Quando a tristeza deixa de ser normal e se torna doença
Sentir-se triste faz parte da vida humana, mas há momentos em que isso pode sair do controle e afetar a saúde física e mental
Resultado da interação entre fatores genéticos e sociais, a tristeza acontece antes de tudo no cérebro para, depois, ser sentida no resto do corpo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, em todo o mundo, cerca de 120 milhões de pessoas sofram de tristeza profunda. O que tem alertado a comunidade médica, no entanto, é que esta modalidade de sentimento não deveria ser recorrente na população. A tristeza é natural. Contudo, em excesso, nenhuma sensação é saudável.
A psicóloga Bruna Falcão explica que as causas da tristeza estão associadas a diversos fatores, sejam eles biológicos, químicos ou sociais: “A tristeza é uma emoção e, por isso, é esperado e normal senti-la”. Entretanto, durante seus atendimentos, Bruna afirma que é mais comum se sentir triste em momentos específicos, como no luto; após o término de um relacionamento; durante uma frustração ou até mesmo em situações de doenças crônicas (que requerem acompanhamento médico). “Além disso, se importar com a opinião dos outros pode ser um gatilho para ficar triste”, a psicóloga explica que os impulsos variam de pessoa para pessoa.
No início da pandemia, o Núcleo de Educação Emocional do Centro de Educação, da Universidade Federal da Paraíba (CE/UFPB) divulgou que, diante de perdas irreparáveis (como as citadas por Bruna Falcão), os indivíduos sentem tristeza. Isto porque corpo e mente funcionam juntos, em uma harmonia que acontece até mesmo nos momentos mais graves, refletindo, no emocional, a interação entre o físico e o mental.
De acordo com a Professora Doutora Elisa Gonsalves Possebon, do CE/UFPB, uma prova de que a tristeza está atrelada, também, ao bem -estar físico é o efeito que a mesma tem no corpo de cada um. Se as pessoas estiverem tristes, é comum que sintam falta de ânimo, lentidão e ausência de apetite.
A relação apontada pelas especialistas foi, também, comprovada por uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (Fiocruz/ UFMG). Conforme os dados levantados, durante a pandemia, 48,7% dos adolescentes sentiram os impactos da covid- 19 diretamente no humor. Além disso, o consumo de doces, alimentos embutidos e congelados também aumentou consideravelmente entre os jovens brasileiros.
A piora na qualidade de vida, no entanto, não afetou apenas adolescentes. Em um estudo da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, o perfil dos hábitos adotados por adultos na pandemia demonstrou que o emocional da população economicamente ativa do Brasil foi amplamente afetado.
Conforme a pesquisa, 40% dos brasileiros sentiram tristeza ou depressão na pandemia, momento que, para milhares de pessoas, transformou a emoção em doença. Ao todo, 34% dos fumantes passaram a consumir uma quantidade maior de cigarros diariamente e mais de 17% dos entrevistados aumentou o consumo de álcool após a pandemia. Além disso, o quadro comportamental da população foi alterado pelo isolamento social, quando a prática de atividades físicas caiu 17,8%, ao passo que o tempo médio de tela da população passou de uma hora e meia.
Reação e busca por ajuda são fundamentais
Segundo a psicóloga Bruna Falcão, é necessário que as pessoas reajam à tristeza tanto quanto reagem à felicidade: “Não podemos deixar de sentir. Por ser uma emoção negativa, tendemos a evitar a tristeza”. Para Bruna, mesmo duro, este sentimento pode trazer resultados positivos na vida das pessoas; possibilitando inúmeros questionamentos e reflexões sobre a vida e seus desdobramentos na interação cotidiana de cada um.
“Percebi que o problema estava ficando grave quando, depois de ficar semanas trancada no quarto, tive uma infecção urinária grave”. A declaração é da jovem Maria Luísa, que preferiu não ser identificada, mas, aos 20 anos, acompanhou sua tristeza se tornar, aos poucos, ansiedade.
Maria Luísa trabalha em uma agência de produção midiática da capital paraibana e conta que sempre foi agitada, mas, até a pandemia chegar ao Brasil, isso nunca foi um problema em sua vida. “Tudo começou com o isolamento social. Além de não poder circular pelas ruas, comecei a ficar desesperada quando precisava fazer isso”, tividades simples, como uma ida ao supermercado, se tornaram torturantes para Maria.
Gradativamente, a moderadora de conteúdo digital se isolou não apenas do convívio presencial, mas também da interação social. Isso porque, segundo ela, além do receio de se contaminar pelo coronavírus, o ano passado também trouxe a tristeza das diversas perdas que teve em seu núcleo familiar e de amigos. “Outro fator determinante f i a pressão do trabalho. Em casa, perdi meus horários e descobri o quão tóxica é a configuração de trabalho em que estou inserida atualmente”, afirmou a jovem que, em breve, pretende iniciar em um novo emprego.
Em análise aos incontáveis danos gerados pela pandemia à saúde menta da população, Bruna Falcão, explica que quando a tristeza começa a acontecer com frequência, atrapalhando outras áreas da vida das pessoas, está na hora de buscar ajuda. “Nestes casos, podemos ficar em alerta para o surgimento da depressão”.
Maria afirma que, inicialmente, não conseguia discernir que o remédio do isolamento estava se tornando, também, o veneno da ansiedade. Foi apenas quando precisou ser i ternada por infecção urinária que a jovem notou que, sem escovar os dentes ou tomar banho diariamente, havia perdido o asseio pessoal e, junto com ele, o apreço pela vida. “Naquele dia decidi que, quando recebesse alta, procuraria ajuda. Foi a melhor coisa que fiz por mim nestes últimos anos”, constata.
Em casos como o de Maria Luísa, a psicóloga Bruna Falcão aconselha que, pessoas que se identifiquem com a história da jovem, tomem a mesma atitude o quanto antes: “A ajuda especializada deve ser considerada como a principal forma de tratame to, sobretudo quando a tristeza já sinaliza a depressão”. A profissional aponta, ainda, que outras atividades podem ter ação terapêutica, como a prática de exercícios físicos, a dedicação a momentos de lazer, o convívio com animais de estimação e a presença de uma rede de apoio para contar nas horas mais difí eis.
Mulheres são mais afetadas pelo problema
Após mais de três milhões de brasileiros perderem seus empregos no primeiro ano de pandemia, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), grande parte da população passou a lidar com a sobrecarga doméstica. Neste contexto, o peso da pandemia foi especialmente sentido por mulheres que, de acordo com pesquisa feita pelo Instituto FSB para Confederação Nacional da Indústria (CNI), foram mais afetadas ao vivenciarem a realidade pandêmica. Em comparação com os homens, 82% das mulheres se sentiram tristes enquanto 67% dos homens entrevistados acusaram terem sofrido do mesmo mal durante a pandemia de covid-19.
Bruna Falcão destaca que a prevalência dos transtornos mentais se concentra no universofeminino. “Considerando que a tristeza é um sentimento muito presente na depressão e ansiedade, podemos dizer que a mulher pode vir a ter mais gatilhos que a deixe triste”, explica. A pesquisa do Instituto FSB também apontou que, além do medo e da tristeza, outra realidade na vida das mulheres brasileiras foi o cansaço, que cerca a vida de 66% das entrevistadas. Bruna acredita que este seja um dos principais fatores para a exaustão mental de uma mulher.
“A jornada intensa dos inúmeros papéis que a mulher exerce na sociedade diz muito sobre nossa sociedade: mulher, profissional, mãe, companheira, filha, amiga, etc”, a psicóloga enfatiza que lidar com todas as demandas, com o machismo e com a cobrança constante sobre suas vidas são indicadores de risco para o psicológico feminino.