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Brasil pode ter milhares de superdotados que não sabem de seu alto QI

Brasil pode ter milhares de superdotados que não sabem de seu alto QI

Em uma manhã de sábado nublada, no fim de junho, o universitário Rafael Rocha foi até o Parque Tecnológico São José dos Campos, no interior de São Paulo, por conta de uma antiga desconfiança sua: a de que é superdotado.

Ele diz que se alfabetizou bem mais cedo do que o esperado e que sempre teve muita facilidade na escola.

“Sempre soube fazer [a forma dos] os números, e eles [na escola] fazem você repetir várias vezes. Nem me lembro quando comecei a aprender a escrever, porque já sabia com 5 anos”,

conta Rafael, que tem 21 anos e estuda Ciência de Dados.

Ele foi uma das três pessoas que foram naquele sábado fazer um teste de QI com duração de apenas seis minutos, aplicado pela organização Mensa Brasil, cujo formato é mantido em segredo.

Para ser aprovado e se associar à Mensa, é preciso fazer mais de 130 pontos no teste de QI — a média no Brasil é de pouco mais de 83 pontos, segundo os cientistas Richard Lynn e David Becker, no livro The Intelligence of Nations (A Inteligência das Nações, em tradução livre)de 2019.

Outro candidato, Rafael Moreira, de 35 anos, foi parar naquela prova um pouco por acaso. O profissional de tecnologia está investigando se tem transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e, durante uma avaliação neuropsicológica, um dos testes constatou que ele tinha alto QI.

Assim, surgiu a possibilidade de que sua falta de concentração em diversas atividades seja consequência não do TDAH, mas de uma superdotação.

“A avaliação neuropsicológica nem era sobre QI. O objetivo era para tratamento psicológico. Aí saiu [o resultado]. Achei estranho, vi o valor e achei alto”, diz Moreira, que resolveu fazer mais um teste, dessa vez aplicado pela Mensa.

Os resultados dos testes realizados naquele sábado seriam comunicados aos candidatos dentro de duas semanas.

Não existe uma definição consolidada para o que são pessoas superdotadas, mas esse termo se popularizou para identificar quem tem uma inteligência muito acima da média.

Alguns especialistas argumentam que o raciocínio lógico, que é medido pelos testes de QI, não deve ser a única e pode não ser a melhor medida para identificar pessoas muito inteligentes.

Por isso, alguns optam pelo termo “altas habilidades”, usado para apontar quem é fora da curva em mais áreas, como artes, comunicação e esportes.

As estimativas de quantas pessoas são superdotadas também variam bastante.

A Mensa trabalha com a estimativa de que 2% da população mundial tem alto QI (com resultado igual ou maior que 130 pontos no teste).

Com este percentual, considerando que o Brasil tem 203 milhões de pessoas, segundo o último Censo Demográfico, haveria cerca de 4 milhões de brasileiros “superinteligentes” — termo que a Mensa prefere usar.

Mas até agora, a organização identificou apenas 2,6 mil deles e, por isso, diz que o Brasil é uma “potência intelectual adormecida”.

Qual a origem da superdotação?

A pedagoga Ada Cristina Toscanini, da Apahsd, explica que os cientistas ainda estudam a origem da superdotação, mas acredita-se que ela pode ser explicada em parte por fatores genéticos e em parte por fatores ambientais, como hábitos, criação e cultura.

“Em escolas públicas, já ouvi professoras perguntando: você acha que vai achar superdotados aqui? E encontramos. A alta habilidade não escolhe raça, não escolhe família abastada, não escolhe nada.”

No ano passado, a BBC News Brasil mostrou as histórias de duas crianças que foram identificadas como superdotadas.

Fonseca, da Mensa Brasil, diz que, quanto mais cedo a superdotação for detectada, melhor, porque estas pessoas podem ser logo acompanhadas de forma apropriada.

Em caso de desconfiança de que uma criança ou adulto tenha superdotação, ele indica procurar psicólogos especializados ou neuropsicólogos, ou ainda a rede municipal de educação — segundo ele, a principal porta de entrada para a educação especial.

Mas há pais que preferem esperar o momento mais oportuno para verificar se seu filho é superdotado, como a família da menina Alice, que ficou famosa na internet por falar palavras difíceis com 2 anos de idade.

“Entendemos que o diagnóstico de altas habilidades pode ser benéfico em muitos casos, mas até este momento não sentimos que seja necessário para o caso da Alice”,

diz a mãe de Alice, Morgana Secco

“Ter uma possível confirmação de altas habilidades não mudaria a nossa condução na educação dela e acarretaria um rótulo que pode ser pesado de carregar. Talvez quando ela entrar na escola e se sentirmos necessidade, procuraremos especialistas, mas por enquanto seguiremos assim.”