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Drosófila | Por que a mosca-da-fruta é fundamental para a ciência?

Drosófila | Por que a mosca-da-fruta é fundamental para a ciência?

Moscas domésticas podem ser um grande incômodo na rotina, rondando alimentos ou simplesmente pousando em humanos em momentos relaxados no sofá. Apesar de não parecer, estes insetos foram e são muito importantes para a ciência — além de ter a função ambiental de polinizar o cacau e ajudar a decompor animais mortos, estas criaturas da ordem Diptera foram cobaias de diversas teorias evolucionárias, envolvendo principalmente mutações genéticas no século XX.

A estrela da vez é a Drosophila melanogaster (mosca-da-fruta ou mosca-do-vinagre), que ainda nos traz muitas descobertas biológicas. A espécie Drosophila (drosófila) foi descrita pela primeira vez em 1830, pelo entomólogo alemão Johann Meigen, e a mosca se tornou o organismo animal melhor compreendido do mundo.

Com olhos vermelhos característicos, a mosca-da-fruta ou mosca-do-vinagre nos permite estudar genes com rapidez no laboratório (Imagem: twenty20photos/envato)

Dez cientistas já ganharam prêmios Nobel trabalhando com o inseto nos campos de fisiologia e medicina. Isso começou no início dos anos 1900, quando o biólogo Thomas Hunt Morgan resolveu testar teorias evolucionárias, como a ligação entre mutações genéticas e outras características corporais, época na qual as teorias de hereditariedade de Mendel ressurgiram.

Porque a mosca é tão útil?

Moscas como a drosófila são bastante fáceis de criar — é necessário apenas uma garrafa de leite com pedaços de banana — e se reproduzem muito rápido, com uma geração surgindo a cada 10 dias e cada fêmea botando 100 ovos por dia. Assim, é possível estudar evolução no laboratório com muito mais facilidade, já que é simples ver as mudanças evolucionárias em grandes populações de uma espécie numerosa como a dos insetos.

Os estudos de Morgan levaram à descoberta de uma mosca com olhos brancos, ao contrário dos olhos vermelhos normalmente presentes nas moscas-do-vinagre. Ao estudar as gerações seguintes da mosca de olhos brancos, a equipe do cientista descobriu que os genes podem sofrer mutações e se arranjarem em mapas ordenados e reproduzíveis nos cromossomos, longas moléculas de DNA. Isso nos deu as fundações da genética clássica, mostrando como, por exemplo, doenças genéticas são passadas de pai para filho.

Hoje, entendemos as moscas melhor do que qualquer organismo vivo no mundo — este, por exemplo, é o cérebro completamente mapeado de uma mosca-da-fruta (Imagem: Johns Hopkins University/University of Cambridge)

Nas décadas seguintes, pesquisadores foram descobrindo como genes codificam proteínas e facilitam reações químicas no corpo, produzindo as moléculas necessárias nas células. Outras investigações nas moscas permitiram o mapeamento da estrutura helicoidal do DNA, permitindo que a ciência focasse em questões há muito debatidas, como os complexos processos biológicos envolvidos no desenvolvimento de um organismo inteiro com base em apenas um óvulo fertilizado.

Com o tempo, foram desenvolvidas tecnologias para estudar os embriões de Drosophila em suas cascas transparentes de 0,5 mm, mostrando que defeitos genéticos também acometem os pequenos insetos, gerando deformidades como filhotes sem cabeça ou cauda. Mesmo quando os ovos sequer chocam, cientistas conseguem estudar mutações defeituosas, o que permite saber mais sobre a função do gene afetado.

Isso permitiu descobrir, por exemplo, como redes de genes — ou seja, genes ou parte deles que interagem entre si para controlar uma função celular específica — determinam o desenvolvimento de um corpo e como isso pode gerar distúrbios herdados. Esse achado deu o prêmio Nobel a 3 cientistas em 1995.

Nós nos parecemos com as moscas — mas nem tanto

Entre as descobertas surpreendentes dos pesquisadores, estão sequências do genoma de moscas e humanos com similaridade incrível, o que mostrou como processos presentes nas drosófilas também se aplicam a organismos mais complexos. Muitos genes humanos, inclusive, podem assumir as funções de seus equivalentes nas moscas quando inseridos no genoma dos insetos.

Com custo-benefício ótimo e semelhança grande com partes do genoma humano, o estudo das moscas rende prêmios Nobel até hoje — mas há um limite para o quanto conseguimos aprender com estes animais (Imagem: Pelooyen/Envato)

O ancestral comum que fundou as linhas evolucionárias de moscas e humanos, há cerca meio bilhão de anos, era equipado com uma biologia tão bem adaptada que muitos de seus aspectos continuam compartilhados por nossas espécies, como os mecanismos de crescimento e função neuronal, por exemplo.

Ideal para descobertas científicas por conta da similaridade genética, muitos aspectos da biologia humana e de suas doenças são estudados nas drosófilas primeiro — o processo, além de tudo, é versátil e tem ótimo custo-benefício. Mais de 10.000 pesquisadores por todo o mundo trabalham com moscas-do-vinagre em inúmeras áreas da ciência, estudando desde aprendizado e memória até sono, agressividade, vício e doenças neuronais, bem como câncer e envelhecimento, microbioma intestinal e células-tronco.

Mas há um limite para os estudos, valendo notar que moscas não são mini humanos. Não é possível, por exemplo, estudar a perda de personalidade do Alzheimer nos insetos, embora possamos verificar porque os neurônios morrem em doenças como essa, preenchendo lacunas em nosso entendimento das patologias. Na próxima vez que sentir o incômodo zumbido de uma mosca voando perto do seu ouvido, lembre-se — ela pode ter uma influência muito mais positiva na sua vida do que se poderia imaginar.