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Datas de validade servem mais ao desperdício dos alimentos que à ciência

Datas de validade servem mais ao desperdício dos alimentos que à ciência

Uma pesquisadora de segurança alimentar explica outra maneira de saber o que é velho demais para comer, em vez de sair descartando tudo que está fora da validade carimbada no rótulo.

Evitar perigos alimentares invisíveis é a razão pela qual as pessoas costumam verificar as datas nas embalagens dos alimentos. Os seres humanos adoecem e podem morrer com intoxicação alimentar e infecções por comerem alimentos contaminados ou carne mal cozidas. Portanto, questionar essas datas carimbadas em embalagens é um tema delicado para os cientistas.

A microbiologista e pesquisadora em saúde pública, da Universidade do Sul da Flórida, Jill Roberts, explicou em artigo ao The Conversation USA, que, diante da insegurança alimentar que atinge o mundo, devido à inflação de preços de alimentos, entre outros fatores, seria adequado questionar o rigor científico dessas datas de validade. Especialmente para alimentos mais estáveis e protegidos por conservantes.

As datas de validade são impressas com o mês e o ano e muitas vezes uma variedade de frases como: “melhor por”, “usado por”, “melhor se usado antes”, “melhor se usado por”, “garantido fresco até”, “congelar por”. “As pessoas pensam nelas como datas em que um alimento deve ir para o lixo. Mas as datas têm pouco a ver com quando os alimentos expiram ou se tornam menos seguros para comer”.

Jill tem usado a epidemiologia molecular para estudar a disseminação de bactérias em alimentos e analisar como definir um sistema de datação de produtos mais baseado na ciência. Ela alerta que há uma certa aleatoriedade nas datas carimbadas em embalagens.

Desperdício em tempos de crise

O Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos) tem divulgado com frequência, nos últimos meses, que o trabalhador não compra, sequer, a cesta básica com o salário mínimo vigente. Mas muita comida é simplesmente jogada fora, apesar de ser perfeitamente segura para comer.

O atual sistema de rotulagem de alimentos pode ser o responsável por grande parte do desperdício. Nos EUA, a Foods and Drugs Administration, o orgão regulatório de alimentos e medicamentos, relata que a confusão do consumidor em torno dos rótulos de datação dos produtos é provavelmente responsável por cerca de 20% dos alimentos desperdiçados em casa, custando cerca de US$ 161 bilhões por ano.

O consumidor imagina que os rótulos estão lá por motivos de segurança e a lei está atenta a questões de nutrição e os ingredientes dos alimentos embalados, incluindo a quantidade de sal, açúcar e gordura que contém. “As datas desses pacotes de alimentos, no entanto, não são regulamentadas pelo governo e a legislação. Em vez disso, eles vêm de produtores de alimentos. E eles podem não ser baseados na ciência da segurança alimentar”, alerta a especialista.

Ela conta que um produtor de alimentos pode pesquisar os consumidores em um grupo de marketing para escolher uma data de validade seis meses após a produção do produto, porque 60% do grupo de foco não gostou mais do sabor. Os fabricantes menores de um alimento semelhante podem imitar e colocar a mesma data em seu produto. Assim, como a regulação de alguns países pode simplesmente imitar o padrão norte-americano.

Por isso, teriam surgido os termos “melhor se consumidor em” para relativizar estas datas sem rigor científico, apenas opinião subjetiva. Essas marcações mais sutis e voluntárias são recomendações motivadas pelo desejo de reduzir o desperdício de alimentos.

Já existe, inclusive, estudo conjunto da Clínica de Direito e Política Alimentar de Harvard e do Conselho Nacional de Defesa dos Recursos, recomendando a eliminação de datas destinadas aos consumidores, citando possíveis confusão e desperdício. Em vez disso, a pesquisa sugere que fabricantes e distribuidores usem datas de “produção” ou “embalagem”, juntamente com datas de “venda”, destinadas a supermercados e outros varejistas. As datas indicariam aos varejistas a quantidade de tempo que um produto permanecerá em alta qualidade.

Os pesquisadores e órgãos regulatórios consideram alguns produtos “alimentos potencialmente perigosos” se tiverem características que permitem que os micróbios floresçam , como umidade e abundância de nutrientes que alimentam os micróbios. É o caso do frango, leite e tomate fatiado, que, no entanto, não guardam diferença alguma para a rotulagem de data usada nem alimentos mais estáveis.

Fórmula científica e subjetiva

A fórmula infantil, ou leite em pó para bebês, é o único produto alimentar com prazo de validade regulamentado pelo governo e cientificamente determinado. Isso, porque ela precisa garantir a nutrição do bebê, ou seja, quando os nutrientes proteicos se decompõem. Assim, ela é rotineiramente testado em laboratório para contaminação e para definir quando deixa de ser nutritivo.

Segundo a microbiologista, nutrientes em alimentos são relativamente fáceis de medir e definem a data de expiração, que é diferente da data de validade. As agências regulatórias emitem avisos aos produtores de alimentos quando os teores de nutrientes listados em seus rótulos não correspondem ao que o laboratório da agência encontra.

Os estudos microbianos, em que pesquisadores de segurança alimentar trabalham, podem envolver deixar um alimento perecível estragar e medir a quantidade de bactérias que cresce nele ao longo do tempo. Assim, ficam sabendo qual a quantidade de micróbios pode causar uma doença.

“Determinar a vida útil dos alimentos com dados científicos sobre sua nutrição e segurança pode diminuir drasticamente o desperdício e economizar dinheiro à medida que os alimentos ficam mais caros”, diz Jill.

Mas, ela recomenda que, na ausência de um sistema uniforme de datação de alimentos, os consumidores podiam confiar em seus olhos e narizes , decidindo descartar o pão felpudo, o queijo verde ou o saco de salada com cheiro ruim. As pessoas também podem prestar muita atenção às datas de alimentos mais perecíveis, como frios, nos quais os micróbios crescem facilmente.

Os sinais comuns de deterioração incluem odor, sabor ou textura estranhos em decorrência de bactérias de deterioração que ocorrem naturalmente. Claro, o molde também é um indicador.

O consumidor pode encontrar orientação mais detalhada sobre como verificar a validade de cada alimento em Gepea, a consultoria de alimentos da Unicamp.