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Sons de plantas e animais podem contribuir com produção na agropecuária

Sons de plantas e animais podem contribuir com produção na agropecuária

Cientistas, startup e a Embrapa pesquisam como as paisagens sonoras colaboram para metas ambientais e na qualidade produtiva

Uma foto pode até representar mil palavras, mas um som pode ter mais informações que mil imagens. Essa é uma das afirmações que o músico e cientista Bernie Krause faz em seu livro “A grande orquestra da natureza”, no qual ele conta como passou de guitarrista de estúdio de bandas como The Doors e Rollings Stones a um dos maiores pesquisadores de paisagens sonoras da vida natural do mundo. Desde a década de 1960, os cientistas vêm utilizando os sons para estudar o comportamento dos animais e a saúde do meio ambiente, por meio da avaliação das variedades de espécies que há em um habitat. E esse conhecimento começa a ser aplicado no universo do agenegócio, seja na produção quanto no desenvolvimento de um negócio com sustentabilidade ambiental.

Neste mês, o Programa Soja Sustentável do Cerrado anunciou as quatro startups que receberão R$ 3,4 milhões do Sturtup Finance Facility, projeto do Land Innovation Fund para estimular o desenvolvimento de tecnologias disruptivas no agro. E, entre as vencedoras, está a Green Bug, uma companhia de Campinas, no interior de São Paulo, que apresentou o projeto “Ouvidos da Natureza”, no qual uma série de microfones serão instalados ao redor de plantações de soja e em áreas de proteção ambiental que as circundam para avaliar desde a saúde do meio ambiente até o monitoramento das atividades na propriedade.

Marcelo Vieira, sócio fundador da companhia, explica que Green Bug nasceu do interesse em desenvolver projetos para solucionar importantes questões ambientais, principalmente monitoramento de áreas por imagens de satélite. “O nosso primeiro produto foi um dispositivo de internet das coisas (IoT) que, com uso de imagens de satélites, conseguimos calcular probabilidade de fogo em uma floresta, explica o executivo, acrescentando que a solução foi oferecida para grandes empresas do setor de papel e celulose. “No final do ano passado, nós unimos forças com a Quiron Digital, uma startup muito forte, nessa parte de incêndio estamos trabalhando juntos”, acrescenta.

Segundo Vieira, o acordo com a Quiron Digital o deixou mais livre para pensar em novos projetos. Foi quando surgiu a ideia do “Ouvidos da Natureza”, que está em fase de protótipo e começa a ser testada. Os dados coletados pelos microfones são analisados por um algoritmo que é capaz de identificar automaticamente 2 mil espécies de aves, sons de motosserra, motores de carros, caminhões e tratores.

“A nossa ideia é analisar o ambiente de onde estamos monitorando e, então, a gente consegue gerar alertas de sons que não deveriam estar naquela área. Com isso a gente pode gerar alertas de caçador na região, tratores com correntes no Cerrado para fazer desmatamento, perceber sazonalidade das aves, ou seja, percebemos a saúde da região pensando nos animais”, explica Vieira.

gr_responde_eucalipto (Foto: Ernesto Souza / Ed. Globo)
Segundo o executivo da Green Bug, solução de monitoramento de paisagem sonora foi oferecida para empresas de celulose e papel (Foto: Ernesto Souza / Ed. Globo)

Soja verde

Nesse projeto do Cerrado, a idéia é fortalecer a ideia de uma “soja verde”, fazendo com que produção seja mais sustentável. “Tem fazendeiros que vamos fazer implantação na região de Palmas que tem cabeça voltada para proteção. Ele percebeu que é interessante manter a floresta em pé. Alguns fazendeiros têm consciência que protegendo as áreas nativas tem redução de custo da produção da soja, principalmente pela questão da água. Com um ambiente mais equilibrado, é mais fácil produzir”, diz Vieira. ”Se a gente fechar os olhos e derrubar tudo e pensar, ‘bem, eu não estarei aqui para ver o deserto’, isso já não é verdade. Estamos cada vez mais próximo disso. Ondas de incêndios, falta ou excesso de chuvas, o planeta já está sofrendo.”

A bioacústica, que é o monitoramento dos sons dos animais, e a ecoacústica, que é o estudo dos sons do ambiente para avaliar a diversidade de espécies, é extremamente importante nesse processo de busca por uma agricultura sustentável. O estudo da paisagem sonora pode ajudar as empresas a documentar a situação efetiva de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável dentro de práticas de governança ambiental como a ESG (Environmental, social, and governance).

“As empresas que estão preocupadas com ESG, crédito de carbono, são potenciais clientes do nosso produto, por ser facilitador de coleta de dados para documentar que a empresa está fazendo a diferença no meio ambiente. Cobre a degradação do meio ambiente com esses alertas para fazer algo antes que seja tarde demais, para conter o avanço do desmatamento. E com a parte de recuperação implantada, conseguimos avaliar a eficiência dos projetos de reflorestamento e perceber se tem algum animal que não deveria estar ali, como javali que destrói a lavoura , ações que podem indicar início de degradação em cada área”, explica o sócio fundador da Green Bug.

Ele pretende estender o projeto para monitoramento acústico aquático. “Uma empresa nos trouxe a questão de roubo de máquina do campo: com o nosso sistema, dá para saber que um trator foi ligado às 3h30 da manhã, por exemplo. E empresas de eucalipto perdem muitas vezes porque pessoas roubam suas árvores.”

Lavoura de soja (Foto: Corteva/Divulgação)
Lavoura de soja. Monitoramento da paisagem sonora pode ajudar na produção e na sustentabilidade (Foto: Corteva/Divulgação)

Recuperar áreas de floresta

Pensando em novas aplicações do seu amplo conhecimento de paisagens sonoras, o professor Linilson Padovese, coordenador do Laboratório de Acústica e Meio Ambiente da Universidade de São Paulo (Lacmam) está criando uma Organização Não Governamental (ONG) em busca de garantir o desenvolvimento sustentável e a biodiversidade, também de olho nesse movimento do agro em busca de equilíbrio com o meio ambiente. “Vejo com muito bons olhos esse movimento de sustentabilidade”, diz o cientista.

Há pesquisas que podem ajudar fazendas a recuperarem áreas de floresta. O Lacmam está realizando no momento uma avaliação da recuperação ambiental de duas áreas de Cerrado em Assis e Águas de Santa Bárbara, no interior de São Paulo, cujos sons foram gravados por um ano inteiro. Uma área foi cercada e a recuperação ocorreu naturalmente, enquanto que a outra teve um manejo, incluindo focos de incêndios controlados, uma vez que o Cerrado em estado virgem sobrevive com incêndios naturais.

Padovese avalia também a aplicação da pesquisa para os bichos, por meio da gravação da vocalização dos animais. Um de seus trabalhos, junto com outra área de Cerrado, em Itirapina, se baseia na detecção automática dos aulidos do lobo guará, a fim de melhorar o estudo dessas populações. “A gente tem detectado também tiros e disparos de arma de fogo, que podem ser de caçadores. E sons de veículos e rugidos de onças pardas”, conta Padovese.

Respiração das vacas

Mãe girolando afaga sua cria em pastagem no Brasil (Foto: Divulgação)
Vaca girolando em pastagem, junto com a cria. Pesquisa monitorou até a respiração das vacas da raça para ter dados sobre suas condições de saúde (Foto: Divulgação)

Outra pesquisa no universo da paisagem sonora foi realizada pela Embrapa Rondônia, que gravou os sons das vacas leiteiras da raça girolando, um cruzamento entre a raça Gir, da Índia, e da vaca da raça Holandesa. Essa mistura de raças foi importante no Brasil porque a raça Holandesa suporta menos o calor dos trópicos, enquanto que a Gir está mais acostumada.

O estudo começou com um projeto do pesquisador Eduardo Schmitt, então na Embrapa Rondônia, em 2015 e foi continuada pela zootecnista Ana Karina Salman, também pesquisadora da Embrapa Rondônia, após o pesquisador entrar para a Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Schmitt ainda participou da pesquisa mesmo à distância, que teve também a cooperação da Universidade Federal de Rondônia (Unir).

Salman conta que a idéia inicial era monitorar os sons que faziam quando pastoreavam, bebiam água, ruminavam e se mantinham em ócio para avaliar se, de fato, esses animais estão adaptados ao calor do País. A análise ocorria em vacas pastando em áreas sem árvores, descobertas, e em áreas com árvores e sombras, com gravadores presos ao pescoço dos animais.

Os sons, colocados em um software gratuito, geram padrões visuais que podem identificar cada uma das atividades. E foram validados com observações em campo, para garantir a segurança dos dados gerados. Se um animal bebe muita água, por exemplo, é um sinal de desconforto térmico. “Os animais, dependendo do que estão fazendo, quando você analisa o áudio, você observa um oscilograma, com diferentes padrões”, explica a cientista.

Esse estudo de uso de sons para analisar o comportamento do animal já era utilizado por pesquisadores no Rio Grande do Sul. No trabalho desenvolvido em Rondônia, a novidade foi a detecção da respiração do animal, um feito inédito nesse tipo de pesquisa, conta Salman. Os resultados, que foram publicados em 2020, revelaram que, apesar de serem resultado de um cruzamento que visa a resistência do animal à temperatura, vacas girolando expostas ao calor sem sombreamento sofrem com o calor, o que reduz a produção de leite.

“Observamos que os animais que pastam em área sombreada gastam 50% menos tempo ingerindo água que os animais na pastagem a pleno sol e também pastam por tempo maior”, explica a pesquisadora, que sonha agora em desenvolver um sistema de inteligência artificial capaz de identificar automaticamente os padrões de freqüência respiratória dos animais.