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Sete em cada dez brasileiros acreditam que as mudanças climáticas podem “prejudicar muito” suas famílias

Sete em cada dez brasileiros acreditam que as mudanças climáticas podem “prejudicar muito” suas famílias

Ameaça está cada vez mais presente no cotidiano e mente da população, mostra pesquisa de percepção sobre o tema. “Eleições serão históricas para o Brasil e Amazônia”, diz especialista

Quando o céu da capital financeira do Brasil repentinamente escureceu em plena tarde de uma segunda-feira em agosto de 2019, não foram só os paulistas que se assustaram. O país inteiro repercutiu o “dia que virou noite”, resultado da combinação de uma frente fria com as fumaças vindas de uma série histórica de incêndios na Amazônia.

Para muitos, a cena apocalíptica foi a “materialização” do avanço de atividades ilegais na maior floresta tropical do mundo e também dos riscos associados às mudanças climáticas e o aquecimento global, como as queimadas, que podem aumentar 50% até o final deste século com os dias mais quentes e secos. No findar de 2021, fortes temporais concentrados em poucas horas atingiram dezenas de cidades no sul da Bahia, causando estragos locais e desabrigando milhares de pessoas, um evento que os especialistas chamaram de “atípico e extremo”.

Enquanto isso, metade das cidades na vizinha Minas Gerais decretaram estado de emergência frente às enchentes e parte da população de Pará de Minas (MG) teve que ser evacuada por causa do risco de rompimento da barragem de uma hidrelétrica. Fevereiro de 2022: Petrópolis chora seus mais de 200 mortos na tragédia mais fatal da cidade — no dia 15 daquele mês choveu em 24 horas o maior volume já registrado nos últimos 90 anos.

A cada dia que passa, o Brasil experimenta de forma particularmente aguda os efeitos de um clima extremo, que são exacerbados por falhas crônicas da gestão pública e políticas de infraestrutura e prevenção eficazes contra desastres. Essa dupla ameaça — clima extremo e inação política — tem sido ponto de preocupação para os brasileiros, segundo uma nova pesquisa que analisou a percepção da população sobre as mudanças climáticas. Para 75% dos entrevistados, o aquecimento global pode lhes afetar e também “prejudicar muito” suas famílias. A consciência ambiental é o pano de fundo: seis em cada dez se dizem “muito preocupados” com o meio ambiente, enquanto 26% se declararam preocupados.

“É o segundo ano que vemos que o Brasil se preocupa muito com o aquecimento global, com 9 em cada dez pessoas acenando para o tema. Isto quebra o mito de que clima é preocupação de esquerda [e menos de direita]. Esta é uma agenda que abrange vários espectros da sociedade. Agenda de clima é uma agenda brasileira e existe uma expectativa que os políticos respondam a isso neste ano eleitoral”, disse Fabro Steibel Diretor Executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), durante a divulgação dos resultados do estudo na quarta-feira (9/3).

A pesquisa de opinião, encomendada pelo ITS Rio e conduzida pelo IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), ouviu 2.600 pessoas de todas as regiões do país em entrevistas por telefone realizadas entre os meses de setembro e novembro do ano passado. O questionário utilizado para a coleta dos dados foi traduzido e adaptado da pesquisa nacional sobre percepção de clima dos Estados Unidos, realizada pelo Programa de Mudanças Climáticas da Universidade de Yale (Yale Program on Climate Change Communication). Foram também adicionadas perguntas relativas à realidade brasileira, como por exemplo as queimadas na região amazônica.

“A cada ano a população percebe um aumento das queimadas e 86% dos brasileiros acreditam que as queimadas prejudicam a imagem do Brasil no exterior”, disse a diretora de inteligência do Ipec, Rosi Rosendo.

Entre as principais razões para as queimadas, 76% da população responsabiliza as atividades de madeireiros, 40% os agricultores, 49% os pecuaristas e 43% os garimpeiros. Questionados sobre quem pode contribuir mais para resolver o problema das queimadas na Amazônia, metade da população (50%) espera que a solução parte dos próprios governos, 21% dos cidadãos, e 13% das indústrias e empresas. “Um dado que mostra a importância da questão das regulamentações e fiscalização por parte do poder público. Existe uma percepção grande sobre a importância do papel governamental para solucionar essa questão”, destacou Rosendo.

Negacionismo na berlinda

Um dos pontos altos da pesquisa foi mostrar que a preocupação com o aquecimento global e as mudanças climáticas perpassa praticamente toda a população brasileira e que há pouco espaço para posições negacionistas: 96% dos brasileiros acreditam que o aquecimento global está acontecendo e que as ações humanas são a principal causa. Essa convicção implica uma maior demanda por soluções e informações.

Embora oito em cada dez entrevistados tenham dito que consideram importante a temática, só 21% disseram “saber muito” sobre o assunto. No geral, a maior parte dos brasileiros (87%) tem se informado sobre temas gerais, incluindo mudanças climáticas e questões ambientais, via sua rede próxima de contatos, como familiares, amigos e colegas de trabalho.

“A sociedade brasileira está informada e preocupada, mas não sabe muito [sobre o assunto]. Ela precisa de mais informação, sobretudo prática, como empresas, governos e pessoas podem resolvem o problema climático. Independentemente de classe social, educação, idade, orientação política, a população está atenta ao tema”, avaliou o jornalista Sérgio Abranches, especialista em ambiente na rádio CBN, que integra o movimento Um Só Planeta, maior plataforma de jornalismo focada no combate às mudanças climáticas. Segundo ele, a pesquisa põe por terra o mito de que a pauta ambiental não é popular do ponto de vista político. “A pesquisa mostra uma grande expectativa, mas que é frustrada pela falta de ação dos representantes públicos”, ressaltou.

Para Anthony Leiserowitz, diretor da Yale Programme on Climate Change Communication, historicamente, as mudanças climáticas sempre foram descritas como problemas globais e distantes. Não mais. “O problema já está aqui e agora”, disse. “O Brasil tem passado por secas recordes e inundações, e as pessoas estão atentas aos efeitos sobre a sociedade, a economia e a natureza […] É surpreendente ver o consenso forte que há em torno do tema aqui”, afirmou, lamentando a polarização que ainda ocorre na sociedade americana. Segundo ele, isso demonstra o potencial de mudança a caminho.

“Vocês terão uma das eleições mais importantes este ano, que vai determinar o futuro do Brasil, do meio ambiente e da Amazônia. Os brasileiros logo mais farão decisões históricas”, cravou. Segundo a pesquisa de opinião, 45% dos entrevistados declararam que já votaram em algum político em razão de suas propostas para a defesa do meio ambiente. Sinal de que a preocupação ambiental vem ganhando espaço no caminho até as urnas.