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Vulcão do outro lado do mundo está colorindo os crepúsculos no Brasil

Vulcão do outro lado do mundo está colorindo os crepúsculos no Brasil

Você notou o amanhecer e o anoitecer bem mais bonitos e avermelhados nos últimos dias? Pois esse espetáculo que vem colorindo nossos crepúsculos está sendo proporcionado pelas cinzas do vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai, que entrou em erupção do outro lado do mundo há 20 dias.

Há quem goste, mas estar próximo de um vulcão durante sua erupção não deve ser uma experiência muito agradável. E no caso da última erupção do vulcão em Tonga, a coisa foi verdadeiramente assustadora e devastadora. A explosão principal lançou bilhões de metros cúbicos de cinzas na estratosfera, a mais de 30 km de altitude, e provocou tsunamis que varreram as costas de ilhas próximas, causando prejuízos incalculáveis.

Cinzas do vulcão Hunga Tonga-Hunga Ha’apai foram lançadas a mais de 30 km de altitude. Imagem: Tonga Geological Services

Nessas horas, estar bem longe é bom, nos deixa seguros, mas não nos livra totalmente dos efeitos de uma erupção como essa. A explosão do Hunga-Tonga foi tão intensa que foi ouvida a mais de 500 km de distância. Mas no infrassom, uma frequência que é inaudível para os humanos, a onda de choque deu várias voltas ao mundo. Ela foi percebida por estações meteorológicas em todo planeta, inclusive aqui, no Brasil. E também foi registrada do espaço, em imagens de satélite.

Onda de choque da erupção de Hunga Tonga capturada pelo GOES-17 (GOES-West)
Imagem: Tim Schmit, NOAA/NESDIS/ASPB

Mas só depois de alguns dias começamos a enxergar um outro efeito daquela erupção: as cinzas do Vulcão Hunga-Tonga chegaram no Brasil. Embora em nuvens bem mais dispersas na atmosfera, elas podem ser percebidas em grande parte do país, principalmente no início e no fim das noites.

As cinzas vulcânicas têm uma alta concentração de carbono e enxofre, que combinados com outros gases da atmosfera, formam moléculas que refletem facilmente a componente vermelha da luz solar.

Por isso, em quase todo o Brasil, o nascer e o pôr do Sol começaram a ficar mais bonitos e avermelhados, produzindo imagens fantásticas, dignas de serem emolduradas em um belo quadro ou de serem impressas em capas de DVDs gospel. De fato, um verdadeiro presente dos céus. Clique nas imagens para ampliar:

Cinzas viajaram pela estratosfera

Mas como as cinzas de um vulcão do outro lado do planeta poderiam ter chegado ao Brasil? De fato o caminho é bem longo. Ainda mais considerando que essas cinzas chegaram por aqui vindas da África, um caminho ainda mais longo. No total, elas viajaram mais de 22 mil km partindo de Tonga, que fica a oeste da Austrália.

A maior parte das cinzas produzidas durante uma erupção formam nuvens piroclásticas que viajam junto ao solo e costumam causar grande devastação e se acumular em locais próximos. Mas nesse caso do Vulcão Hunga Tonga, uma parte das cinzas foi lançada a mais de 30 km de altitude, atingindo a estratosfera.

Lá essas cinzas encontram fortes ventos que podem levá-las para bem longe. E, como estão acima das nuvens que formam as chuvas, elas permanecem em suspensão por mais tempo. Na imagem abaixo, essas cinzas foram registradas pelo satélite meteorológico Himawari-8 enquanto atravessavam o Oceano Índico a caminho da África.

Pluma de cinzas do Vulcão Hunga-Tonga a caminho da África registrada pelo satélite Himawari-8. Imagem: weatherzone.com.au

A 30 km de altitude, com ventos a até 100 km/h e sem nenhuma barreira natural, as cinzas deram a volta ao mundo e, em menos de duas semanas, já vinham sendo percebidas no Brasil. Inicialmente, seus efeitos foram notados na região sudeste do país, mas com o tempo, as cinzas se dispersaram e também puderam ser observadas no sul, centro-oeste e nordeste.

Ventos na estratosfera trouxeram as cinzas do Vulcão Hunga Tonga para o Brasil através da África
Imagem: earth.nullschool.net

E como essas nuvens de cinzas são muito mais altas que as nuvens “normais” (as de vapor d’água), elas refletem a luz solar por mais tempo, porque, mesmo o Sol estando bem abaixo do nosso horizonte, ainda consegue iluminar as camadas mais altas da atmosfera.

Isso vem fazendo as noites ficarem mais curtas. Ao menos a escuridão das noites. Em alguns locais, o céu tem permanecido iluminado por mais de uma hora após o pôr do Sol. E da mesma forma no amanhecer, quando a escuridão é interrompida precocemente pelas nuvens avermelhadas das cinzas do Vulcão Hunga-Tonga.

Foto do céu em Balsa Nova, PR feita cerca de 1 hora e 20 minutos após o pôr do Sol, mas mostrando a luminosidade avermelhada das cinzas do Vulcão Hunga Tonga na estratosfera. Imagem: Fabiano Diniz

Efeitos no clima

Agora, se você ficou preocupado com os efeitos dessas cinzas no clima do planeta, relaxe, porque mal elas não fazem. Embora uma erupção lance na atmosfera uma enorme quantidade de CO2, que é um gás que produz efeito estufa, isso ainda é, incrivelmente, bem menos do que produz a atividade humana.

E quando essas cinzas atingem a estratosfera, ocorre algo interessante: o enxofre acaba se convertendo em ácido sulfúrico, que se condensa rapidamente formando aerossóis de sulfato. Esses aerossóis conseguem refletir mais a radiação solar de volta para o espaço, provocando exatamente o efeito inverso do CO2. No fim, a erupção ajuda a combater o efeito estufa. Além disso, erupções vulcânicas muitas vezes foram responsáveis pelo resfriamento do planeta.

Experiências anteriores

O último impacto significativo de uma erupção no clima do planeta foi em 1991, quando a erupção do Monte Pinatubo lançou cerca de 20 milhões de toneladas de dióxido de enxofre (SO2) na estratosfera. Além de deixar o céu avermelhado em várias regiões do Hemisfério norte, o evento causou um resfriamento global de quase 1 °C, sentido por 3 anos.

Bem antes, em 1908, outro evento deixou toneladas de cinzas em nossa atmosfera. Mas naquele caso, as cinzas não vinham de um vulcão, e sim de um meteoro. Em 30 de junho daquele ano, um asteroide com pelo menos 50 metros de diâmetro atingiu a Terra na região de Tunguska na Sibéria.

Representação artística da nuvem de poeira deixada na estratosfera pelo Impacto de Tunguska em 1908. Imagem: Don Davis

Aquele foi o maior evento de impacto da história recente da humanidade. Além de devastar uma enorme área de floresta, com mais de 2.000 km², o impacto espalhou uma gigantesca nuvem de cinzas na estratosfera e na mesosfera, que em poucos dias se espalharam pelo hemisfério norte.

O nascer e o pôr do Sol se tornaram avermelhados e, por muito tempo, nuvens noctilucentes (que permanecem iluminadas durante a noite) foram vistas por toda a Europa. Além disso, a poeira deixada pelo meteoro reduziu a temperatura global por alguns anos.

Ainda não sabemos se esta erupção vai interferir de forma significativa no clima do planeta, mas bem que poderia nos dar uma mãozinha no combate ao aquecimento global, já que nós humanos, aparentemente não vamos conseguir fazer isso por conta própria.

Entretanto, a erupção do Vulcão Hunga-Tonga Hunga-Ha’apai certamente vai ficar conhecida como uma das maiores e mais devastadoras da história, cuja intensidade foi percebida do outro lado do mundo, em infrassom e imagens de tirar o fôlego.