Temperamento animal: entenda o comportamento do seu pet
Fatores genéticos e ambientais influenciam o temperamento de cães e gatos. Especialistas explicam como os tutores podem estimular ações saudáveis e evitar desvios de conduta
Luke chegou a atacar uma das pessoas da casa porque não reconheceu o cheiro dele – (crédito: Arquivo pessoal)
Ao observar o comportamento dos animais, é possível perceber diferenças nas características entre cada pet. Assim como os humanos, os bichos de estimação também têm um jeito próprio de se comunicar e agir. “O temperamento do animal é construído tanto por fatores genéticos quanto ambientais, isto é, influenciados pelo local onde vive. É um conjunto de coisas que vai formar a personalidade dele”, explica o veterinário comportamental Luís Olívio.
Em geral, os bichos têm impulsos de defesa, fuga e caça, que podem se manifestar mais em uns do que em outros. “Existem animais que são mais facilmente assustados; alguns são mais exploradores; e há aqueles que possuem mais dificuldade de se relacionar”, exemplifica. Uma coisa é certa: a forma de expressão do temperamento é distinta entre gatos e cachorros.
No caso dos cães, é comum que alguns sejam mais ativos e hiperativos, gostem de brincar e explorar o ambiente. Há também os mais apáticos, que preferem ficar deitados e dormir. Segundo o especialista em comportamento animal, enquanto uns não resistem a carinhos, outros não são grandes fãs de colo e afagos. “É muito importante entender as características que os animais trazem para, assim, aprendermos a lidar com eles da melhor maneira”, pontua. Ele destaca que o tamanho é outro fator que pode influenciar as características do cão: “Os menores enxergam o mundo de uma forma diferente. Tudo é grande para eles. Por isso, tendem a ser mais inseguros que os maiores”.
Universo felino
De acordo com a veterinária especializada em medicina felina Selma Thamires, os gatos tendem a ser espertos, atentos, metódicos e sensitivos. Ela esclarece que o padrão de comportamento vai variar de acordo com fatores como a criação, o histórico do animal antes da adoção, a convivência e o manejo a longo prazo, a qualidade da interação do tutor, assim como traumas adquiridos no contato com humanos.
A veterinária aponta que cada felino tem um comportamento específico, desenvolve manias e hábitos diferentes: “Os que possuem hábitos diurnos, por exemplo, preferem interagir com seus tutores durante o dia e dormir à noite. Mas há também gatos que só dormem durante o dia e tocam o terror à noite”.
Quando criados em um ambiente confortável e tratados da maneira correta, os felinos são mais diurnos, mantêm uma rotina assídua de atividades e são carinhosos com os tutores. “Até mesmo nas brincadeiras eles são peculiares. Alguns adoram as mais agressivas, com mordidas e brincadeiras de pega-pega com os outros gatos. Outros gostam apenas de brincar com elásticos de cabelo e caixas de papelão”, acrescenta Selma.
Para identificar a personalidade do gato, é necessário estudar a linguagem corporal dele. Segundo a médica veterinária, os bichanos demonstram seus sentimentos e ações por meio dos seguintes sinais: “Orelhas mudam de posição, a cauda mexe, abaixa ou levanta, podendo manifestar vários sentimentos; o olhar pode estar atento, assustado, agressivo, afetuoso e até interessado. Os gatos também arqueiam a coluna em momentos de medo e estresse. O próprio pelo também pode indicar estados emocionais, estando eriçado ou não”.
Saudável
Há condições para que o animal tenha qualidade de vida e um comportamento saudável. “A base para o bom comportamento do cão são atividades físicas, sociais e mentais, alimentação equilibrada, além de descanso. Tudo isso precisa estar equilibrado”, elenca Luís Olívio. Ademais, o veterinário acredita que dar tempo e distância é fundamental para que o cão consiga compreender e absorver o mundo ao redor dele: “Geralmente, as brigas que ocorrem entre cães são porque eles não têm tempo, nem a distância necessária para tomar uma decisão com mais calma”.
Como os gatos têm hábitos mais aventureiros, Selma recomenda que os tutores estudem as características deles antes de adotá-los: “É preciso ‘gatificar’ a casa. Esse processo inclui tornar o ambiente agradável para o gato, com locais onde ele possa subir, objetos que ele possa arranhar, assim como locais onde ele possa se esconder até mesmo dos donos para ter seu momento de descanso e privacidade”.
A profissional ressalta que a comida deve ser colocada longe da caixa sanitária, que deve ser escolhida pelo gato, e que o número de caixas sanitárias precisa ser sempre maior que o número de gatos. “Ou seja, se há três gatos, você precisa ter no mínimo quatro caixas. Hoje, temos inúmeros modelos de caixas sanitárias, até mesmo fechadas, mas muitos gatos detestam. E, se eles não gostam, não tem como manter esse modelo. Por isso, eu aconselho que na casa tenha uma caixa fechada e uma aberta pelo menos”, complementa.
Para Selma, é essencial que esses aspectos sejam seguidos para que o gato viva em harmonia: “Todos esses detalhes determinam, inclusive, a personalidade do felino a longo prazo. Não tem como esperar que um gato viva em um ambiente hostil e desagradável e, ainda assim, seja afável e tranquilo”.
Desvios comportamentais
Alguns mecanismos externos podem disparar certos comportamentos nos animais que, de certa forma, fogem do esperado ou podem ser prejudiciais para eles ou para as pessoas ao redor. Luke, um pastor belga malinois, acabou atacando um integrante da família por confundi-lo com um estranho. “Quando o Luke sentiu o cheiro do meu filho, que estava usando a roupa de um primo, ele o agrediu e o mordeu atrás da orelha, no rosto e na cintura”, relata a hoteleira Valéria Faria, 45.
Ela diz que, no início, ficou receosa que Luke voltasse a ser agressivo e até cogitou enviá-lo para adoção, mas logo entendeu que, como ele é um cão de guarda, possui um forte instinto de proteção e, por isso, estranha quando alguém diferente entra em casa. Com o objetivo de aprender a lidar melhor com a natureza dele, Valéria contratou um veterinário especializado em comportamento animal e alterou toda a dinâmica de convivência do cão: “Definimos o horário que ele come, que solta. Aos poucos, aprendemos a lidar melhor com o comportamento dele. Tanto que, hoje, o Luke tem um espaço na área de serviço onde fica perto da gente e interage. Com isso, foi se acalmando, sentindo-se mais acolhido, e nós fomos vendo que era possível evitar problemas, ao disciplinar e educar o cão”.
A família da arquiteta Shirlei Monteiro, 25, é formada por seis gatos: Chicho, Mufasa, Thomas, Tigresa, Puma e Lince. Como cada felino tem uma personalidade diferente, é quase inevitável que desentendimentos ocorram. “Mufasa é o brigão da casa. Quando adotamos o Thomas já adulto, também veio junto o trio: Tigresa, Puma e Lince. O Mufasa acabou não os aceitando muito bem e ficava coagindo os novatos”, conta a arquiteta.
Devido ao estresse gerado pelas brigas, dois gatos passaram a não se sentir confortáveis para usar a caixinha de areia. Shirlei destaca que isso desequilibrou toda a rotina da casa: “Eles começaram a usar tapetes, cantinhos da parede ou da estante para fazer as necessidades deles, e isso causou um estresse enorme para todo mundo”.
Para contornar o problema, ela buscou entender melhor o comportamento dos gatos por meio do livro O encantador de gatos e contratou um especialista para ajudar no processo de adaptação. “Juntei as duas informações e fui fazendo modificações na casa. Criamos mais de uma rota para acessar os ambientes, espalhamos fontes de água por todo canto e colocamos as caixas de areia separadas. Mas a mudança principal foi com o Mufasa, pois, como ele se sentia muito inseguro em relação aos outros, a gente começou a fazer atividades mostrando que os novos irmãos não eram inimigos e, sim, amigos”, detalha Shirlei.
Herança dos tutores
A crença de que os pets refletem a personalidade de seus donos tem uma base científica. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Viena descobriu que os cachorros podem “herdar” algumas características de seus donos. “Se uma pessoa é muito medrosa, por exemplo, e começa a mostrar esse comportamento com o cachorro, não o deixa explorar o ambiente, ele acaba sendo forçado a desenvolver esse medo e só fica seguro com a dona. Já se o tutor é ansioso, com certeza, o cachorro vai começar a ter problemas de ansiedade. Então, a estrutura familiar influencia como o animal se comporta”, avalia o veterinário Luís Olívio.
A veterinária Selma Thamires concorda que os tutores são os maiores influenciadores do comportamento dos animais: “A rotina dos tutores, a forma como tratam as demais pessoas e os outros animais que vivem na casa, seus comportamentos diários e rotineiros, tudo isso influencia diretamente no comportamento do animal, podendo ser muito positivo ou muito negativo”.
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte