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Volta da magreza excessiva como padrão de moda preocupa especialistas

Volta da magreza excessiva como padrão de moda preocupa especialistas

Os transtornos da volta da magreza excessiva: dietas milagrosas, jejuns e remédios para emagrecer preocupam especialistas; estética tende a perder espaço

A volta da magreza excessiva como padrão de moda com a retomada da estética dos anos 2000 segue em alta e preocupa especialistas. No TikTok, a hashtag Y2K já acumula mais de 18 bilhões de visualizações.

Se a exaltação aos corpos magros é um caminho sem volta? Parece que não. Mas embora esteja com os dias – ou melhor, os meses – contados, os prejuízos causados são suficientes para deixar muitos pais em alerta.

“Na verdade, o padrão sempre está localizado naquilo que não é para todos. Esse foco na magreza faz com que se movimente uma indústria muito grande na busca pelo corpo magro inatingível, assim como pelo não envelhecimento, pela saúde extrema. Estamos vivendo um retrocesso”, aponta a psicóloga Vanessa Tomasini, especialista em Transtornos Alimentares e autora do projeto #VcTemFomedeQue nas redes sociais.

O retorno desse padrão “size zero” (referência aos tamanhos de roupas sem numeração de tão pequenas) ganhou força dentro de um combo de tendências macro, uma espécie de nostalgia Y2K.

“E uma das características dessa macrotendência é a exaltação dos corpos magros. Mas aos poucos deve ir perdendo espaço”, afirma Naia Silveira, especialista em tendências na WGSN, empresa líder mundial em tendências de comportamento e consumo.

“Em contrapartida, uma tendência já em curso é a dos ‘designs democráticos’, na qual as marcas visam a atender uma variedade maior de mentalidades, tamanhos, demandas e culturas. Para 2025, prevemos como um dos principais sentimentos do consumidor a ‘aceitação radical’, que ultrapassa o conceito de positividade corporal e lida com a ideia de aceitar a realidade e as imperfeições, fugindo, inclusive, da positividade tóxica. Neste sentido, percebemos que o resgate do padrão de magreza não deve perdurar”, acrescenta Naia.

Existe uma dieta ideal? Nutricionista garante que não

A obsessão pela magreza gera uma busca acirrada por dietas milagrosas e outros artifícios prejudiciais não só à saúde física, mas também mental. Até Kim Kardashian, que por muito tempo foi símbolo de corpo curvilíneo, surgiu mais seca após perder 7Kg em apenas três semanas para caber em um vestido para o Met Gala de 2022.

7 quilos mais magra, Kim Kardashian usou o vestido de Marilyn Monroe no Met Gala 2022 — Foto: Getty Images

7 quilos mais magra, Kim Kardashian usou o vestido de Marilyn Monroe no Met Gala 2022 — Foto: Getty Images

“Os padrões de corpos inalcançáveis são irreais. A diversidade de corpos é algo natural e cada indivíduo possui características únicas. Não há uma ‘dieta ideal’, que funcione para todos, pois as necessidades nutricionais variam de pessoa para pessoa”, explica a nutricionista Annie Bello, professora associada de nutrição clínica da UERJ e pesquisadora do Instituto Nacional de Cardiologia.

Para a especialista, ter uma alimentação equilibrada e saudável, com variedade de nutrientes, é o caminho certo. “As dietas extremas ou restritivas, sem orientação de um profissional qualificado, podem levar a deficiências nutricionais e outros problemas de saúde”, alerta.

Entre os prejuízos decorrentes das dietas milagrosas e dos jejuns propagados nas redes sociais (sem citar aqui os remédios para emagrecer) estão a perda de massa muscular, redução da taxa metabólica, alterações hormonais, desidratação, fraqueza, tonturas e outros problemas de saúde, lista a Dra. Annie Bello.

“Além disso, o foco excessivo na aparência física pode levar a transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, que são graves e requerem tratamento especializado.”

É o que afirma a psicóloga Vanessa Tomasini: “A volta desse padrão de magreza extrema causa muitos estragos e a gente vê isso nos serviços, pelo aumento de pessoas adoecidas na relação com o corpo e com a comida. E os números relacionados ao adoecimento não dizem só respeito às mulheres, atinge a todos, embora seja uma base mais pesada sobre as mulheres.”

Busca pelo Ozempic como fórmula de emagrecimento é perigosa

Certamente você já ouviu falar no Ozempic. O medicamento que virou moda no Brasil e em vários países do mundo como fórmula de emagrecimento rápido tem sido usado de forma desordenada.

“Ele é originalmente utilizado para tratar diabetes tipo 2, mas tem sido utilizado de forma off-label para o emagrecimento. O uso sem a indicação e acompanhamento de um especialista é extremamente perigoso e pode trazer diversos riscos à saúde”, alerta a Dra. Annie Bello.

Conforme ela explica, o Ozempic é um medicamento injetável que age no sistema digestivo, inibindo a fome e a absorção de glicose pelo organismo. “No entanto, seu uso pode causar efeitos colaterais graves, como náuseas, diarreia, pancreatite, problemas de vesícula biliar e problemas cardíacos”, ressalta a especialista.

Ela destaca que a automedicação pode levar à perda de peso rápida e descontrolada: “E isso pode causar a perda de massa muscular e deficiências nutricionais.”

Normalização da magreza e tendências de moda podem desencadear transtornos alimentares e outros problemas de saúde que preocupam especialistas — Foto: Pexels

Normalização da magreza e tendências de moda podem desencadear transtornos alimentares e outros problemas de saúde que preocupam especialistas — Foto: Pexels

Quer emagrecer? Dicas de como perder peso de forma saudável

Não tem mágica. A nutricionista reforça que o emagrecimento saudável envolve mudanças de hábitos alimentares e de atividade física com a ajuda de um profissional qualificado. Para não ficar refém de dietas ou remédios ao longo da vida, ela compartilha algumas dicas importantes:

  • Buscar orientação de um nutricionista: um profissional vai ajudar a identificar as necessidades nutricionais individuais e elaborar um plano alimentar personalizado e equilibrado;
  • Fazer escolhas saudáveis: optar por alimentos in natura, predominantemente de origem vegetal, ricos em nutrientes, como frutas, verduras, legumes, cereais integrais, proteínas magras, e evitar os ultraprocessados e ricos em açúcar, sal e gordura;
  • Praticar atividade física regularmente: além de contribuir para a perda de peso, os exercícios trazem diversos benefícios para a saúde, como o fortalecimento muscular, melhora do condicionamento físico e redução do estresse;
  • Mudar hábitos gradativamente: é importante adotar as mudanças de forma gradual e consciente, evitando dietas extremas ou radicais que podem ser insustentáveis a longo prazo;
  • Manter uma rotina alimentar regular: fazer refeições em horários regulares, evitar pular refeições e mastigar bem os alimentos são hábitos que contribuem para a manutenção do peso e a melhora da digestão;
  • Praticar o autoconhecimento e o autocuidado: é importante estar atento às próprias emoções e sentimentos, buscando formas saudáveis de lidar com o estresse e a ansiedade, e cultivar atividades que proporcionem bem-estar e prazer.

Incentivo à diversidade de corpos e autoaceitação

Segundo Naia, o movimento de retomada da tendência dos anos 2000 foi mapeado pela WGSN e desde 2021 vem sendo abordado nos boletins dedicados à cultura jovem.

“Porém, essa tendência macro se manifesta não apenas na moda, mas também na beleza, decoração de interiores e outros setores. Em outras palavras, enaltecer corpos magros (prática desse período) é um recorte micro, com penetração bem mais limitada”, avalia Naia Silveira.

Especialistas reforçam a importância da autoaceitação e explicam como perder peso de forma saudável — Foto: Pexels

Especialistas reforçam a importância da autoaceitação e explicam como perder peso de forma saudável — Foto: Pexels

Ainda assim, muitos jovens são impactados por esse tipo de movimento e são atraídos para os modismos propagados por influenciadores e celebridades que surgem com os corpos mais enxutos e com ossos mais sobressaltados.

“É importante que os jovens sejam críticos em relação às informações que recebem e busquem profissionais qualificados. É fundamental que a autoaceitação e a valorização da diversidade de corpos sejam incentivadas em todos os âmbitos da sociedade”, destaca a pesquisadora.

Body positive: movimento não está ameaçado, mas a cintura baixa, sim!

Com toda a repercussão e relevância do movimento body positive nos últimos anos, como ficam os debates sobre corpos reais e autoaceitação em meio a esse revival dos anos 2000? Vanessa Tomasini não acredita que a força alcançada seja perdida.

“Hoje, as redes sociais são muito mais avançadas e muito maiores, e as crianças desde muito cedo já passam a ter acesso a essas informações. Todos esses movimentos trouxeram uma visão maior de que não existe só um tipo de corpo, aquele da revista ou do post na rede social. Tivemos progressos muito grandes.”

Na moda, as tendências das peças de cinturas ultrabaixas representadas nas passarelas e entre personalidades de barrigas chapadas devem perdurar por mais algumas temporadas. Mas a estética começa a mudar.

“O caminho que vem sendo trilhado pelas marcas atualmente vai na direção contrária e busca contemplar a maior diversidade de corpos possível. A cintura baixa ainda deve manter espaço na temporada primavera/verão 23/24 mas, ao mesmo tempo, já estamos acompanhando a volta de modelos mais democráticos, de cintura média e alta”, pondera a especialista em tendências da WGSN.

O perigo da popularização dos procedimentos estéticos e cirúrgicos

A psicóloga se preocupa com a corrente inversa e que é muito forte nas redes sociais das influencers fitness, além dos estímulos relacionados a procedimentos e cirurgias:

“A democratização e a popularização de procedimentos cirúrgicos, estéticos e implantes hormonais nessa busca por um corpo ideal é uma armadilha extremamente opressora e que faz com que você entenda que se tiver força, foco e fé e mais uma série de procedimentos, você consegue moldar esse corpo, como se o nosso corpo fosse uma massinha de modelar.”

Psicóloga acredita que os conteúdos de celebridades e influenciadores em redes sociais são alguns dos estímulos negativos responsáveis pela alta demanda por procedimentos estéticos — Foto: Pexels

Psicóloga acredita que os conteúdos de celebridades e influenciadores em redes sociais são alguns dos estímulos negativos responsáveis pela alta demanda por procedimentos estéticos — Foto: Pexels

Annie Bello sinaliza sobre os perigos das redes sociais, como no caso da exposição a conteúdos tóxicos, a pressão para seguir padrões inalcançáveis e a busca por aceitação social através da aparência física:

“A influência das celebridades e influenciadores digitais ainda é muito forte, e muitos jovens podem ser influenciados negativamente pelos seus comportamentos e discursos.”

“As plataformas digitais são um espaço de informação, debate e influência muito forte na vida dos jovens, e podem ser tanto uma fonte de apoio para o movimento body positive, quanto uma fonte de pressão e opressão em relação aos padrões de corpo”, afirma a nutricionista, que teme o desenvolvimento de transtornos alimentares desses jovens mais suscetíveis às modas das redes sociais.

Saiba o que é transtorno alimentar e quais os sintomas

O que é, de fato, o transtorno alimentar? A pesquisadora em nutrição e saúde Annie Bello explica que são doenças psiquiátricas que podem afetar qualquer pessoa, independentemente do gênero, idade ou peso. Ela destaca alguns comportamentos típicos de transtornos alimentares em jovens:

  • Mudanças significativas na alimentação: recusa em comer certos alimentos ou grupos alimentares, restrição calórica excessiva, compulsão alimentar seguida de comportamentos purgativos (como vômitos, uso de laxantes ou diuréticos);
  • Preocupação excessiva com o peso e a forma corporal: autoavaliação distorcida do próprio corpo, medo intenso de ganhar peso, comportamentos compensatórios após as refeições (como excesso de exercícios físicos);
  • Alterações emocionais e comportamentais: isolamento social, irritabilidade, ansiedade, depressão, oscilações de humor e alterações de sono. Obsessão por exercícios físicos e atividades físicas: exercícios em excesso, mesmo quando lesionado ou doente, e falta de flexibilidade na rotina.

Segundo Annie, os pais devem ficar atentos, especialmente se ocorrerem mudanças significativas na alimentação ou no comportamento alimentar do jovem, como uma preocupação excessiva com o peso ou a forma corporal, se está evitando certos alimentos ou grupos alimentares ou se está praticando atividade física em excesso. E, se houver suspeita, a orientação é buscar ajuda profissional o mais cedo possível.

Especialista conta como identificar possíveis sinais de transtorno alimentar e como evitar algumas “armadilhas” da moda — Foto: Pexels

“O tratamento para transtornos alimentares envolve uma equipe multidisciplinar, incluindo psicólogo, psiquiatra, nutricionista e outros profissionais de saúde. A detecção precoce e o tratamento adequado são fundamentais para a recuperação e prevenção de complicações graves”, explica ela.

Para Vanessa Tomasini, especialista em transtornos alimentares, um ponto importante é que esses pais tenham um canal de comunicação aberto com os seus filhos. “É importante que eles percebam se também, mesmo sem a mínima intenção, não propagam essa ideia de um corpo magro, de uma alimentação excessivamente saudável, porque isso reverbera nos filhos”, explica a psicóloga.

“Esse ambiente de casa, da escola, de amigos, também pode ser um ambiente opressor, tanto quanto as redes sociais. O ideal é que a gente possa proporcionar ambientes mais ricos em diversidade, onde os corpos ou a alimentação não sejam o primeiro enfoque.”

Magreza inatingível: 5 dicas para não cair em armadilhas da moda

Vanessa Tomasini compartilha algumas dicas para as pessoas que se veem presas a essas tendências relacionadas à estética e à saúde. Um detox das redes sociais são um caminho, mas, para quem não consegue se afastar dos aplicativos de fotos e vídeos, os conselhos abaixo podem ajudar:

  1. “Observe quais são as pessoas que você segue nas redes sociais. Quando você consome o conteúdo delas você se sente bem ou se sente mal cada vez que vê uma foto?”;
  2. “Siga também pessoas que tenham uma vida e um corpo semelhantes ao seu. Estarmos alinhados e vermos pessoas como nós, nos ajuda muito a não ficar criando a ideia de que só o que é diferente da gente é bom”;
  3. “Esteja mais próximo da vida real e menos das telas. Ao usar os aplicativos, avalie se você está aprendendo algo com as pessoas que você segue e se você se sente bem, acolhida”;
  4. “Deixar de seguir não só personalidades, mas perfis que falam sobre corpo e alimentação. Se você precisa de orientação sobre alimentação e saúde mental, procure profissionais especializados e não blogueiros, influencers e por aí vai;”
  5. “Siga assuntos que têm a ver com os seus interesses de vida, sejam de pets, de viagens, de arquitetura ou outros universos. Não fique só consumindo sobre alimentação e corpo”.