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Poluição atmosférica ‘segura’ também pode afetar o cérebro, alerta estudo

Poluição atmosférica ‘segura’ também pode afetar o cérebro, alerta estudo

A pesquisa focou em como os níveis considerados “normais” de poluição, incluindo compostos como o dióxido de nitrogênio, afetam o cérebro de crianças em fases de desenvolvimento

A poluição do ar é conhecida por contribuir para doenças, e é por isso que reguladores como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) estabelecem limites para as emissões. Porém, um novo estudo sugere que mesmo os níveis de poluição do ar considerados seguros pelo órgão americano podem aumentar o risco de problemas de saúde, inclusive no cérebro.

Conduzida na Universidade do Sul da Califórnia (EUA) e publicada recentemente na revista Environment Internationala pesquisa usou dados de escaneamento cerebral de 9.497 participantes do estudo de Desenvolvimento Cognitivo do Cérebro Adolescente (ABCD, na sigla em inglês), que é considerado o maior relatório já feito sobre a saúde cerebral da população mais jovem nos Estados Unidos. O intuito era explorar a ligação entre a poluição do ar e o desenvolvimento do cérebro de crianças de nove a 10 anos.

Um subconjunto desses pequenos teve exames cerebrais coletados dois anos após o início da pesquisa, permitindo que os especialistas observassem como a conectividade cerebral deles mudou ao longo do tempo. As áreas analisadas do cérebro foram as redes cerebrais de saliência, frontoparietal e de modo padrão, bem como a amígdala e o hipocampo. Essas são consideradas regiões-chave do cérebro conhecidas por estarem envolvidas na emoção, aprendizado, memória e outras funções complexas.

Em paralelo a essa pesquisa, os autores usaram os dados da EPA e de outros bancos de dados americanos para mapear a qualidade do ar na região de cada criança do estudo. A análise levou em conta os níveis de material particulado fino (PM 2,5 ), dióxido de nitrogênio (NO2 ) e ozônio no nível do solo (O3 ).

Depois disso, ferramentas de estatística foram utilizadas para investigar como os níveis de poluição do ar se relacionam com as mudanças na conectividade cerebral ao longo do tempo, e, finalmente, responder à questão principal do estudo: os cérebros jovens se desenvolvem de maneira diferente quando expostos a mais poluição?

Resultados

A pesquisa mostrou que uma maior exposição ao PM 2,5 foi associada a aumentos relativos na conectividade funcional entre as regiões do cérebro, assim como níveis mais altos de ozônio se relacionaram com mais conexões dentro do córtex cerebral. Já as crianças mais expostas ao NO2 apresentaram reduções relativas na conectividade cerebral.

Vale destacar que, com intuito de descartar outros fatores que poderiam explicar as diferenças no desenvolvimento do cérebro, os pesquisadores controlaram alguns aspectos dos participantes da pesquisa, como sexo, raça/etnia, nível educacional dos pais, renda familiar, localização urbana versus rural e sazonalidade (já que a poluição do ar varia nos meses de inverno e verão).

Assim, foi possível diagnosticar que crianças expostas a mais poluentes mostraram mudanças na conectividade entre várias regiões do cérebro. Em algumas de suas áreas, o órgão tinha mais conexões do que o normal; em outras áreas, ele tinha menos.

“Um desvio em qualquer direção de uma trajetória normal de desenvolvimento do cérebro – se as redes cerebrais estão muito conectadas ou não conectadas o suficiente – pode ser prejudicial no futuro”, comenta, em nota, Devyn L. Cotter, doutoranda em neurociência da Universidade do Sul da Califórnia e coautora do estudo.

Bem mais que uma pesquisa

Essas descobertas podem levar os reguladores de poluição atmosférica a considerarem a saúde do cérebro – além da saúde pulmonar e cardiometabólica – quando definirem ou ajustarem as recomendações para a qualidade do ar. As determinações da EPA para os níveis de dióxido de nitrogênio anual nos Estados Unidos não mudaram desde que foram definidas pela primeira vez em 1971, inclusive.

“Em média, os níveis de poluição do ar são bastante baixos nos Estados Unidos, mas ainda vemos efeitos significativos no cérebro”, observou Cotter. “Isso é algo que os formuladores de políticas devem levar em consideração quando estão pensando em apertar os padrões atuais.”

Megan M. Herting, coautora do estudo, também comentou no comunicado à imprensa: “A longo prazo, isso leva ao risco de uma psicopatologia que continue a aumentar durante a adolescência? Como isso afeta a trajetória de saúde mental das pessoas?”.

As pesquisadoras e seus colegas pretendem examinar mais a fundo a composição química dos poluentes do ar para determinar como e por que eles causam danos ao cérebro. Isso pode ajudar a refinar ainda mais as regulamentações.

Os pesquisadores também planejam continuar usando os dados do estudo ABCD para analisar a saúde do cérebro ao longo do tempo.