De veneno a antídoto: como o marketing pode ajudar na conservação da biodiversidade
Amplamente usado na área da saúde, o marketing social é um importante aliado para enfrentar os desafios da crise climática e influenciar comportamentos mais sustentáveis
Quando falamos em mudanças climáticas, o marketing costuma ser lembrado sempre como parte do problema e não da solução. As verbas milionárias gastas em publicidade para estimular a compra incessante de novos produtos têm papel fundamental na construção dos desejos da nossa sociedade do consumo. Mas e se as ferramentas do marketing fossem usadas para outros fins? Seria possível vender hábitos sustentáveis assim como se vende sabão em pó?
“O marketing nada mais é que um conjunto de princípios que tem como objetivo influenciar o comportamento humano. Quando usado para fins comerciais, visa impulsionar a compra de um determinado produto ou serviço, mas quando aplicado a outras áreas pretende influenciar outros tipos de comportamento”, afirma o português Diogo Veríssimo, especialista em marketing social, pesquisador da Universidade de Oxford e Diretor de Marketing de Conservação e Storytelling da On the Edge Conservation.
Depois de se formar em Biologia, Diogo buscou conectar as Ciências Sociais às Naturais na construção de sua sólida e premiada carreira acadêmica e acabou encontrando na teoria e nas ferramentas do marketing instrumentos para enfrentar os desafios ambientais do nosso tempo. “Comecei a perceber que era realmente importante conhecer a fauna e a flora, mas para solucionar problemas relacionados à conservação da biodiversidade era fundamental olhar para as ações realizadas diariamente pelos seres humanos. E, por isso, decidi estudar alguma forma realmente eficaz de influenciar essas ações, para que possam ser feitas de uma maneira diferente”, afirma.
Porque, já sabemos, as escolhas que fazemos todos os dias impactam diretamente o mundo natural. “Quer sejam mudanças climáticas ou a destruição de habitats, tudo se resume ao comportamento humano. Conter as ameaças à natureza não é uma questão de biologia, mas sim de compreender por que tomamos as decisões que tomamos e como as nossas escolhas podem ser influenciadas para se tornarem mais sustentáveis”, diz Diogo.
O marketing social, objeto de estudo e trabalho de Diogo, desenvolve campanhas que visam influenciar o comportamento de determinado público-alvo de uma forma que beneficie o indivíduo e a sociedade. Certamente você já foi impactado por muitas dessas campanhas, como aquelas a favor das vacinas ou contra o tabagismo e o consumo excessivo de álcool. Já faz quase 50 anos que os princípios do marketing deixaram de ser usados apenas na área comercial – e foi na área da saúde que encontraram maior receptividade.
Diego Veríssimo: “Quer sejam mudanças climáticas ou a destruição de habitats, tudo se resume ao comportamento humano” — Foto: Divulgação
Empatia
Na área ambiental, o uso do marketing social ainda é limitado, mas o potencial é enorme. Principalmente, segundo Diogo, porque o marketing ensina que é preciso conhecer profundamente determinada audiência para poder entender as escolhas que ela faz.
“Se nosso objetivo é influenciar comportamentos, fazer com que um indivíduo passe de um hábito menos sustentável a um mais sustentável, precisamos ter empatia com aqueles que adotam práticas com as quais não concordamos. A esmagadora maioria das pessoas não acorda de manhã e pensa: ‘hoje eu vou contribuir para a destruição da biodiversidade! Hoje eu vou fazer tudo o que posso para destruir a natureza!’. Não é isso que acontece. Todas as pessoas tomam suas decisões por alguma razão. E é só através desta empatia, desta compreensão das razões pelas quais essas decisões são tomadas, que poderemos conseguir influenciá-las”, diz.
Diogo explica que o marketing social, quando bem aplicado, permite que um problema seja visto pelos olhos do grupo de pessoas que queremos influenciar. Quando falamos de comportamento, só podemos ter esperança de conseguir impulsionar uma mudança se entendermos os valores e motivações do nosso público-alvo. Ele dá como exemplo um projeto bem-sucedido em que esteve envolvido, em São Tomé e Príncipe, em parceria com a organização Programa Tatô, onde o marketing social foi usado para reduzir o consumo de carne e ovos de tartarugas marinhas.
“Os projetos de marketing social são sempre guiados por uma fase inicial de investigação profunda sobre o público-alvo, é uma etapa fundamental que exige tempo e bastante trabalho de pesquisa. Em São Tomé, por exemplo, foi feita uma longa investigação para entender como as pessoas se referiam à tartaruga marinha, qual era a posição da maioria da comunidade em relação ao consumo de carne e ovos, qual era a relação que as pessoas faziam entre o consumo da carne de tartaruga marinha e a identidade nacional ou local”, explica Diogo. “Foi essa pesquisa inicial que nos fez entender qual era a melhor forma de abordar este tema delicado”.
Tartarugas marinhas em São Tomé e Príncipe: marketing social foi usado para tentar coibir consumo de carne e ovos do animal. — Foto: Ana Besugo/Programa Tatô
Quebra-cabeça
Há mais de 40 anos o renomado entomologista e biólogo americano E. O. Wilson escreveu que a perda de diversidade genética e de espécies pela destruição de habitats naturais é um risco mais sério do que o esgotamento de energia, o colapso econômico ou mesmo uma guerra nuclear limitada. A perda de biodiversidade, segundo Wilson, “levará milhões de anos para ser corrigida” e “esta é a loucura que nossos descendentes têm menos probabilidade de nos perdoar”. Será que temos dado menos atenção à perda de biodiversidade do que a outros problemas ambientais?
Diogo acredita que sim. “Em relação às mudanças climáticas a perda da diversidade tem ficado em segundo plano provavelmente porque suas consequências são menos tangíveis. Conseguimos ver os eventos climáticos extremos estampados nas notícias, o que é uma inundação, um tornado, uma seca… são acontecimentos muito visuais, percebemos o impacto que têm na vida das pessoas. Já a perda da biodiversidade é um pouco mais difícil de ser relacionada com o nosso dia a dia. Quando uma espécie é extinta na Austrália ou na China, o que isso realmente significa pra um cidadão que vive no Rio de Janeiro, em Lisboa ou em Londres? Agora é importante perceber que, pelo fato de não haver essa ligação direta e imediata, não é que haja menos repercussões”.
Campanha ambiental pelas tartarugas de São Tomé e Príncipe: ampla comunicação em diferentes frentes para engajar população. — Foto: Ana Besugo/Programa Tatô.
Diogo lembra que o sistema que suporta a espécie humana é todo baseado nos recursos naturais e, portanto, precisamos lembrar que, apesar dos importantes avanços tecnológicos dos últimos 100 anos, ainda dependemos do meio natural para a nossa sobrevivência. “A expressão ‘salvar o planeta’, que utilizamos muito, pode nos dar uma ideia errada do problema. Na realidade, o planeta e a vida na Terra continuarão a existir de uma forma ou de outra. A questão é: será que o planeta estará adequado a suportar a vida como nós, espécie humana, precisamos para continuar a existir? Portanto, é a nossa própria existência que está em jogo e não a existência da Terra! Me parece que não temos muito bem essa noção”, diz.
“Cada espécie no planeta”, continua Diogo, “é o resultado de um processo evolutivo que durou milhões de anos para acontecer e, por isso, é como se cada espécie contasse uma história e fosse uma peça do grande quebra-cabeça da história do planeta. Cada vez que perdemos uma peça do quebra-cabeça, perdemos a nossa própria história, a própria capacidade de perceber de onde viemos”.
Campanha de conscientização em São Tomé e Príncipe contra consumo de carne de tartaruga: mobilização massiva da atenção do público. — Foto: Ana Besugo/Programa Tatô
Construir pontes
E para que a gente não perca a própria história é preciso prestar atenção nas histórias que contamos – principalmente no jeito como contamos. Porque falhamos tanto ao contar histórias com o objetivo de engajar as pessoas na luta ambiental? “Eu acredito que o erro mais comum é não relacionar a notícia de um fato negativo com uma ação concreta que o leitor, o público, possa fazer para contribuir e ser parte da solução. Pode ser qualquer ação que ele possa realizar individualmente. E não precisa ser, necessariamente, como consumidor – pode ser como eleitor ou como membro de vários grupos sociais, por exemplo”, responde Diogo.
Segundo ele, quando isso não acontece, as notícias ambientais acabam gerando muita ansiedade e esse pode ser um dos motivos que faz com que as pessoas “desliguem” e deixem de se informar justamente nesse momento tão crítico em que precisamos de todos à bordo. “Eu não estou dizendo que não devemos ser transparentes e honestos quando estamos falando do potencial catastrófico das mudanças climáticas, mas acho que, ao mesmo tempo, precisamos construir pontes entre os diferentes setores da sociedade com que temos que trabalhar para tentar resolver esta situação tão complexa. Se apenas uma pequena parte da população estiver preocupada com os problemas ambientais, não haverá mudança”.