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Agricultura familiar agroecológica amplia a produção de alimentos no Semiárido brasileiro

Agricultura familiar agroecológica amplia a produção de alimentos no Semiárido brasileiro

A fome é uma realidade que assola o Brasil de forma ainda mais desoladora no ano de 2022. Segundo o mais novo Inquérito da Fome no Brasil, em menos de um ano, ela triplicou na região Nordeste. Saltou de 7,7 milhões para 22,5 milhões, o que corresponde a 68% do total de pessoas em situação de insegurança alimentar grave no Brasil. A fome, em todos os níveis, afeta mais a população rural, 60% dos lares. Um percentual de 21,8% das famílias agricultoras que produziam os seus alimentos foram atingidas por essa chaga no Brasil.

Em meio a essa realidade, famílias agricultoras ligadas à Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) protagonizaram experiências exitosas de combate à fome geração de renda, de forma sustentável. Essas experiências estão sendo apresentadas, até 19 de junho, na I Feira Nordestina da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Fenafes), realizada no Centro de Convenções de Natal, no Rio Grande do Norte.

Rede de Comercialização Xique-Xique

No Estado do Rio Grande do Norte, que possui 27,5% da sua área total afetada por processos de desertificação, segundo dados do último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), e que sofre com estiagens severas nos últimos dez anos, a Rede de Comercialização Xique-Xique, coordenada pela jovem agricultora Nara Lima (27), conseguiu um feito. O espaço de comercialização garantiu a produção de alimentos suficientes para suprir as necessidades de consumo das próprias agricultoras, mas também para atender às demandas de compras coletivas de cestas emergenciais e dos pedidos feitos via delivery.

“De 2011 a 2019, a Rede sempre fechava no vermelho, não conseguia fechar as contas. Em 2020, em plena pandemia, vendemos 1 milhão e 500 mil reais. Isso foi resultado do isolamento social e das vendas por delivery que a gente aderiu”, informa Nara Lima.

Experimentos e formações em Agroecologia

É no Assentamento Nova Canadá, município de Canindé de São Francisco, em Sergipe, que se insere o protagonismo de Iva Santos de Jesus (34), mulher negra, agricultora, assentada da Reforma Agrária, que compõe a base local do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), na coordenação municipal e estadual, e que tem lutado pela soberania, segurança alimentar e nutricional no território do Alto Sertão Sergipano. Sua trajetória está intimamente ligada à construção e participação de espaços de organização social coletiva e de produção agroecológica que fazem da sua experiência uma referência territorial.

A busca incansável por formação da agricultora Iva Santos marca sua trajetória, assim como seu empenho à frente de ações estruturantes para o campesinato na região, como a implantação da Unidade de Produção Camponesa (UPC), pensada dentro das ações do MPA e com a qual contribuiu para sua criação e foi gestora em 2019, ao desenvolver práticas e processos de inovação e organização social camponeses, voltados para a produção agroecológica e mais resiliente.

A partir do crescimento de seu protagonismo, destaca-se a sua atuação no processo de produção e certificação de algodão agroecológico, realizado por meio do Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos, uma iniciativa coordenada pela Diaconia, em parceria estratégica com a Embrapa Algodão e a Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Como exemplos vividos pela própria Iva, têm-se a pesquisa para controle de lagarta do algodão, o método de formação da Escola da Roça e das Brigadas Permanentes, espaços de formação dentro da UPC que, segundo a agricultora, são fundamentais para engajar e capacitar homens, mulheres e jovens dentro da prática camponesa.

Ressalta-se ainda o seu empenho em tornar o lote da família em uma área de produção agroecológica diversificada. Atualmente, a área encontra-se em transição e já possui uma diversidade de cultivos familiares que contribuem para o fortalecimento de sua experiência: milho, feijão, gergelim, girassol, algodão, melancia, palma, além da criação de galinhas, de cabras e ovelhas. A produção familiar é para o consumo e comercialização do excedente.

Uma outra estratégia importante a ser ressaltada é o processo de resgate e valorização das sementes crioulas. Por se tratar de uma região fortemente impactada pelo avanço de sementes transgênicas, a estratégia pensada foi a criação do o coletivo de produção, buscou parcerias tanto para o processo de estruturação da casa de sementes na UPC, bem como outros que viabilizassem diversas ações e pesquisas.

“Hoje eu tenho muito orgulho de mim, eu sei que conquistei alguma coisa e isso me deixa feliz. O que estamos construindo na Acopase é muito grande e eu sei que pode ser maior ainda. Não é fácil, mas hoje eu olho para nós e penso: somos nós que estamos construindo! E isso é grande. Olho para mim e vejo que estou fazendo o que em outro tempo eram outros consultores que faziam e hoje sou eu também. Olho e sei que sou uma agroecóloga e tenho um papel a ser cumprido. Eu posso dizer que sei acolher os meus semelhantes e reconhecer a importância deles também nesse processo. Não depende de ninguém vir auxiliar. Somos nós. Nós os agricultores que estamos fazendo essa história”, disse Iva Santos em 2021.

Feira Nordestina da Agricultura Familiar

Na I Fenafes, os pavilhões de exposição, degustação e venda dos produtos da agricultura familiar e economia solidária estarão abertos ao público das 16h às 22h. A programação formativa – encontros, palestras, seminários e rodas de conversa – começa ainda pela manhã.

O acesso é gratuito ao evento em si e para todas as atividades abertas ao público em geral. Mas algumas são restritas para grupos específicos, sendo necessário se inscrever para garantir vagas e gerar certificado de participação. O formulário para inscrição está disponível no link https://doity.com.br/fenafes.

O evento é uma co-realização do Governo do Estado Rio Grande do Norte, por meio de diversas secretarias e órgãos, e a União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do RN (Unicafes), voltada ao fomento e à valorização da agricultura familiar nordestina. A iniciativa partiu da Câmara Temática da Agricultura Familiar, ligada ao Consórcio Nordeste, que é acompanhada pela governadora Fátima Bezerra e coordenada pelo secretário Alexandre Lima, da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar (Sedraf-RN).

A feira também será um espaço estratégico para reafirmação da identidade cultural, saberes e sabores que marcam e caracterizam o povo nordestino e contará com a cozinha “Sabores da Terra” e Festival Gastronômico, além de uma ampla programação cultural com shows de artistas de música popular. Estão confirmados nomes como Lia de Itamaracá, Mariana Aydar, Mestrinho, Carlinhos Zens, Cida Lobo, Circuito Musical, Deusa do Forró, Zé Hilton, Maciel Salú, Siba, dentre outros.

Espera-se que a Fenafes conte com a participação de mais de 150 cooperativas e associações, envolvendo mais de 500 expositores com um público visitante total de mais de 10 mil pessoas durante todo o evento.

Alimentos saudáveis

Os objetivos da Fenafes são fortalecer iniciativas de integração de políticas públicas articuladas em torno do Programa de Alimentos Saudáveis do Nordeste (PAS/NE); criar um espaço de intercâmbio das experiências sobre políticas públicas de apoio à agricultura familiar já em curso na região, envolvendo governos e movimentos sociais; e fortalecer o cooperativismo solidário e o processo de comercialização, por meio de encontro de negócios, para o mercado institucional e privado.

Durante o evento serão realizados eventos de formação, palestras, oficinas e cursos sobre as temáticas centrais: acesso à terra; sistemas agroalimentares e produção de alimentos saudáveis; agroecologia; assistência técnica e extensão rural e acesso ao crédito; mudanças climáticas; acesso aos mercados e cooperativismo solidário, protagonismo feminino.

Acompanhe o evento no Instagram @fenafes_agriculturafamiliar