Anchor Deezer Spotify

Série documental propõe quatro medidas às empresas de alimentos para revolucionar o setor

Série documental propõe quatro medidas às empresas de alimentos para revolucionar o setor

Produção ouviu empresários e executivos de gigantes como Carrefour, Coca-Cola e Nespresso, e também iniciativas de pequenos empreendedores inovando em seus negócios

A agricultura, segunda atividade que mais emite gases de efeito estufa, responde por cerca de 18,4% das emissões globais. Pela relevância no cenário global de mudanças climáticas, agravadas pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera, a produção de alimentos vem sendo questionada. Para além do cenário climático, a agricultura também têm impactos na perda de biodiversidade, na qualidade do solo e no desmatamento mundo afora.

De acordo com o relatório “O grande redesenho de Alimentos”, da Fundação Ellen MacArthur, as 10 maiores empresas alimentícias e supermercados do planeta detém a capacidade de transformar 40% da área agricultável no Reino Unido e na Europa continental, onde a pesquisa foi realizada. Esses grandes players podem fazer a transição desejada — com benefícios ambientais, econômicos e de produtividade — reformulando seus produtos a partir de um desenho circular de alimentos com quatro aspectos: ingredientes diversos, de menor impacto, reciclados e produzidos regerativamente.

Ingredientes diversos

Para aumentar a diversidade genética de vegetais e animais e, portanto, construir resiliência no fornecimento de alimentos (estando menos expostas às perdas por pragas ou intempéries climáticas), as empresas podem incorporar uma gama mais ampla de ingredientes em seus portfólios de produtos.

Ingredientes de menor impacto

O texto elenca alguns ganhos ao trocar ingredientes de culturas de maior impacto para culturas de menor impacto, como, por exemplo o de uma redução de 40% nas emissões e de 5% na perda de ao substituir a farinha de trigo convencional por farinha de ervilha em uma caixa de cereal matinal.

Ingredientes reciclados

Estimativas dão conta de que um terço dos alimentos são perdidos ou desperdiçados. Ao evitar enviar estes recursos para aterros sanitários aliviamos a pressão sobre a terra, maximizamos o retorno dos investimentos em terras, energia e outros insumos e reduzimos a emissão de gases de efeito estufa nos aterros.

Ingredientes produzidos regenativamente

A pesquisa identificou que, em média e após um período de transição, uma produção regenerativa aumenta a produção total de alimentos e fornece lucratividade adicional para os agricultores, ao mesmo tempo que gera benefícios significativos para o clima e a biodiversidade.

Repensando produtos para regenerar a natureza

Com base nesse estudo, a Fundação Ellen MacArthur desenvolveu uma série documental de 5 e pisódios que está sendo lançada hoje (18/4) e busca fortalecer e estimular a ação de atores do setor alimentício na América Latina. A série “Design circular de alimentos – repensando produtos para regenerar a natureza”, que pode ser assistida aqui, apresenta casos de empresas do Brasil e da Colômbia que estão repensando os seus produtos e suas cadeias de suprimento para provocar um impacto positivo na natureza.

Os exemplos apresentados, que trazem nomes como Nespresso, Mãe Terra, Wickbold e Carrefour, utilizam um ou mais aspectos do modelo de “design circular de alimentos” proposto pela fundação. No último episódio, a série também ressalta o papel dos varejistas na hora de facilitar a entrada de produtos com essas características nos supermercados. A produção contou com a participação de 14 organizações e as filmagens aconteceram nos estados brasileiros de São Paulo, Minas Gerais e Amazonas, e nas cidades colombianas de Bogotá, Ventaquemada e Sincelejo.

“O design circular de alimentos é uma proposta de solução para que o nosso sistema de alimentos passe a ajudar a natureza a prosperar. No modelo, explicamos que o ideal é que as quatro oportunidades de design sejam consideradas em conjunto para atingir todos os benefícios potenciais”, afirma Milena Lumini, que foi produtora executiva da série e é gerente de Comunicação da Fundação Ellen MacArthur para a América Latina. “Essa é uma ideia inovadora e por isso a utilização conjunta das quatro oportunidades aplicada aos produtos alimentícios ainda não tem muita visibilidade. Mas já identificamos bons exemplos de organizações que estão olhando para algumas dessas oportunidades.”

Várias das organizações inovadoras atuam na América Latina. Com a série documental, a Fundação espera dar destaque aos bons exemplos e incentivar outras empresas a promover as mudanças.

Um episódio mostra como as empresas podem aproveitar a biodiversidade local para gerar impacto positivo (enquanto criam produtos alimentícios únicos). Entre os exemplos, estão a Coca-Cola e as empresas colombianas Tesoros Nativos e Selva Nevada.

Nascida em 2008, a Tesoros Nativos é uma empresa familiar que recupera e cultiva espécies nativas de batata, a fim de vendê-las para restaurantes ou produzir seus salgadinhos e cervejas. Assim como em outros países da América do Sul, na Colômbia diversas espécies de batatas que eram parte da cultura e da alimentação local foram deixadas de lado ao longo dos séculos por conta da massificação de algumas poucas espécies. Há 13 anos, Pedro Briceño começou a plantar esses produtos ancestrais como hobby, mas logo viu o potencial da sua atitude e passou a contar com a colaboração de dezenas de famílias que cultivam essas batatas de cores e sabores tão variados. No vídeo, Judy Briceño, gerente geral da empresa, conta que existem cerca de 800 espécies de batatas espalhadas pela Colômbia e que a empresa trabalha com 43 delas – até o momento.

Incentivando o cultivo do guaranazeiro ao lado de outras espécies nativas, o programa contribui para a conservação da biodiversidade. Além disso, possibilita maior rastreabilidade da produção e comprovação de origem.⁣⁣ Produtores na Amazônia precisam ser envolvidos na agricultura regenerativa em sistemas agroflorestais, afirma João Carlos Jr., especialista em Agricultura Sustentável na Coca-Cola.

Produtores rurais de cooperativa atendida pelo programa "Olhos da Floresta", parceria da Coca Cola com o Imaflora — Foto: Reprodução / redes sociais

Produtores rurais de cooperativa atendida pelo programa “Olhos da Floresta”, parceria da Coca Cola com o Imaflora — Foto: Reprodução / redes sociais

A Selva Nevada, também retratada no episódio sobre biodiversidade, vende sorvetes, polpas e infusões feitos com frutas da biodiversidade colombiana cultivadas em sistemas agroflorestais ou coletadas de forma sustentável das florestas por 11 comunidades produtoras de diferente regiões do país. Entre os sabores de sorvete estão camu camu e açaí, árvores frutíferas da Amazônia, e corozo, comum no caribe colombiano.

O terceiro episódio mostra como empresas no Brasil ajudam a evitar o desmatamento por meio de parcerias comerciais com comunidades tradicionais na Amazônia.

A Wickbold, uma das empresas da rede Origens Brasil, compra castanhas de extrativistas, quilombolas e povos indígenas de três territórios: Xingu, Calha Norte e Rio Negro. “Em 2010, lançamos um pão chamado castanha-do-pará e quinoa que acabou se tornando um dos pães especiais mais vendidos do Brasil e consequentemente a gente acabou virando um grande comprador de castanhas”, diz Pedro Wickbold, diretor-geral na Wickbold. “Em 2016, o Imaflora nos abordou contando um pouquinho da ideia da Rede Origens e, desde 2016, já compramos 865 toneladas das regiões protegidas.”

Por meio do projeto, a empresa mantém relação comercial direta com esses povos, contribuindo para a conservação dos territórios, a valorização dessas culturas e para a preservação da floresta em pé. Segundo a empresa, a relação comercial inclui garantia de compra, contratos de longo prazo, pagamento de preço justo, redução de intermediários e negociação direta com as populações.

Já a empresa Mãe Terra criou um produto de mix para risoto que leva diversos ingredientes amazônicos, incluindo 11 tipos de cogumelos brasileiros colhidos pelo povo indígena Yanomami, também adquiridos via rede Origens Brasil. “Foi crucial para a gente aprender a expectativa que os Yanomamis tinham, sobre quais as indústrias e marcas com que eles queriam trabalhar; e realmente aprender a trabalhar com os povos originários”, diz Patrícia Gomes, do Imaflora, gestora e articuladora da Rede Origens.

No quarto episódio da série o assunto é regeneração. Por meio de quatro conversas de peso, a fundação mostra como empresas que incorporaram a agricultura regenerativa contribuem para um solo mais saudável e uma produção de alimentos mais sustentável.

Nespresso, Guima Café e reNature são parceiras em uma empreitada para ajudar os cafeicultores na transição para a agricultura regenerativa. A Guima Café, com suas duas fazendas repletas de mata nativa localizadas nos municípios de Patos de Minas e Varjão de Minas, em Minas Gerais, é uma das fornecedoras da Nespresso que recebeu apoio e hoje conta com o certificado da RainForest Alliance, do Certifica Minas, o selo AAA da Nespresso e a certificação Café Practices.

“Agricultura regenerativa foi um tema que deu resposta clara para um dos principais desafios que temos globalmente, que se chama mudanças climáticas”, diz Guilherme Amado, diretor Regional de ESG e Sustentabilidade na Nespresso Brasil. “Dentro da nossa estratégia de sustentabilidade, que se chama ‘the positive cup’, ou “a xícara positiva”, o regenerativo foi identificado como um pilar central da nossa estratégia global.”

A ReNature é mais uma aliada nessa iniciativa cafeeira. A empresa, que tem como meta regenerar 100 milhões de hectares de terra em todo o mundo e apoiar 10 milhões de agricultores na transição para a agricultura regenerativa até 2035, também tem projetos em transição em outros países da América Latina. “Os projetos de agricultura regenerativa vieram de um diagnóstico personalizado para as nossas fazendas, inclusive o da arborização. Em parceria com a Nespresso e com a reNature, escolhemos as árvores que melhor se adaptavam à nossa região e a nossa propriedade”, conta Lucimar Silva, diretora de Operações.

“Os três principais desafios para atingir escala na agricultura regenerativa na América Latina são comportamento e a mentalidade dos produtores; a questão da tecnologia, usar a tecnologia para monitorar os indicadores de impacto; e o terceiro, e mais importante também, é a questão de instrumentos financeiros”, resume Felipe Villela, cofundador da reNature.

Ainda neste episódio, Fabio Sakamoto, cofundador da Rizoma Agro, conta como a empresa se tornou a maior produtora de grãos e leguminosas orgânicas regenerativas do Brasil e líder no desenvolvimento de sistemas agroflorestais. A Rizoma possui ao todo mais de 2 mil hectares em produção e desenvolve três tipos de sistemas agroflorestais, regenerativos e orgânicos, com foco em fruticultura, grãos e leguminosas. Os índices de produtividade são iguais ou até superiores aos da agricultura convencional.

“Com os grãos, além de a gente não usar nenhum pesticida, herbicida ou adubos químicos, a gente usa rotações que ajudam a recuperação daquele solo”, diz Sakamoto. “Você sempre pensa o sistema no tempo — como você parte de uma terra com pouco teor orgânico, um pasto ou terra de agricultura convencional degradada, e com as rotações você vai melhorando isso ao longo do tempo.”

Para fechar, o último episódio da série fala sobre o importante papel dos varejistas para fazer com que esses produtos cheguem aos consumidores e se tornem mais conhecidos.

Lúcio Vicente, diretor de Sustentabilidade do Carrefour Brasil, conta mais sobre o movimento Act for Food, que repensa a cadeia de alimentos considerando que as práticas atuais não são adequadas para atender às necessidades de uma população crescente e sob uma crise climática. “Grande parte do nosso portfólio hoje tem como estratégia aumentar ou ampliar produtos que ajudam na preservação natural dos biomas”, explica. Lúcio se refere a produtos que, muitas vezes, não são conhecidos pelo consumidor e precisam ser apresentados ao mercado.

Dentro dessa estratégia, uma das iniciativas do grupo é trazer para o consumidor final produtos identificados com o selo “Da nossa terra”, produzidos por comunidades locais e que ajudam a preservar o meio ambiente. Com a iniciativa, o Carrefour também facilita o acesso de pequenos agricultores às suas prateleiras e oferece condições de pagamento vantajosas para esse produtor.

Romanna Remor, Cofundora e Head de Inovação da Viva Floresta, traz o ponto de vista de um ecommerce focado em produtos regenerativos. A plataforma oferece ainda a oportunidade do cliente financiar a plantação de árvores em agroflorestas e a conservação de biomas e comunidades em sistemas de extrativismo sustentável. Sem custo adicional, é possível escolher a iniciativa que será beneficiada. A doação ocorre de forma transparente, automatizada e rastreável pela Plataforma Pólen, instituição especializada em serviços de tecnologia para apoio a causas sociais.

“Temos bastante consciência de que a margem de lucro que praticamos não vai ser a mesma de um negócio tradicional, que produz alimentos em escala, com ingredientes muitas vezes fruto de commodities, altamente processados, com pouca interação humana, sem rastreabilidade”, diz Romanna. “A gente entende e faz parte desse jogo. Estamos dispostos a sentar à mesa, porque sabemos que o lucro acaba sendo uma composição maior, se somados o nosso resultado com o do produtor, com os benefícios do consumidor e o impacto geral que causa para a natureza, aí é infinitamente maior. É esse resultado que a gente busca”, conclui.