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“Transparência é a raiz de uma ação climática robusta”, diz Miriam Garcia, diretora de engajamento político do CDP

“Transparência é a raiz de uma ação climática robusta”, diz Miriam Garcia, diretora de engajamento político do CDP

Em entrevista, especialista fala das expectativas para a COP28, em Dubai, e as investidas brasileiras para retomar o protagonismo no debate ambiental

O CDP, organização de referência mundial no mapeamento de emissões de gases de efeito estufa (GEE), vilões do clima, tem mais de duas décadas de atuação envolvendo atores estatais, dos mercados de capitais, grandes corporações e da sociedade civil no combate à emergência climática.

Como em uma tecedura, Miriam Garcia, diretora de engajamento político da entidade interage com uma série de atores-chave na busca por compromissos e soluções, e em diferentes níveis de discussão. “A mudança do clima, para ser enfrentada, precisa trabalhar com uma governança multinível”, diz. Missão desafiadora, mas que oferece uma perspectiva panorâmica e privilegiada das questões.

Diante da série de eventos extremos relacionados ao clima que tem varrido o mundo, causando dramas em frequência e intensidade nunca antes vistos – como os incêndios no Havaí, Canadá, Grécia, tempestades e enchentes devastadoras no sul do Brasil e uma seca histórica na Amazônia, só para citar alguns, ações de mitigação e, principalmente, de adaptação, se tornam prementes.

“A partir do chamado cada vez mais forte da ciência com os relatórios do IPCC e de tantas outras agências da ONU e materiais científicos produzidos ao redor do mundo, vemos que a janela de oportunidade está fechando. Temos ainda um espaço para assegurar a resiliência climática mas precisamos fazer esse caminho”, afirma em entrevista ao Um Só Planeta.

Essa urgência marcou presença, segundo ela, na semana do clima de Nova Iorque, em setembro, que antecedeu a assembleia geral da ONU, maior evento do multilateralismo mundial. No encontro, foi lançado um relatório sobre os avanços nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS, onde em vários indicadores os países estão aquém do esperado, como os relacionados a água, clima, uso da terra e florestas. Na ocasião, o CDP lançou a iniciativa NZDPU – Net Zero Data Public Utility – para disponibilizar gratuitamente dados globais comparáveis e de alta qualidade sobre a transição climática.

“Para responder à urgência desse desafio, precisamos saber o que empresas, investidores e governos locais, sejam cidades ou estados, estão fazendo pra combater as mudanças climáticas e o CDP como a maior plataforma de dados climáticos do mundo disponibilizará dados para a NZDPU afim de auxiliar tomadores de decisão a adotarem políticas públicas mais assertivas no combate à mudança do clima”, explica.

A plataforma nasce de uma parceria entre o CDP e o Comitê de Dados Climáticos encomendado pelo presidente da França, Emmanuel Macron e pelo enviado de negociações climáticas para as Nações Unidas, Michael Bloomberg, e complementa outras ações que a ONU acompanha nos painéis de monitoramento de compromissos voluntários de empresas, governos subnacionais e instituições financeiras durante as convenções de clima.

“É importante destacar que perante o Acordo de Paris, os responsáveis pelas soluções e compromissos são os países, os estados soberanos, que submetem as contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), mas existe todo um ecossistema que faz movimentar essa agenda climática e esse ecossistema pode reportar esses compromissos que, aí sim, voluntários no portal de ação climática global da convenção quadro”, pontua. “Buscamos com isso ter um monitoramento cada vez maior, mais assertivo e transparente sobre as ações climáticas desses atores”.

Mais do que promessas, cada vez mais tem se buscado um monitoramento sistemático dos avanços no combate à crise do século. No começo do mês de setembro saiu a primeira edição do balanço global do Acordo de Paris, o Global Stocktake, ou GST, que analisou, em relatório sintético, a implementação das metas acordadas e o progresso coletivo dos países signatários. O processo de elaboração do GST culmina na COP28 em Dubai.

“Esse relatório pode desencadear uma série de ações que vão nos ajudar a ter uma ação climática mais robusta a partir da revisão das contribuições nacionais”. Atualmente, as NDCs não colocam o mundo na rota almejada de limitar o aumento da temperatura a 1.5 grau Celsius até o final do século, comparado ao período pré-industrial.

Como em uma foto coletiva, o GST traz resultados dos avanços da humanidade em áreas-chaves que foram pesquisadas no contexto da mitigação, adaptação e meios de financiamento. É essencialmente uma análise técnica que deverá se traduzir em decisões políticas na COP 28. “Ainda não está claro se vai ser uma declaração, que tipo de instrumento jurídico que vai ser a decisão política, isso ainda está na mesa pra ser negociação, mas o que se espera é que o GST norteie as revisões das NDCS no sentido de maior ambição”.

Participação de atores não estatais e governos subnacionais

O processo do balanço global do Global Stocktake é um dos poucos que reconhece formalmente a participação de atores não estatais e de governos subnacionais. Tanto para a construção do diálogo técnico – foram três ao todo desde junho de 2022 – quanto reconhecendo que os países só vão conseguir cumprir suas metas climáticas se tiverem uma abordagem que envolva toda a sociedade, envolvam os atores da economia real em diferentes níveis de governança.

“Uma das inovações do Global Stocktake foi, durante os diálogos técnicos, ter atores da sociedade civil e diplomatas sentados numa mesma roda”, destaca Miriam, o que abre oportunidades de colaboração em temas de interesse comum. O balanço participativo também submete as negociações e compromissos climáticos assumidos a um maior escrutínio público, o que pode evitar com que o relatório sucumba à leniência na tomada de decisões necessárias no combate à crise do clima.

De acordo com a diretora de engajamento político, há um reconhecimento de que esses atores apoiam os países na busca pela pelos compromissos que eles assumiram no Acordo de Paris. “Os governos vão voltar para casa [pós-COP] e vão encontrar ali toda uma sociedade civil e todo um corpo de governo subnacionais engajados. E todos podem se apropriar desse documento que traz a foto coletiva dos compromissos e ir bater lá na porta do seu governo pedindo mais”. E arremata: “A transparência é a raiz de uma ação climática robusta”.

Nesse contexto, o Brasil se destaca, diz Miriam, citando como “vitórias” os resultados positivos em relação aos números de desmatamento aí nesses últimos oito meses e a Cúpula de Belém, que reuniu em agosto a sociedade civil nos Diálogos Amazônicos. “O Brasil ter demonstrado liderança na cúpula da Amazônia é um primeiro exercício que que nos faz chegar mais fortalecidos na negociação da COP28”.