A terapia ajudou Sam a reconhecer sua experiência como “mais do que apenas falhas na criação dos filhos” e processar seu impacto psicológico. “Acabei entendendo que ‘abuso’ e ‘negligência’ eram palavras que descreviam a minha infância. Só porque não fui o alvo, isso não significa que não fui prejudicada.”
Ela concorda com Coleman que “está se tornando mais aceitável socialmente” cortar laços com membros da família. “Agora se fala mais sobre a saúde mental e é mais fácil dizer: ‘essas pessoas fazem mal para minha saúde mental’. Também acho que as pessoas estão ficando mais confiantes para traçar seus próprios limites e dizer ‘não’ para as pessoas.”
O aumento do individualismo
Coleman argumenta que o aumento do nosso foco sobre o bem-estar social vem sendo acompanhado de outras tendências mais amplas, como a mudança para uma “cultura mais individualista”. Muitos de nós confiam muito menos nos parentes que as gerações anteriores.
“Não precisar de um membro da família para ter apoio ou porque você planeja herdar a fazenda da família significa que a escolha das pessoas com quem passar o tempo é mais baseada nas nossas identidades e aspirações de crescimento que na sobrevivência ou necessidade”, explica ele. “Atualmente, nada une um filho adulto a um pai ou mãe além do anseio daquele filho adulto por ter esse relacionamento.”
O aumento das oportunidades de viver e trabalhar em cidades ou até países diferentes das nossas famílias quando adultos pode também ajudar a facilitar o rompimento com os pais, simplesmente devido à distância física.
“Mudar de cidade agora é muito mais fácil para mim do que provavelmente teria sido 20 anos atrás”, concorda Faizah, que é cidadã britânica com ascendência asiática e vem evitando viver na mesma região da sua família desde 2014.
Ela afirma que rompeu os laços com seus pais devido a comportamentos “controladores”, como evitar que ela comparecesse a entrevistas de emprego, desejar ter influência sobre suas amizades e pressionar para que ela se casasse logo depois de terminar seus estudos. “Eles não respeitavam meus limites”, afirma ela. “Eu quero apenas ser dona da minha vida e fazer minhas próprias escolhas.”
O impacto do distanciamento
Existem fortes pontos positivos para muitos filhos adultos que se distanciaram do que eles acreditam ser relacionamentos prejudiciais com seus pais. “As pesquisas demonstram que a maioria dos filhos adultos acredita que foi melhor assim“, segundo Coleman.
Mas, embora melhor saúde mental e a sensação de maior liberdade sejam resultados comuns do distanciamento, Pillemer argumenta que a decisão pode também criar sentimentos de instabilidade, humilhação e estresse.
“O rompimento ativo e intencional de laços pessoais é diferente de outros tipos de perda”, explica ele. “Além disso, as pessoas perdem os benefícios práticos de ser parte de uma família: apoio material, por exemplo, e a sensação de pertencerem a um grupo estável de pessoas que se conhecem bem.”
Sentimentos de solidão e vergonha parecem ter se exacerbado durante a pandemia para muitas pessoas que se distanciaram da família. O “boom do Zoom” permitiu que algumas famílias se sentissem mais próximas e mantivessem contato com mais regularidade, mas pesquisas recentes no Reino Unido sugerem que os adultos com laços cortados sentiram ainda mais falta da vida em família durante o lockdown.
Outros estudos indicam que o Natal e outras festas religiosas são períodos muito difíceis para parentes que se afastaram.
“Tenho minha própria família, meu companheiro e meus amigos próximos, mas nada substitui as tradições que você construiu com seus pais”, concorda Faizah. Agora na casa dos 30 anos de idade, ela ainda acha o feriado muçulmano Eid al-Fitr (que marca o fim do jejum do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos) particularmente difícil, apesar de ter se afastado da religião dos seus pais. “É muito delicado. A solidão é grande… e sinto muita falta da comida da minha mãe.”
Decidir não manter contato com os pais pode também ter efeitos muito fortes sobre as ligações e tradições familiares futuras. “Para mim, o que mais lamento é ver meus filhos crescendo sem os avós”, afirma Scott. “Isso é preferível que ver [meus pais] dizendo – sabe-se lá o quê – para eles, [mas] acho que meus filhos sentem a falta deles.”
É claro que tudo isso tem impacto sobre os pais que foram excluídos das vidas dos seus filhos – e talvez dos seus netos – muitas vezes contra a vontade. “A maioria dos pais fica muito infeliz com isso”, segundo Coleman. Além de perder a sua presença na unidade familiar tradicional, eles tipicamente “descrevem profundos sentimentos de perda, vergonha e arrependimento”.
Scott afirma que a sua mãe recentemente tentou telefonar para ele. Mas ele respondeu com uma mensagem de texto dizendo que somente consideraria restabelecer contato se ela reconhecesse que os seus comentários haviam sido “terrivelmente racistas” e pedisse desculpas. Ele conta que, até agora, ela não o fez.
“Mesmo se tudo isso acontecesse, eu sempre limitaria o que dizer a eles sobre a minha vida e certamente supervisionaria todas as visitas com as crianças. Infelizmente, não vejo nada disso acontecer”, afirma Scott.
Tentar superar os conflitos?
Com as divisões políticas no centro das atenções em muitos países e o aumento do individualismo nas culturas de todo o mundo, muitos especialistas acreditam que rompimentos entre pais e filhos seguirão acontecendo.
“Prevejo que ficará igual ou pior”, afirma Coleman. “Os relacionamentos familiares serão baseados muito mais em buscar felicidade e crescimento pessoal e menos na ênfase às tarefas, obrigações ou responsabilidades.”
Já Pillemer argumenta que não devemos deixar de tentar superar os conflitos, especialmente os decorrentes de políticas ou valores opostos (e não os comportamentos abusivos ou prejudiciais).
“Se o relacionamento anterior tiver sido relativamente próximo (ou pelo menos não conflituoso), acho que há evidências de que muitos membros da família podem restaurar esse relacionamento. Mas isso não inclui definir uma ‘zona desmilitarizada’ na qual não se pode discutir sobre política”, afirma ele.
Para seu livro, Pillemer entrevistou mais de 100 pessoas que se distanciaram de seus familiares e conseguiram se reconciliar. Ele concluiu que o processo realmente era definido por muitos como “motor para crescimento pessoal”. “É claro que isso não é para todos, mas, para algumas pessoas, superar os conflitos, mesmo se o relacionamento resultante fosse imperfeito, era fonte de autoestima e orgulho pessoal.”
Pillemer argumenta que são necessários estudos mais detalhados e atenção clínica para retirar o tema do distanciamento familiar “das sombras e levá-lo para a luz clara da discussão aberta”. “Precisamos de pesquisadores para encontrar soluções melhores – tanto para as pessoas que querem se reconciliar, quanto para ajudar a atender pessoas em distanciamento permanente.”
Scott aprova o crescente interesse pelos rompimentos dos adultos. “Acho que ajudará muitas pessoas”, comenta ele. “Existe ainda um grande estigma sobre o distanciamento familiar. Analisamos muito essas questões no grupo: ‘O que você diz para as pessoas?’, ‘como você trata do assunto durante um encontro?'”
Mas ele não está disposto a reconciliar-se com seus pais, a menos que eles reconheçam que foram racistas. “Isso da importância dos laços familiares é muito bom se você tem uma família agradável, mas, se você estiver rodeado de pessoas tóxicas, não funciona”, conclui Scott.
Scott, Sam e Faizah omitiram seus sobrenomes para proteger sua privacidade e a de suas famílias.