação nativa. Em valores absolutos, o Estado só ficou atrás do Tocantins, 2.233 km², e Maranhão, 2.928 km². Em 2022, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o Matopiba foi responsável por 78% do desmatamento do Cerrado e 30% de todos os biomas brasileiros. Nas últimas quatro décadas, a zona de transição entre o Cerrado e a Amazônia Oriental apresentou as maiores tendências de aquecimento e seca na América do Sul tropical. É o que diz este estudo de 2022 publicado na Revista Nature.

As intensas mudanças no uso do solo por parte do agronegócio, além de agravar a crise climática global, põe em risco a segurança alimentar e hídrica do País. O Cerrado, o “berço das águas”, tem nascentes de oito das 12 maiores bacias hidrográficas brasileiras, a exemplo do São Francisco, Tocantins-Araguaia e Paraná. Segundo este estudo do Ipam, caso o atual ritmo de devastação no Matopiba continue, 373 municípios podem apresentar uma redução no abastecimento e qualidade da água. Uma conta a ser paga pelas pessoas que habitam a região, em particular comunidades tradicionais, geraizeiros, indígenas e quilombolas.

Acima, o título: CONHEÇA O MATOPIBA. Abaixo o mapa Brasil em verde com destaque em azul para os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (Matopiba). Ao lado, num gráfico de pizza, os percentuais: ÁREA 73.173.485 hectares; Piauí (11,21%); Bahia (18,06%); Maranhão (32,77%); e Tocantins (37,95%)
Mapa do Matopiba | Flávia P Gurgel

Projeto ma.to.pi.ba.

Esse território de conflitos socioambientais, onde o futuro da humanidade está sendo (des) plantado, é cenário, a partir de agora, de um audacioso projeto de comunicação da Agência de Conteúdo Eco Nordeste, em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (iCS).

Nos próximos meses, o nosso público terá acesso a diversos conteúdos multimídia, entre matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters, produzidos por uma equipe premiada composta pelos repórteres Alice Sales e Victor Moura, a fotógrafa Camila de Almeida, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts, e Andréia Vitório fará o gerenciamento das redes sociais.

“Esta é uma cobertura jornalística necessária, visto que o conteúdo noticioso nesta importante região do País, que transita entre o Nordeste e o Norte, envolta em três biomas, Amazônia, Caatinga e Cerrado, se resume ao agro, seja na defesa ou na oposição. Não vai além. Não trata de sua diversidade, riquezas naturais, serviços ecossistêmicos. E mais: não aponta caminhos diferentes para a garantia de um desenvolvimento sustentável e resiliência climática nesta região cheia de singularidades”, afirma Maristela Crispim, editora-chefe da Agência de Conteúdo Eco Nordeste e coordenadora do Projeto ma.to.pi.ba.

A ideia é que todo conteúdo seja pautado por um olhar transdisciplinar que contemple os temas estratégicos: clima, sociedade, políticas públicas, além da Amazônia e sua pouco explorada relação com o Nordeste brasileiro. Além da produção de conteúdos diversos, estimularemos o debate sobre o tema entre pesquisadores, políticos e sociedade com o intuito de promover uma transformação necessária no cenário sociopolítico-acadêmico-produtivo regional.

Ao longo do projeto, a Eco Nordeste realizará viagens para captar fotos, vídeos, áudios, depoimentos dos diversos atores que formam o grande mosaico dessa região fronteiriça com a Amazônia com o objetivo de fomentar um desenvolvimento verdadeiramente sustentável para seus habitantes.