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Progressos na medicina e na sociedade levam a revolução na longevidade

Progressos na medicina e na sociedade levam a revolução na longevidade

Em 1940, a expectativa de vida média do brasileiro era de 45,5 anos. Pois foi precisamente naquela década que nasceram os homens e mulheres que dão cara à revolução na qual vivemos hoje: os octogenários cheios de vida. Representados nesta reportagem por personalidades como os atores Rosamaria Murtinho, Mauro Mendonça, Renato Aragão, Ilva Niño, o empresário Abílio Diniz e os médicos Angelita Habr Gama e Joaquim Gama Rodrigues, eles demonstram que não só estamos vivendo mais, mas também muito melhor. Os octogenários de hoje são ativos e vivem plenamente.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016 o Brasil tinha 3,4 milhões de idosos com mais de 80 anos. Projeções indicam que hoje já seriam 4,2 milhões. E o número de octogenários segue crescendo. Em 2060, acredita-se que serão 19 milhões.

SA São Paulo ( SP ) 10/09/2021 Boa vida aos 80 anos ,O casal Angelita Habr Gama e o Joaquim Gama Rodrigues. Ambos médicos cirurgiões importantes, na linha de frente. Foto: Edilson Dantas / O Globo
SA São Paulo ( SP ) 10/09/2021 Boa vida aos 80 anos ,O casal Angelita Habr Gama e o Joaquim Gama Rodrigues. Ambos médicos cirurgiões importantes, na linha de frente. Foto: Edilson Dantas / O Globo Foto: Edilson Dantas / edilson dantas

Todo mundo quer uma vida longa. Mas, sobretudo, todo mundo quer viver bem. Para o epidemiologista Alexandre Kalache, do Centro Internacional de Longevidade, do Rio, os idosos têm hoje outro papel na sociedade.

— Queremos envelhecer não no aposento, que inspira a palavra aposentadoria, mas na sala da frente. Quando nasci, em 1950, tinham 14 milhões de pessoas com mais de 80 anos no mundo. Depois dos 60, a pessoa já estava envelhecida, era invisível, e era excepcional alcançar os 80. Em 2050, chegará a 388 milhões. Hoje, o grupo da população que mais cresce é dos com mais de 80. Estamos em plena revolução da longevidade — afirma.

Dois fatores foram preponderantes para essa mudança: a prevenção e a detecção precoce de doenças. No caso da prevenção, houve uma conscientização sobre o que faz bem e o que faz mal. Por exemplo, há 40 anos, o Brasil era um país de fumantes, mas conseguiu reverter esse cenário. O Vigitel, que realiza a vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico, apontou no último levantamento que só 9,8% dos brasileiros eram fumantes. A noção do que é uma alimentação saudável ou da importância da prática de atividade física também cresceu.

Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça

Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça Foto: Agência O Globo

Avanços parecem ficção

Detectar os problemas no início foi a chave para que as doenças crônicas associadas ao envelhecimento pudessem ser controladas e, com isso, as pessoas passassem a viver mais tempo.

— Hoje, máquinas poderosas encontram um câncer ainda capaz de ser curado. Ou um problema cardíaco, com cânulas no interior do coração. Os exames de ultrassom, ressonância e tomografia computadorizada foram revolucionários — diz Kalache:

— Eu era estudante de medicina quando se falava em marca passo, e hoje temos os stents. A catarata era um perrengue, hoje a cirurgia é tranquila. Os aparelhos para evitar surdez são moderníssimos. Além disso, foram desenvolvidos tratamentos para conter obesidade, tabagismo, pressão arterial, diabetes. O número de medicações também cresceu enormemente.

Mas, apesar dos avanços, há desafios. Na parte científica, talvez um dos maiores seja o Alzheimer. Na parte social, a diferença entre ricos e pobres, como afirma a geriatra Maísa Kairalla, coordenadora do ambulatório de transição de cuidados da Geriatria e Gerontologia da Unifesp:

— A expectativa de vida no mundo nesse período diminuiu três anos. Envelhecer não é mais tranquilo porque ainda é difícil pegar o ônibus, buscar o remédio.

‘Superidosos’ estão cada vez mais ativos

Para envelhecer bem, é preciso se preparar, não só fisicamente, mas também econômica e emocionalmente, conforme explicam os especialistas.

— A genética conta menos para a longevidade, apenas 25% a 30%. Quem faz a diferença é a gente. E nunca é tarde para se preparar, fazendo atividade física, poupando recursos, criando vínculos sociais, de família e amigos. Envelhecer não pode ser um problema, a pessoa tem que estar ativa, seja trabalhando, viajando, namorando ou cuidando dos netos. E ter vontade de viver, ter propósito — diz Kalache.

Sobre essa vontade de viver, a antropóloga Mirian Goldenberg acaba de lançar o livro “A invenção de uma bela velhice” (ed. Record). Segundo ela, pessoas acima de 80 anos que são lúcidas, saudáveis e ativas são chamadas de “superidosos”.

— Essas pessoas conseguem chegar nessa fase com saúde, projetos, alegria de viver, lucidez, amizades, e muito aprendizado. São superidosos porque superam as expectativas para a idade deles, muitos estão melhores do que pessoas bem mais jovens. O que eles têm de diferente? Valorizam o tempo presente, não reclamam de passado, não pensam muito no futuro, não falam em morte. Têm um amor pela vida que não encontro nas outras gerações. Sabem que o bem mais precioso não é ter milhões de cliques, ganhar dinheiro, ficar magra, é o tempo presente — afirma.

Goldenberg faz um acompanhamento de um grupo de cerca de 30 superidosos e conta que, quando a pandemia começou, no ano passado, o impacto foi muito grande:

— O maior valor para eles é a autonomia, a liberdade, poder ir ao supermercado, encontrar amigos, ir à academia de ginástica.