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Inteligência artificial identifica plantas doentes simulando processo cerebral

Inteligência artificial identifica plantas doentes simulando processo cerebral

No Brasil, equipamento que permite capturar e simular sinais cerebrais começou a ser testado em 2022 na detecção de doenças em estágio inicial em cultivos de soja por meio de inteligência artificial (IA). O trabalho é feito a partir de parceria entre a Embrapa e as empresas Macnica DHW e InnerEye, esta última desenvolvedora do BrainTech, equipamento que faz a captura dos sinais neurais de especialistas por meio de um capacete com eletrodos, similar a um eletroencefalograma. O sistema, então, simula o funcionamento cerebral no momento em que especialistas visualizam imagens de plantas doentes, automatizando a rotulagem e tornando a etapa mais rápida e eficiente. Com isso, os pesquisadores esperam dar rapidez às tomadas de decisão, reduzindo perdas em empreendimentos rurais e racionalizando o uso de recursos naturais.

“Essa é uma iniciativa pioneira da Embrapa que está unindo tecnologia disruptiva BrainTech, trazida com exclusividade pela Macnica DHW para o Brasil. Associando sinais neurais EEG e AI é possível criar uma máquina que imita o cérebro humano com alta confiabilidade”, observa o gerente de Soluções IoT & AI da Macnica DHW, Fabrício Petrassem.

O teste e validação do sistema teve a participação do desenvolvedor Yonatan Meir, da InnerEye, que veio de Israel em agosto, especialmente para essa finalidade. “Por meio da captura de ondas cerebrais, a solução da InnerEye é capaz de identificar o julgamento e classificação de uma imagem observada por uma pessoa, permitindo que a imagem seja rotulada de forma automática e imediata”, explica Yonatan.

O sistema já é utilizado em aeroportos europeus na identificação de objetos perigosos em malas. Em 2019, a Macnica DHW buscou a Embrapa para, em parceria, explorar a tecnologia no setor agropecuário com possíveis novas aplicações, a primeira foi a detecção precoce de doenças em plantas, cujos experimentos começaram em abril de 2022.

“As ferramentas de IA evoluíram muito e, com dados de boa qualidade, conseguem resolver quase qualquer problema”, indica o pesquisador da Embrapa Agricultura Digital, Jayme Barbedo, que lidera o projeto pela Empresa. O desafio, segundo aponta, é a obtenção desses ‘dados de qualidade’, que além de coletados precisam ser rotulados por especialistas. Um processo custoso e demorado em que o equipamento vai auxiliar.

Os primeiros resultados do experimento foram positivos, pois o equipamento ajudou a identificar, com alta acurácia, as folhas doentes (oídio e ferrugem da soja) e saudáveis. Agora, o projeto deve ir além da detecção de plantas doentes/não doentes e avançar na identificação do tipo de doença presente no cultivo da soja, iniciando pelas comercialmente mais significativas. Também está sendo articulada a inclusão das culturas de milho e café nos experimentos com os respectivos centros de pesquisa da Embrapa.

Em abril, o equipamento foi trazido ao Brasil para a sede da Macnica DHW, multinacional japonesa, localizada em Florianópolis (SC). Lá, foi montada a estrutura para o experimento de captura dos sinais cerebrais de fitopatologistas Cláudia Godoy e Rafael Soares da Embrapa Soja. Ambos avaliaram cerca de 1,5 mil imagens de folhas doentes e saudáveis para os testes com o capacete coletor.

A etapa da prova de conceito mostrou que os modelos gerados a partir dos eletroencefalogramas dos especialistas são capazes de lidar bem com imagens, permitindo treinar a máquina na identificação de plantas doentes. “A junção das imagens rotuladas – doente/saudável – com os sinais cerebrais dos especialistas resultou na melhora do desempenho do modelo, indicando a viabilidade do uso da IA”, aponta Barbedo.

Inteligência Artificial 

Área de pesquisa que visa a projetar, desenvolver, aplicar e avaliar métodos e técnicas na criação de sistemas inteligentes capazes de adquirir e integrar, por conta própria, conhecimento acerca do domínio em que atuam, de modo a melhorar progressivamente seu desempenho em relação ao cumprimento de seus objetivos.

Primeiras impressões

“A experiência foi muito interessante, porque o sistema aprende a identificar imagens de folhas doentes a partir da contagem que é feita de forma silenciosa quando se visualiza as doentes e as sadias que passam rapidamente em uma tela de computador pela identificação dos sinais cerebrais”, relata Claudia Godoy. “A partir da evolução desse treinamento, essas tecnologias de reconhecimento podem ser utilizadas por pessoas que não tem muito conhecimento de doenças, auxiliando no manejo de doenças”, detalha.

De acordo com Soares, para esse experimento foram escolhidas duas doenças: a ferrugem-asiática, doença economicamente mais importante da cultura, e o oídio, relevante na região sul do Brasil. “Essas doenças foram escolhidas pois, além da importância que possuem para a cultura da soja, causam dois tipos distintos de sintomas foliares na planta e havia uma disponibilidade adequada de imagens para a avaliação”, explica Soares.

Para o pesquisador o aprimoramento de ferramentas de manejo de doenças da soja é importante porque “detectar e diagnosticar doenças é uma das maiores dificuldades encontradas na cultura, e tecnologias inovadoras que agreguem informações a essas práticas são desejáveis e necessárias”, destaca.

Custos com a ferrugem-asiática ultrapassam os US$ 2 bilhões por safra no Brasil

Desde sua introdução no Brasil, em 2001, a ferrugem-asiática da soja, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, é a mais severa doença da cultura, podendo levar a perdas de até 80%, se não controlada. Segundo levantamentos do Consórcio Antiferrugem, os custos com a doença ultrapassam os US$ 2 bilhões por safra no Brasil, considerando a aquisição de fungicidas e as perdas de produtividade que ela provoca.

As estratégias de manejo estão centradas em práticas como o vazio sanitário, que é o período de pelo menos 90 dias sem plantas vivas de soja no campo, para a redução do inóculo do fungo. Ajudam também no controle a utilização de cultivares de ciclo precoce e semeadura no início da época recomendada, a adoção de cultivares resistentes, respeito ao calendário de semeadura e a utilização de fungicidas.

Atualmente, o fungo P. pachyrhizi apresenta mutações que conferem resistência aos três principais grupos de fungicidas sítio-específicos e novas mutações podem ser selecionadas ao longo do tempo. “O fungo causador da doença é capaz de se adaptar a algumas das estratégias de controle, seja pela perda da sensibilidade aos fungicidas ou pela “quebra” da resistência genética das cultivares de soja”, explica a pesquisadora da Embrapa Cláudia Godoy.

Por isso, a recomendação da Embrapa é para que os produtores adotem as estratégias de manejo disponíveis com o intuito de preservar os fungicidas e as cultivares disponíveis. “Todas as estratégias quando utilizadas de forma conjunta têm permitido um manejo adequado da doença”, explica Godoy.

Soja – Foto: Divulgação

Oídio pode provocar perdas de até 35%

Apesar de o oídio não ter o mesmo impacto econômico provocado pela ferrugem-asiática da soja, há relatos de perdas de produtividade variando entre 10% e 35%. A doença é causada pelo fungo Erysiphe diffusa, que provoca uma fina cobertura esbranquiçada em pequenos pontos ou cobre toda a parte aérea da planta, principalmente as folhas. “Em infecções severas, as folhas podem secar e cair prematuramente.

A doença é favorecida por períodos de baixa umidade e de temperaturas amenas (18 °C a 24 °C), sendo mais comum na região Sul do Brasil, nas regiões altas e em semeaduras tardias, em razão da maior favorabilidade climática. “As estratégias de controle da doença envolvem a utilização de cultivares resistentes e o controle químico”, informa o pesquisador Rafael Soares.

Como funciona a tecnologia BrainTech

O sistema “imita” o funcionamento cerebral de especialistas no momento em que visualizam imagens de plantas doentes, automatizando a rotulagem e tornando a etapa mais rápida e eficiente. A ideia é simular, tão próximo quanto possível, o processo cerebral de um especialista quando identifica algo ou toma uma decisão, como foi feito com os fitopatologistas.

O primeiro passo é a calibragem do modelo, ajustando o capacete com os eletrodos na cabeça do especialista para identificar seus sinais cerebrais. “Cada pessoa tem um padrão cerebral diferente, os sinais elétricos do cérebro são diferentes de pessoa para pessoa, por isso, é necessário fazer uma calibração para cada uma para o modelo entender o que ela está pensando”, explica Barbedo.

Uma vez que o sistema ‘aprendeu’ como a pessoa funciona, começa o processo de rotulagem da base de dados. As instruções aos especialistas é para que enumerem (1, 2, 3 …) as folhas doentes quando as vir na tela, que apresenta três imagens por segundo. O sistema vai capturando os sinais cerebrais emitidos a cada novo estímulo, diferente quando se visualiza uma folha saudável.

Segundo o líder do projeto, o processo de contagem não é obrigatório, mas reforça os sinais cerebrais, tornando mais fácil a diferenciação entre o que é doente e o que é saudável. O sistema permite a apresentação de até dez imagens por segundo.

Confiabilidade dos resultados 

Com duração média de meia hora, cada sessão possibilitou rotular mais de mil imagens, tarefa que no sistema manual demoraria dias. Além do ganho em agilidade no processo de rotulagem, Barbedo destaca a confiabilidade do sistema, “que tem mecanismos de correção de possíveis erros, tornando o modelo que é treinado mais confiável”.

O sistema consegue identificar se o especialista piscou ou está perdendo atenção no processo de visualização das imagens em sequência por meio dos sinais neurais. Nesses casos, o sistema descarta o resultado e reapresenta a imagem posteriormente. O sistema BrainTech gera uma curva indicativa da atenção, pausando o experimento para descanso quando cai para nível crítico à confiabilidade dos resultados.

Além disso, o sistema é capaz de detectar o nível de certeza do especialista ao visualizar a imagem, o que é chamado de softlabel. A utilização desse parâmetro permite a melhor calibragem do modelo conforme o nível de experiência de cada especialista, por consequência, isso traz maior acurácia na decisão do modelo IA.

Aplicações no agro

A tecnologia abre diversas possibilidades de aplicação no setor agropecuário.Os modelos treinados poderiam ser embarcados em maquinário agrícola, aplicativos de celular e atuando em atividades com carência de mão-de-obra especializada.

A aplicação mais racional de defensivos, com menos custo econômico e menor impacto ambiental, e produção de alimentos de forma mais limpa e sustentável seria possível com modelos treinados embarcados em maquinários, identificando em tempo real e em parcelas específicas a necessidade de aplicação de defensivos ao passar nas linhas de produção.

“Embarcar esse modelo em um aplicativo de celular daria ao produtor agilidade na tomada de decisão quando identificadas doenças e sintomas de patologias, acelerando a adoção das medidas necessárias”, indica Barbedo.

O pesquisador aponta, ainda, a pertinência do uso da tecnologia na estratégia de rotação das pastagens da pecuária leiteira, área em que faltam especialistas. A escolha dos piquetes mais apropriados para maximizar a produção do leite é feita por técnico experiente em identificar a melhor localização e a quantidade ideal de animais. “O sistema poderia simular a atividade desse especialista para fazer uma locação tecnológica. A maioria das propriedades não tem alguém com essa expertise”, conclui.

Os parceiros

InnerEye é uma empresa da BrainTechde Israel (parceira do Grupo Macnica Inc.), que combina Inteligência Artificial (IA) com inteligência humana por meio da captura e interpretação das ondas cerebrais.

A Macnica DHW é a operação na América do Sul do Grupo Japonês Macnica Inc., distribuidor de semicondutores e fornecedor de soluções IoT e IAAtua em áreas como cibersegurança, Veículos Autônomos, Robótica, IA, IIoT, Automação comercial/bancária. Desenvolve produtos e soluções que vão desde hardware customizado ao desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial para inferência na nuvem ou na borda.

Pesquisador Rafael Soares – Foto: Divulgação