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‘Ilhas de calor’ podem elevar temperatura em até dois graus

‘Ilhas de calor’ podem elevar temperatura em até dois graus

Diferença térmica pode ser percebida dentro de um mesmo bairro, fato provocado pelas condições de reflexo da luz solar

Em João Pessoa, a temperatura pode aumentar até dois graus centígrados entre as áreas arborizadas e ruas sem arborização. De acordo com o engenheiro agrônomo e diretor de Controle Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de João Pessoa (Semam), Anderson Fontes, os trechos considerados mais quentes são conhecidos como “ilhas de calor” e estão localizados na região norte da cidade.

A região norte pessoense corresponde aos bairros de Manaíra, início do Bessa e Jardim Oceania, que apesar de estarem na orla, apresentam algumas dessas “ilhas de calor”. Conforme Anderson Fontes, as diferenças entre os locais com as temperaturas mais altas e mais baixas são significativas.

A Semam em contato com pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) constatou que existe um aumento de um a dois graus. “Isso vale num mesmo bairro, por exemplo, bairros que tem uma rua mais arborizada, pode ter uma diferença entre um e dois graus.”, esclareceu o diretor.

Tais mudanças estão relacionadas ainda às estações do ano, já que, no verão, as temperaturas mais altas podem ser vistas em bairros com maior área construída, onde os solos estão compactados – estimulando o aumento da temperatura. Anderson Fontes alerta que os lugares que têm mais árvores, mais espaços abertos, como praças, e menos prédios, tendem a ter a temperatura um pouco mais baixa.

Segundo o diretor de Controle Ambiental, a temperatura mais levada está relacionada, em especial, à falta de áreas verdes e é preciso ter diversidade arbórea e cobertura vegetal para controlar melhor as temperaturas. “As áreas verdes dos bairros estão desequilibradas em relação a outras áreas da cidade. João Pessoa tem 32% de cobertura vegetal, considerada satisfatória para o total da população”, afirmou.

O professor biólogo do Departamento de Sistemática e Ecologia da UFPB, Tarcísio Cordeiro, lembrou ainda que João Pessoa cresceu muito nos últimos 20 anos e hoje é possível ter alguma previsão acerca das áreas mais quentes com o auxílio de sensoriamento remoto, fotos aéreas e de satélite, procurando por trechos com menor albedo (Albedo é a capacidade de uma superfície refletir a luz solar, geralmente expressa em porcentagem). “Menor albedo significa maior absorção da luz solar e maior emissão de calor”, explicou.

Para o professor, as causas deste fenômeno estão relacionadas a superfície do terreno de um lado e condições meteorológicas do outro. Por exemplo, em um bairro com ruas de asfalto, terrenos impermeabilizados, casas com telhados escuros (de pouco albedo), vai haver sob as mesmas condições de vento e insolação, maior temperatura que um bairro arborizado, pavimentado com paralelepípedos, lotes gramados e arborizados e telhados claros.

O pesquisador destaca que a presença de prédios é um fator importante, pois hoje em dia eles são revestidos de ladrilhos que refletem muito a luz solar. “Imaginemos um quarteirão com um prédio e algumas casas. A luz solar que bate no prédio vai refletir sobre as casas. Assim, as casas vão receber a luz solar direto do sol, adicionada de um grande ‘espelho’, que é a parede do prédio. A insolação nessas casas quase dobra, e a temperatura sobe”, informou Tarcísio Cordeiro.

Ele lembra que algumas praças têm pouco público com o sol alto por falta de arborização e pela presença de muito pavimento. “A Praça da Paz é um exemplo, só é mais frequentada à tarde e à noitinha. Já o Parque da Lagoa, por ter árvores altas, antigas e que fornecem grande cobertura, é bem mais agradável”, ressalta.

Ocupação do solo explica diferenças

O advogado Marcos Henrique mora em um apartamento no bairro do Manaíra há um ano e meio e acredita que a população dos prédios sofre mais com o calor do que quem mora nas casas, em especial no verão. “Eu morava em outra área de Manaíra e achava lá muito mais quente. Acho que isso acontecia por conta dos prédios que eram mais próximos. Essa parte que estou morando é mais tranquila, com menos apartamentos ao redor”, opinou.

Para ele, mesmo sendo no mesmo bairro, é preciso procurar locais com mais árvores e menos prédios, pois a construção civil influencia diretamente nas sensações de calor. “Os prédios quando são mais juntos e sem árvores por perto, tudo fica mais quente. Lá em casa fico no ar condicionado praticamente o dia todo”, comentou Marcos.

A professora Carla Tatiana, por sua vez, reside no Bessa com os dois filhos adolescentes e conta que o calor atrapalha várias atividades do dia, além de aumentar as despesas do lar. “Eu moro em um prédio até ventilado, mas deixamos o ventilador na sala e nos quartos”, descreveu. Ela afirma que o aumento na quantidade de prédios ao longo dos anos, ao mesmo tempo que representa o crescimento do bairro, modificou as temperaturas, impedindo a ventilação.

Temperaturas mais amenas

Segundo o engenheiro Anderson Fontes, os lugares que têm mais árvores, mais espaços abertos, como praças, e menos prédios tendem a ter a temperatura um pouco mais baixa. Estas são áreas de maior convivência social, com ruas arborizadas. “Um exemplo é a rua conhecida como Três Ruas nos Bancários (Rua Waldemar Mesquita Acioli). Rua com canteiros largos, solo permeável, onde tem aproximadamente 600 árvores cadastradas pela Semam. A temperatura é bem menor nestes locais”, citou. O diretor ressaltou ainda que são os bairros da Zona Sul, que ap esentam as menores temperaturas, como Bancários, Jardim Cidade Universitária, além de alguns trechos de Mangabeira e Gramame. Apesar da expansão imobiliária, as áreas verdes como parques também podem ser incluídas. Destaques são o Vale do Cuiá, oParque das Cinco Trilhas, entre Mangabeira e a PB-008, Parque Jacarapé e Aratu.

Importância da vegetação

Segundo o professor Tarcísio Cordeiro, é difícil determinar os bairros mais ventilados, porque dentro de um mesmo bairro pode-se ter diferentes condições de ventilação, arborização e albedo das superfícies. Ele ressalta que a vegetação tem um importante papel no conforto térmico. “É fácil entender: o valor de uma árvore que produz sombra é inestimável para quem vive em João Pessoa. Em um local próximo à Mata do Buraquinho ou do campus da UFPB pode estar com 28 graus, o Varadouro pode passar de 30. Só lembrando que eram termômetros de rua”, apontou.

Outro fato é que João Pessoa está numa região conhecida por Zona De Convergência Intertropical (ZCIT). Isto significa que a cidade está onde os ventos de nordeste do hemisfério norte e ventos de sudeste do hemisfério sul se encontram. O resultado é nenhum vento e aumento da temperatura. Se além da ausência de vento tivermos uma cobertura de nuvens, a temperatura aumenta mais ainda. “São aqueles dias realmente difíceis, que mesmo na sombra a gente fica suando bicas. É quando a gente reclama do mormaço”, explicou o pesquisador da UFPB.

Ainda assim, é possível diminuir a temperatura nos bairros residenciais e a arborização é um excelente caminho para isso. Pavimentar ruas com paralelepípedo ao invés de asfalto ajuda, assim como pintar os telhados de branco também é uma medida importante. “Para melhorar a ventilação é um problema mais sério, porque envolve o temor das pessoas com relação à violência urbana. Todo mundo constrói muros altos, de um jeito que não conseguem ficar mais dentro de casa por falta de ventilação. Essa cultura do muro alto teria de mudar”, avalia Tarcísio Cordeiro.

A arborização revela-se essencial, mas para Tarcísio Cordeiro, requer uma mudança de cultura, já que são muitas áreas verdes hoje desmatadas para a construção civil. “Um pesquisador mediu a temperatura próxima ao solo de locais arborizados e recém desflorestado, chegando a uma média de oito graus de diferença. Árvores são tudo de bom numa região como a de João Pessoa”, finalizou.