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Sociobioeconomia: uma resposta para a crise climática

Sociobioeconomia: uma resposta para a crise climática

A resposta que precisamos para a crise climática passa pela floresta, pela biodiversidade e pelos povos que ali vivem, num modelo que seja bom tanto para os negócios quanto para as pessoas

O mundo acaba de bater o recorde de ano mais quente já visto. No último dia 6 de dezembro, o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S) declarou que 2023 será o ano mais quente já registrado na história, com a temperatura média global tendo atingido 1,46°C acima da média registrada entre os anos de 1850 e 1900. Ou seja, já batemos na trave do limite de 1,5°C previsto no Acordo de Paris. No Brasil, pudemos sentir os reflexos desse sintomático recorde na forma de seca histórica na Amazônia, enchentes na região Sul, vendaval seguido de apagão em São Paulo, só para citar alguns dos desastres climáticos ocorridos nos últimos 12 meses, que geraram mortes, deslocamento de pessoas, isolamento, falta de acesso a itens essenciais como água e comida, entre outras perdas.

É diante deste cenário, e ocupando o ranking do 6º país mais emissor de gases de efeito estufa, que o Brasil chegou a mais uma edição da Conferência do Clima da ONU, a COP 28, em Dubai. A posição do Brasil no ranking atual de emissores se deve às mudanças de uso da terra, principalmente desmatamento da Amazônia, que responderam por 48% das emissões globais do Brasil, de acordo com o Observatório do Clima (2023).

Portanto, a resposta do Brasil para a crise climática passa necessariamente por suas florestas.

O Brasil está fazendo o dever de casa no que se refere a fortalecer as ações de comando-controle para conter e reduzir o desmatamento. Entre janeiro e setembro, o Brasil obteve uma redução de 49,4% nos alertas de desmatamento na Amazônia, conforme dados do sistema DETER/INPE, mas é preciso que ela seja mantida para que o país possa alcançar sua meta de desmatamento zero até o final da década. No entanto, para além das ações fundamentais de contenção do ilegal e predatório, o país precisa estimular, criar as condições e financiamento necessário para impulsionar uma nova economia da floresta em pé. E não tem como pensar nessas soluções sem considerar o papel fundamental das populações tradicionais e povos indígenas.

Segundo dados do MapBiomas, monitorando 30 anos do avanço do desmatamento no Brasil, apenas 1,2% da perda de vegetação nativa veio de territórios indígenas e esse valor é muito próximo às áreas de populações tradicionais, enquanto as áreas privadas responderam por 19,9%. Ou seja, apesar da constante pressão das atividades ilegais nos territórios desses povos, observada nas últimas décadas, podemos considerá-los excelentes gestores de suas florestas.

Assim, o Brasil, enquanto o país com a maior floresta tropical e maior biodiversidade do planeta, tem todas as condições de alavancar uma das principais soluções para o enfrentamento da crise climática a partir da floresta: impulsionar um modelo responsável e efetivo de (socio)bioeconomia que mantenha a floresta de pé.

E esse parece ser o caminho que o Brasil está vislumbrando, quando ouvimos os anúncios e propostas feitas pela comitiva brasileira na COP 28. Um exemplo é a Coalizão Verde, presidida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que reúne 20 bancos de desenvolvimento da região Amazônica, além do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial. Lançada em agosto na Cúpula da Amazônia, a Coalizão anunciou na COP que pretende mobilizar até US$ 20 bilhões para o desenvolvimento sustentável da Amazônia até 2040. Outra iniciativa apresentada foi o Plano de Transformação Ecológica, que pretende promover o desenvolvimento sustentável no Brasil a partir de seis eixos, como transição energética e nova infraestrutura e adaptação às mudanças climáticas. O Brasil também apresentou sua proposta para a manutenção de florestas tropicais, por meio da criação do Fundo Floresta Tropical para Sempre (FFTS), que seria subsidiado com aportes de fundos soberanos de países como Noruega, Emirados Árabes Unidos e China. O Brasil quer que o Fundo receba um aporte inicial de U$S 250 bilhões para começar a funcionar.

Instrumentos financeiros que viabilizem e estimulem a conservação das florestas e esse novo modelo de economia descarbonizada da floresta em pé são fundamentais. Contudo, estas propostas, apesar de parecerem promissoras, soam ainda incipientes e, além disso, precisam avançar em suas formas de gestão e implementação, no sentido de assegurar que parte importante desses recursos cheguem na ponta, para valorizar e impulsionar os negócios dos bons gestores das florestas e os serviços prestados por eles a todo o planeta.

As populações tradicionais e povos indígenas, portanto, têm muito a contribuir com a implementação dessas novas soluções e modelos econômicos, capazes de conciliar economia descarbonizada, geração de renda, conservação da floresta e biodiversidade e contribuição para a redução da pobreza e desigualdade social no nosso país.

Diversos modelos de negócios comunitários envolvendo a economia da sociobiodiversidade praticada pelos povos da floresta estão disseminados e em operação pela Amazônia, e fora dela, com iniciativas reconhecidas e premiadas, que valorizam os modos tradicionais de uso da floresta, como o extrativismo responsável, o manejo da pesca, as roças tradicionais.

Esse caminho é a chave para que o Brasil possa retomar o posto de protagonista das negociações climáticas e chegar em Belém, na COP 30, com soluções e resultados concretos no combate ao desmatamento e promoção dessa nova economia da floresta, descarbonizada, mais justa e inclusiva.

*Patrícia Cota Gomes é diretora-executiva adjunta do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e articuladora da rede Origens Brasil®.