Anchor Deezer Spotify

Vida alienígena pode ser bioquimicamente diferente da vida como a conhecemos

Vida alienígena pode ser bioquimicamente diferente da vida como a conhecemos

Um dos grandes mistérios do universo (e, talvez, o maior deles) é se existe vida em outro lugar que não seja a Terra. E quando se fala em vida alienígena, diferentemente do que a maioria das pessoas pensa, não se trata de buscar por seres esverdeados, de perninhas finas e compridas, olhos gigantes e pontas dos dedos brilhantes.

Formas de vida existentes na Terra servem como referência na busca por vida alienígena. Mas, e se não for nada parecido? Imagem: Triff/Shutterstock

Na verdade, a busca por vida fora da Terra é focada em qualquer coisa que tenha emergido de compostos químicos, suas respectivas reações e interações entre moléculas que se assemelham às formas de vida que temos por aqui: desde micro-organismos unicelulares, como bactérias, protozoários, algumas espécies de algas e certos tipos de fungos, até os organismos mais complexos, como a maioria das plantas e animais (nos quais os seres humanos se enquadram).

Ocorre que a base de referência que os cientistas têm em mãos é sempre a diversidade bioquímica dos seres terrestres. Ou seja, a busca por vida alienígena tem sido restrita ao conhecimento da vida na Terra como parâmetro, essencialmente procurando pela “vida como a conhecemos”. Para os astrobiólogos que procuram vida em outros planetas, simplesmente não há ferramentas para prever as características da “vida como não a conhecemos”.

Ferramenta de busca por vida alienígena não usa a Terra como referência

Em uma nova pesquisa publicada no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), uma equipe de cientistas abordou essa restrição identificando padrões universais na química da vida que não parecem depender de moléculas específicas. Essas descobertas fornecem uma nova oportunidade para prever características da vida alienígena com bioquímicas diferentes da vida terrestre.

“Queremos ter novas ferramentas para identificar e até mesmo prever características da vida, pois não a conhecemos”, diz a coautora Sara Imari Walker, da Universidade Estadual do Arizona (ASU), nos EUA. “Para isso, pretendemos identificar as leis universais que devem se aplicar a qualquer sistema bioquímico. Isso inclui desenvolver teoria quantitativa para as origens da vida, e usar teoria e estatística para orientar nossa busca por vida em outros planetas”.

Micro-organismos unicelulares, como os protozoários, são as formas mais simples de vida na Terra, e têm feito parte das referências para busca por vida alienígena. Imagem: Rattiya Thongdumhyu – Shutterstock

Como dito, na Terra, a vida emerge da interação de centenas de compostos químicos e reações. Alguns desses compostos e reações são encontrados em todos os organismos, criando uma bioquímica universalmente compartilhada para toda a vida no nosso planeta. Essa noção de universalidade, porém, é específica da bioquímica conhecida e não permite previsões sobre exemplos ainda não observados.

“Não somos apenas as moléculas que fazem parte de nossos corpos; nós, como seres vivos, somos uma propriedade emergente das interações das muitas moléculas de que somos feitos”, diz Walker, que é professor associado na Escola de Exploração da Terra e Espaço e vice-diretor do Beyond Center da ASU. “O que nosso trabalho está fazendo é desenvolver maneiras de transformar essa visão filosófica em hipóteses científicas testáveis”.

Novo tipo de universalidade bioquímica

Dylan Gagler, que se formou na ASU em 2020 com seu mestrado e agora é analista de bioinformática no Centro Médico Langone da Universidade de Nova York, em Manhattan, é o autor principal do estudo. Ele disse que se interessou pela biologia universal por um desejo de entender melhor o fenômeno da vida. “É um conceito surpreendentemente difícil de identificar”, diz ele. “Até onde posso dizer que a vida é, em última análise, um processo bioquímico, então eu queria explorar o que a vida está fazendo nesse nível”.

Gagler e Walker entenderam que as enzimas, como motores funcionais da bioquímica, eram uma boa maneira de abordar esse conceito. Usando o banco de dados de Genomas Microbianos Integrados e Microbiomas, uma plataforma desenvolvida pelo Departamento de Energia dos EUA, eles, juntamente com sua equipe de cientistas, foram capazes de investigar a composição enzimática de bactérias e archaeas (procariontes) e eukaryas (eucariontes), e assim capturar a maioria da bioquímica da Terra.

Por meio dessa abordagem, a equipe foi capaz de descobrir um novo tipo de universalidade bioquímica identificando padrões estatísticos na função bioquímica das enzimas compartilhadas através da árvore da vida.

Ao fazer isso, verificaram que padrões estatísticos se originaram de princípios funcionais que não podem ser explicados pelo conjunto comum de funções enzimáticas utilizadas por toda a vida conhecida, e identificaram relações de escala associadas a tipos gerais de funções.

“Identificamos esse novo tipo de universalidade bioquímica a partir dos padrões estatísticos em larga escala da bioquímica e descobrimos que eles são mais generalizáveis a formas de vida desconhecidas em comparação com a tradicional descrita pelas moléculas e reações específicas que são comuns a toda a vida na Terra”, explica o coautor Hyunju Kim, professor assistente de pesquisa na Escola de Exploração da Terra e do Espaço da ASU. “Essa descoberta nos permite desenvolver uma nova teoria para as regras gerais da vida, que pode nos guiar na busca de novos exemplos de vida”.

“Podemos esperar que esses resultados se mantenham em qualquer lugar do universo, e essa é uma possibilidade emocionante que motiva um monte de trabalho interessante pela frente”, diz o coautor Chris Kempes, do Instituto Santa Fé.