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Coaxo de rã da Mata Atlântica é registrado pela 1ª vez em 160 anos

Coaxo de rã da Mata Atlântica é registrado pela 1ª vez em 160 anos

Anfíbio foi descoberto no século 19, mas sua vocalização permaneceu um mistério desde então; espécie vive em áreas isoladas do Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia

Apesar da rãzinha-verrucosa (Ischnocnema verrucosa), exclusiva da Mata Atlântica, ser uma espécie conhecida desde 1862, sua vocalização nunca havia sido registrada. Após esses 161 anos de “silêncio”, pesquisadores finalmente descreveram o coaxo do anfíbio, em estudo publicado nessa quarta-feira (19) na revista britânica The Herpetological Bulletin.

A pequena rã de cerca de 2,5 cm ocorre apenas em algumas áreas isoladas do Espírito Santo, regiões leste de Minas Gerais e sul da Bahia. A espécie vive no chão das florestas, escondida entre folhas, sob troncos, raízes e pequenas tocas.

A primeira vez que cientistas ouviram o coaxo desta rã foi em 2019, quanto uma equipe do Projeto Bromélias, realizado em parceria pelo Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA) e pelo Instituto Marcos Daniel (IMD), ouviu a cantoria de machos de rãzinha-verrucosa.

O grupo de especialistas estava em uma pesquisa de campo na cidade de Santa Teresa, região serrana do Espírito Santo. Intrigados ao ouvirem um som bastante atípico, os pesquisadores realizaram alguns dias de busca encontrando os machos responsáveis pelo barulho.

Com base na literatura científica, a equipe constatou que estava diante de um achado inédito, convidando em seguida outros especialistas, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), para divulgarem a recém-descoberta.

De acordo com João Victor Lacerda, pesquisador do INMA e um dos autores do artigo, conhecer o canto de uma espécie é importante para a conservação e proteção da mesma, “já que os pesquisadores passam a ser capazes de identificar sua ocorrência em novas áreas e monitorar populações já conhecidas através, apenas, do seu canto”.

Rãzinha-verrucosa, espécie descoberta em 1862, mas cuja vocalização não era conhecida — Foto: João Victor Lacerda

Rãzinha-verrucosa, espécie descoberta em 1862, mas cuja vocalização não era conhecida — Foto: João Victor Lacerda

Segundo Lacerda conta em comunicado, os anfíbios se comunicam principalmente pelo canto. Cada espécie costuma ter seu canto único, o que descarta a necessidade de vê-la diretamente para saber que ocorre em certa região.

Algumas espécies têm canto agudo, outras grosso; enquanto umas emitem um breve piadinho, umas soltam cantos mais demorados. “Algumas cantam bem baixinho, outras podem ser ouvidos a centenas de metros de distância”, descreve Lacerda. “Algumas cantam assoviando, outras ‘trinam’ feito grilos e cigarras… e por aí vai’.

 Rãzinha-verrucosa tem cerca de 2,5 centímetros — Foto: João Victor Lacerda

Rãzinha-verrucosa tem cerca de 2,5 centímetros — Foto: João Victor Lacerda

Na maioria das espécies, só quem canta é o macho adulto, enquanto as fêmeas e jovens não costumam coaxar. “Comumente, os machos cantam em contexto reprodutivo para atrair fêmeas ou delimitar seu território em relação a outros machos”, explica o cientista.

Para reconhecerem os diferentes cantos, Lacerda conta que os pesquisadores recorrem a softwares capazes de identificar a frequência em hertz (Hz) do ruído, sua duração em milissegundos, variação de intensidade (altura do som) e estruturação do som como um todo. Os valores são então analisados, apresentados em tabelas e gráficos, e comparados aos de outras espécies já conhecidas.

De modo curioso, a rãzinha-verrucosa deposita seus ovos em áreas umedecidas do chão da mata. Deles, não eclodem girinos nadadores, mas “filhotinhos já com o formato do corpo semelhante ao dos adultos”, conforme o pesquisador.

Santa Teresa, cidade capixaba onde foi feita essa descoberta, destaca-se mundialmente pela riqueza de anfíbios, com mais de 100 espécies conhecidas só no município. “É importante destacar que muitas delas só ocorrem na região graças a existência de florestas bem preservadas e protegidas”, ressalta Lacerda.