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Desmatamento na Amazônia tem bons sinais, mas segue desafio

Desmatamento na Amazônia tem bons sinais, mas segue desafio

Chefes de governo de países amazônicos se reúnem para discutir como proteger floresta ameaçada pelo desmatamento ilegal. Arma importante no combate às mudanças climáticas, região pode virar savana, temem cientistas.

Apesar de ser uma das mais importantes sequestradoras de carbono da atmosfera global, absorvendo enormes quantidades de dióxido de carbono liberadas pela queima de combustíveis fósseis, a floresta amazônica segue sob ameaça e já perdeu cerca de 17% de sua área.

Para discutir como protegê-la, líderes de oito países da região se reúnem nesta semana em Belém do Pará em uma cúpula que debaterá também o desenvolvimento sustentável da floresta e o papel dos povos indígenas.

Cerca de 60% da floresta está em território brasileiro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que assumiu o cargo em janeiro deste ano, tem insistido que o mundo precisa ajudar a preservar e desenvolver a região.

Novo presidente, novas esperanças

Sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), vastas áreas da Amazônia foram destruídas para dar lugar à mineração, à pecuária e ao cultivo de soja. Somente em 2022, último ano do mandato dele, foram perdidos quase dois milhões de hectares de floresta – ou 20 mil km², o equivalente a mais de 13 vezes a área da cidade de São Paulo.

Ao longo do seu mandato, o ex-presidente enfraqueceu leis de combate ao desmatamento e estruturas de fiscalização, reduziu os orçamentos de agências que monitoram crimes ambientais e apoiou leis que permitem a mineração em terras indígenas.

O resultado foi o avanço do desmatamento: enquanto em 2015 o Brasil respondia por pouco mais de um quarto da perda global de cobertura vegetal em florestas tropicais virgens – aquelas que se encontram em seu estado original ou que sofreram pouca ação humana –, o número saltou para 43% em 2022, segundo o relatório Global Forest Watch (GFW) publicado pela organização de pesquisa World Resources Institute (WRI).

Mas a tendência parece estar se revertendo. Dados oficiais apontam queda de 33,6% no índice de desmatamento na região amazônica do Brasil no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2022. Ao jornal britânico The Guardian, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que a queda para o mês de julho foi de 60% comparado ao mesmo período do ano anterior.

Acampamento de garimpo ilegal arde em chamas após ação de fiscalização do Ibama em território Yanomami.
Acampamento de garimpo ilegal arde em chamas após ação de fiscalização do Ibama em território Yanomami no início deste anoFoto: ALAN CHAVES/AFP via Getty Images

Combate ao crime organizado é desafio à proteção da Amazônia

Lula prometeu acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 – uma meta ambiciosa que, segundo especialistas, pressupõe cooperação internacional.

Professora especializada em uso da terra e mudanças ambientais na Universidade de Brasília (UNB), Mercedes Bustamante lista entre algumas das maiores ameaças à floresta o crime organizado, e afirma que a cúpula é essencial para lidar com esse desafio.

“A maioria das atividades relacionadas ao desmatamento na região atualmente está ligada ao crime organizado, e o crime organizado não reconhece fronteiras”, disse à DW. “Precisamos de ação integrada entre os países da bacia amazônica para conseguir rastrear essas atividades ilegais de forma mais eficiente e eficaz.”

Desmatamento de florestas tropicais em alta

Em 2022, o Brasil foi de longe o país campeão em perda de cobertura florestal. A República Democrática do Congo e a Bolívia ficaram em um distante segundo e terceiro lugar, respectivamente.

Mas o desmatamento continua sendo um grande problema global. Dados da Universidade de Maryland, Estados Unidos, apontam que a perda de florestas tropicais virgens chegou a 41 mil km², um aumento de 10% em relação a 2021 e o equivalente a quase um estado do Rio de Janeiro inteiro, ou 11 campos de futebol por minuto.

A destruição tem tido um impacto devastador sobre o clima.

Florestas são sumidouros de carbono, absorvendo cerca de duas vezes mais dióxido de carbono (CO2) do que emitem a cada ano.

Especialmente as florestas tropicais têm papel essencial para o cumprimento das metas climáticas porque elas armazenam mais CO2 do que outros tipos de vegetação. E à medida em que são destruídas, elas liberam no ar boa parte do carbono que haviam sequestrado.

Só nos trópicos, a perda de cobertura florestal foi responsável por 2,7 gigatoneladas de emissões de CO2 – o equivalente, segundo o WRI, às emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis na Índia, país mais populoso do mundo.

Sinais promissores

Em nenhum lugar do mundo esse fenômeno tem sido tão problemático quanto no Brasil. A perda de florestas primárias – ou virgens – no país aumentou 15% entre 2021 e 2022. Isso significa que as matas do país estão armazenando menos CO2. O relatório do WRI cita que esse quadro, uma vez se perpetuando, pode eventualmente “levar a um ‘ponto de inflexão’ a partir do qual a maioria do ecossistema se converterá em uma savana”.

Mas novos dados que apontam para uma queda nos índices de desmatamento e o fortalecimento do Ibama, a agência de proteção ambiental, são sinais promissores.

“Vimos nos primeiros três meses um aumento no número de multas do Ibama por crimes ambientais”, aponta Catarina Jakovac, a bióloga da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “É um sinal de que o Ibama está de volta e realmente combatendo o desmatamento. Estamos vendo essas mudanças e espero que vejamos resultados logo.”

Mulher da etnia Kayapó participa de evento em Belém às vésperas da Cúpula da Amazônia.
Mulher da etnia Kayapó participa de evento em Belém às vésperas da Cúpula da Amazônia; povos indígenas defendem demarcação de territórios como solução ao desmatamento da floresta.Foto: Nádia Pontea

Combate ao desmatamento na Amazônia é corrida contra o tempo

Lula tem um histórico bem-sucedido de redução do desmatamento na Amazônia. Em seus dois primeiros mandatos, de 2003 a 2010, esses índices caíram 80% antes de subirem de novo em 2012, segundo informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O aumento de áreas protegidas, a demarcação de terras indígenas e o monitoramento da floresta foram algumas das medidas implementadas no período.

“O governo Lula retomou o processo de designação e demarcação de áreas protegidas e terras indígenas, reconhecendo a importância dessas ações para proteger o meio ambiente, mas também os direitos e a importância das pessoas que vivem na região”, analisa Paulo Massoca, cientista ambiental e pós-doutorando na Indiana University Bloomington.

A extensão de medidas como essa a outros países além do Brasil pode ser parte das soluções apresentadas na cúpula desta semana. A busca por caminhos para o desenvolvimento de países amazônicos também deve ser outro tema importante nas discussões.

Bustamante, da UNB, explica que nesse quesito há visões opostas sobre o papel da Amazônia, com políticos “tradicionais” priorizando o desenvolvimento em detrimento da conservação, de um lado, e setores sociedade civil, indígenas entre eles, defendendo a proteção ambiental como algo crucial ao desenvolvimento.

É o maior desafio que o Brasil tem diante de si. Mas Bustamante diz que chegar à meta de desmatamento zero e salvar uma das maiores armas do mundo no combate às mudanças climáticas irá demandar um esforço conjunto, bem como aportes financeiros da comunidade internacional.

“Não há dúvidas de que os países amazônicos são responsáveis pela região amazônica, mas eles também precisam de apoio global. Países desenvolvidos realmente têm que se comprometer com a preservação da Amazônia – e do clima global também”, opina.