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Cães realmente escolhem um “humano preferido”, entenda

Cães realmente escolhem um “humano preferido”, entenda

A preferência depende de alguns fatores, como prazer, segurança e confiança garantidos pelos tutores

Se o seu cachorro segue uma pessoa específica da família pela casa, dorme apenas com ela e manifesta confiança apenas com esse alguém, é provável que ele tenha um “humano preferido”. Expressar preferência por um dos tutores, aliás, é um comportamento comum entre os cães.

É como nós, que geralmente possuímos, dentre os melhores amigos, aquele mais próximo; ou – apesar da polêmica –, um dos pais com o qual temos mais afinidade. De acordo com Sabina Scardua, doutora em comportamento animal e colunista do Vida de Bicho, os cães são de uma espécie gregária, geneticamente preparados para viver e se relacionar com mais indivíduos.

“Vendo pelo lado mais simples e prático, eles estão programados para encontrar e eleger alguém de confiança para se sentirem seguros. No início da vida, esta necessidade é mais forte, pois eles são mais frágeis. Estudos mostram que cães exploram mais na presença de alguém da confiança deles. Então ter um humano preferido aumenta muito a autoconfiança do cachorro”, explica.

Os sentimentos caninos são bem variados e também expressos de diferentes maneiras. Sem dúvida, aquele que prevalece é a amizade, mas, como conta a médica-veterinária, por meio da comunicação animal percebe-se outros tipos de emoções.

“Há também o enamoramento, tipo uma paixão; admiração; sentimento servil, de cuidado, zelo e proteção; respeito; alguns poucos animais têm a sensação parecida com a de filhos, que mistura amor, segurança, confiança e respeito. Essa variação geralmente acontece pela forma de tratamento do tutor, mas pode ser mais profunda por enlaçamento espiritual”, conta.

É possível que os cães tenham um humano preferido diferente para atividades distintas, como passear, brincar etc/ (Foto: Unsplash/ sarandy westfall/ CreativeCommons)
É possível que os cães tenham um humano preferido diferente para atividades distintas, como passear, brincar etc. (Foto: Unsplash/ sarandy westfall/ CreativeCommons)

Na maioria das vezes, estes vínculos surgem a partir de relações de prazer, segurança e confiança, e alguns podem ser estabelecidos de forma mais rápida ou instantaneamente. Segundo Sabina, estes laços intensos geralmente têm a ver com afinidade espiritual ou energética.

“Dar a comida, levar para passear e comprar brinquedos não é garantia de ser o preferido do animal. Assim como ocorre conosco, a ligação afetiva é construída levando em consideração afinidades e troca afetiva de qualidade. O olhar, o toque e a energia emanada próximo do animal vão influenciar a construção do vínculo”, acrescenta.

Mas isso não significa que o afeto é direcionado de forma definitiva e ninguém mais tem chance com o animal. De acordo com Monique Udell, psicóloga que investiga o comportamento animal na Universidade Estadual de Oregon (EUA), o relacionamento do cachorro com cada humano varia:

“Eles podem ter um favorito, ou até ter uma pessoa preferida em casa para brincar e outra diferente para passear, mas muitas vezes tudo se resume aos relacionamentos individuais construídos com cada uma ao longo do tempo”, explica.

Suprir as necessidades básicas do animal e brincar com ele podem ajudar a torná-lo o seu humano favorito (Foto: Unsplash/ Honest Paws/ CreativeCommons)
Suprir as necessidades básicas do animal e brincar com ele podem ajudar a que ele o escolha como o seu humano favorito (Foto: Unsplash/ Honest Paws/ CreativeCommons)

Sabina acrescenta, reafirmando que as relações são particulares: “Por exemplo, ele pode sentir segurança e conforto com o homem; enamoramento, carinho e aconchego com a mulher; e alegria, animação e zelo com a criança. No entanto, sempre existirá uma figura de apego mais forte”.

Existe validade para esta relação?

Se depender do cachorro, o afeto ou o respeito por seu “humano favorito” perdurarão até o último dia de vida. A exceção é quando há, de alguma forma, quebra de confiança – não se engane, cães também guardam mágoas.

“Pode acontecer em casos de viagens longas ou procedimentos muito invasivos de repente, por exemplo. O animal não entende o que se passa e fica profundamente magoado com seu humano, comprometendo o relacionamento”, diz Sabina.

Geralmente, a qualidade da relação é estabelecida logo nos primeiros contatos com o cão (Foto: Unsplash/ Lydia Torrey/ CreativeCommons)
Geralmente, a qualidade da relação é estabelecida logo nos primeiros contatos com o cão (Foto: Unsplash/ Lydia Torrey/ CreativeCommons)

Ela explica que muitos cães resgatados têm esse trauma da quebra de vínculo por terem sido abandonados por quem confiavam. “Isso pode ser tão forte a ponto do animal nunca mais conseguir vincular profundamente de novo. Ele se relaciona bem, mas não consegue aprofundar o afeto, tornando-se mais inseguro, medroso, estressado ou agressivo”, conta.

Pode ocorrer, também, uma aparente troca de um tutor favorito por outro – mas, na verdade, o que se vê, nesse caso, é a necessidade de cuidados e de energia de outra pessoa em determinada fase.

“Exemplo: o cão vive com um casal, sua preferida é a tutora, mas ela está passando por um momento difícil no trabalho; está muito estressada, confusa e irritada. Então o cão se ‘refugia’ com o homem, que está no momento com o campo psíquico e energético mais estável, sendo mais fácil para o pet”, explica Sabina.

Se você quer estar entre as pessoas favoritas do seu cão, invista em tempo de qualidade com ele (Foto: Unsplash/ Jérémy Stenuit/ CreativeCommons)
Se você quer estar entre as pessoas favoritas do seu cão, invista em tempo de qualidade com ele (Foto: Unsplash/ Jérémy Stenuit/ CreativeCommons)

Caso o relacionamento entre pet e tutor se abale de alguma forma, há solução. Monique explica que os laços são criados rapidamente e, durante este tempo, a qualidade da relação (seja de segurança, ansiedade ou cisma) é estabelecida.

“Essas primeiras experiências são importantes para garantir que você esteja formando o melhor relacionamento possível com seu animal de estimação, pois, uma vez que um vínculo estável é formado, pode ser mais difícil mudar a natureza e a qualidade dele. Vínculos seguros e fortes são frequentemente mantidos fora de grandes eventos que alteram a vida, e melhorar vínculos menos ideais exige trabalho e consistência por parte do ser humano. Essas mudanças podem ser difíceis, mas podem levar a uma conexão mais rica e significativa com seu cão, que pode durar uma vida inteira”, defende.

Os diferentões

Há cachorros que não têm vínculos afetivos com seres humanos, a exemplo dos ferais (Foto: Unsplash/ Laura Stanley/ CreativeCommons)
Há cachorros que não têm vínculos afetivos com seres humanos, a exemplo dos ferais (Foto: Unsplash/ Laura Stanley/ CreativeCommons)

No mais, alguns cães não se envolvem de forma tão profunda com seu tutor. Há aqueles que, apesar de conviverem bem com humanos a vida inteira, não apresentam preferência ou apego por uma pessoa específica.

“Isso acontece geralmente pela história do animal, tipo de personalidade, estilo de tratamento dos tutores ou simplesmente as circunstâncias de vida dele. Uma situação muito comum é o bicho ter vínculo afetivo mais forte com outro animal da casa”, diz Sabina.

Isso geralmente é percebido diante da morte de um deles, quando um luto causa efeitos catastróficos ao animal sobrevivente. “Existem processos de luto muito complexos que devem ser tratados com ajuda profissional, dada a profundidade de vínculo entre alguns animais”, explica.

Outra situação comum é a de animais andarilhos. De acordo com Helena Truksa, bióloga e terapeuta comportamental, os cães ferais – ou seja, aqueles domésticos, mas que vivem nas ruas ou matos, distantes da guarda do homem – não dependem de tutores.

“Estes nunca tiveram contato próximo com pessoas, especialmente na fase inicial do desenvolvimento do filhote. Assim, aprendem a temer os humanos e evitam contato com eles”, diz.

Como conquistar o seu cachorro

A preferência do cão pode transitar entre uma pessoa e outra dependendo da fase da vida e do contexto em que se encontram (Foto: Unsplash/ Helena Lopes/ CreativeCommons)
A preferência do cão pode transitar entre uma pessoa e outra dependendo da fase da vida e do contexto em que se encontram (Foto: Unsplash/ Helena Lopes/ CreativeCommons)

Apesar da escolha do tutor favorito ser, em última análise, própria do cão, há alguns truques que podem aproximar o humano do animal. Portanto, se você deseja estar entre as pessoas favoritas do seu cachorro, a melhor coisa a ser feita é responder ao seu comportamento e necessidades físicas.

“Seja justo e consistente em suas interações com ele, brinque com ele e mostre afeição se ele desejar. Esses são os pilares de um vínculo forte e seguro com os cães e, na verdade, da maioria dos relacionamentos entre as espécies”, diz Monique.

Helena complementa, afirmando que cães vivem no presente e que cada instante importa. “O balanço geral destes momentos é que determina quem é o ‘eleito’ no fim das contas. Outro detalhe é que as personalidades do cão e do humano normalmente são compatíveis para que haja este envolvimento emocional”, diz.