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eDNA: como a coleta de material genético residual está mudando o monitoramento de espécies nos oceanos

eDNA: como a coleta de material genético residual está mudando o monitoramento de espécies nos oceanos

Tecnologia oferece opção não invasiva para estudar espécies, e traz resultados mais rápidos que pesquisas tradicionais

Cientistas estão avançando com estudos envolvendo uma forma mais rápida e menos invasiva de analisar o DNA das espécies animais e vegetais, facilitando o monitoramento da biodiversidade ao redor do mundo. O “eDNA” (abreviado de environmental DNA, ou DNA ambiental) é captado a partir de fragmentos que as espécies deixam durante seu movimento – células da pele, resíduos e outros fluidos corporais.

Na última década, o uso de eDNA para monitorar a biodiversidade aumentou bastante, sobretudo nos oceanos. Coletando amostras de água dos mares, pesquisadores podem extrair os fragmentos genéticos deixados no local e determinar a presença e a diversidade de espécies que passaram por ali com precisão sem precedentes, segundo especialistas consultados pelo The Guardian.

“O conhecimento é a base de toda gestão. Se você não conhece um lugar, não pode protegê-lo. É o primeiro passo”, diz Nahi El Bar Jiyed, que faz parte de uma iniciativa da Unesco para coletar eDNA em 22 patrimônios marinhos da humanidade.

Um desses locais é o parque nacional Banc d’Arguin, na Mauritânia. Está situado ao longo da costa norte do país, abriga golfinhos e tartarugas marinhas em extinção e é uma parada vital para milhões de aves migratórias. Devido à sua notável biodiversidade, o parque foi declarado patrimônio mundial pela Unesco em 1989.

O parque é uma “verdadeira encruzilhada biogeográfica”, que marca o encontro de organismos tropicais e temperados, diz o diretor do parque, Ebaye Sidina. “Sabemos que temos um número enorme de espécies, e a análise do DNA vai finalmente mostrar que essa diversidade existe e deve ser preservada”, afirma.

A tecnologia de eDNA não apenas permite que os cientistas avaliem a biodiversidade, mas também detectem espécies invasoras, rastreiem animais ameaçados e monitorem águas residuais em busca de doenças e patógenos. Ela até descobriu a existência de espécies anteriormente consideradas extintas. No Banc d’Arguin, os cientistas estão ansiosos para ver se há alguma indicação do peixe-serra-de-dentes-pequenos, que Sidina disse não ser visto há décadas.

“Várias espécies de peixes já estão se movendo 25 km a cada década, seja para águas mais profundas ou mais distantes da linha do equador”, diz Fanny Douvere, chefe do programa marinho do patrimônio mundial da Unesco. “Queremos garantir que daqui a 30 ou 40 anos os limites desses patrimônios marinhos ainda sejam relevantes.”

Utilidade para monitorar efeitos da mudança do clima

Usado ao longo do tempo, o eDNA poderá também fornecer informações sobre como a crise climática está afetando as populações e mudando sua distribuição geográfica. A vantagem dessa técnica sobre as pesquisas tradicionais é que estas podem levar anos para serem concluídas, enquanto o eDNA pode produzir resultados em meses.

A capacidade de detectar mudanças imediatas também é crucial para rastrear espécies invasoras, como o peixe-leão, que pode dizimar rapidamente populações de peixes nativos. Além disso, a amostragem de eDNA é uma alternativa não invasiva a métodos como arrasto de fundo e captura, tranquilização e marcação de animais.

“O eDNA também capta coisas que você talvez não teria visto, porque estavam escondidas ou só aparecem em determinados momentos do dia”, diz Luke Thompson, pesquisador da Mississippi State University e da Administração Nacional de Oceano e Atmosfera dos Estados Unidos.

A tecnologia está mais desenvolvida em seu uso marinho, mas também avança na captação de eDNA dos ares e do solo. Recentemente, descobriu-se que estações de monitoramento de qualidade do ar estão captando esses fragmentos, oferecendo uma rica base de informações sobre pássaros e vegetação de diversos locais do mundo.

Problemas a resolver

Apesar de suas várias vantagens, a tecnologia eDNA apresenta seus próprios desafios. As correntes oceânicas podem impedir que espécies na região da amostra sejam detectadas, ou fazer com que espécies de áreas distantes apareçam e confunda os resultados da coleta. Além disso, alguns animais liberam mais DNA do que outros, o que pode gerar uma imagem imprecisa das proporções populacionais.

“Mas a principal limitação é a falta de consenso sobre a padronização de métodos e marcadores”, diz Louis Bernatchez, editor-chefe da revista científica Environmental DNA.

Para combinar o DNA coletado com as espécies correspondentes, os cientistas executam as sequências genéticas em um banco de dados de referência. No entanto, não existe um banco de dados global unificado e não há consenso sobre quais marcadores genéticos usar. Assim, menos de 1% de todos os animais tiveram seus genomas sequenciados. “As pessoas não estão trabalhando juntas o suficiente. É um grande problema”, diz Bernatchez.