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Peixes dourados gigantes ameaçam ecossistemas marinhos nos EUA e Canadá

Peixes dourados gigantes ameaçam ecossistemas marinhos nos EUA e Canadá

Quando liberados no meio ambiente, animais crescem consideravelmente, ultrapassam populações de peixes nativos e destroem habitats

Dentro de um aquário, o peixinho dourado – uma espécie de carpa nativa do Leste Asiático, criada para o deleite estético e tradicionalmente considerada como amuleto de boa sorte – pouco mais é do que um animal de aquário. Geralmente com apenas alguns centímetros de comprimento, é um dos animais de estimação mais fáceis de manter.

Mas ,solto na natureza, o aparentemente inofensivo peixinho dourado, livre das barreiras de vidro e não mais limitado às escassas refeições de ração, pode atingir proporções monstruosas. Pode até mesmo matar a vida selvagem marinha nativa e ajudar a destruir ecossistemas frágeis e economicamente valiosos.

— Eles podem comer tudo e qualquer coisa — alerta Christine Boston, bióloga pesquisadora aquática da Fisheries and Oceans Canada.

Nos últimos anos, Boston e seus colegas têm rastreado peixes dourados invasores no porto de Hamilton, que fica na ponta oeste do Lago Ontário, no Canadá, cerca de 56 quilômetros a sudoeste de Toronto. A baía foi dizimada pelo desenvolvimento industrial e urbano, bem como por espécies invasoras – tornando-a uma das áreas mais degradadas ambientalmente dos Grandes Lagos (cinco grandes lagos no Centro-Leste da América do Norte).

O estudo deles, publicado no mês passado no Journal of Great Lakes Research, pode ajudar a identificar as populações de peixes dourados para abate, diz Boston, que é a autora principal do trabalho: — Descobrimos onde eles estão antes de começarem a desovar. Essa é uma boa oportunidade para se livrar deles.

A fêmea do peixinho dourado, de rápido crescimento, observa Boston, pode se reproduzir várias vezes em uma única estação. — Eles têm recursos e podem tirar vantagem deles — explica a cientista.

Os peixes dourados foram avistados pela primeira vez no porto de Hamilton na década de 1960, mas morreram em grande parte na década de 1970 devido à contaminação industrial. No início dos anos 2000, a sua população parecia ter se recuperado.

A espécie pode tolerar uma ampla gama de temperaturas da água, atingir a maturação sexual rapidamente e comer quase tudo, incluindo algas, plantas aquáticas, ovos e invertebrados, diz Boston.

Seus corpos em forma de bola de futebol podem inchar a um tamanho que os torna uma refeição grande demais para predadores – até cerca de 40 centímetros de comprimento. — Um peixe teria que ter uma boca muito grande para comê-lo — afirma a pesquisadora.

Os peixinhos dourados selvagens também são destrutivos, arrancando e consumindo plantas que abrigam espécies nativas. Além disso, ajudam na proliferação de algas prejudiciais, expelindo nutrientes que promovem seu crescimento ao se alimentarem, diz Boston. Com isso, criam condições que são intoleráveis para os peixes nativos.

Para rastrear o peixinho dourado, os pesquisadores capturaram e sedaram 19 dos adultos maiores e implantaram cirurgicamente etiquetas do tamanho de pilhas AA em suas barrigas. As tags, que enviavam sinais para receptores acústicos ao redor da baía, forneciam aos pesquisadores um mapa de suas localizações.

Oito dos peixes morreram, mas os 11 restantes levaram Boston e os seus colegas a descobrir que os animais tendiam a passar o inverno em águas profundas e a mudarem-se para habitats mais rasos na primavera, onde se preparavam para desovar.

Algumas opções para remover os peixinhos dourados, disse ela, incluem capturá-los com redes especializadas colocadas sob o gelo do inverno ou usar a “pesca elétrica”, que envolve atordoar os peixes com uma corrente elétrica e retirá-los da água. Ambas as técnicas, acrescenta ela, evitariam a morte dos peixes nativos.

Aumento da população selvagem

Nicholas Mandrak, professor de ciências biológicas na Universidade de Toronto Scarborough, diz que, embora os peixes dourados tenham sido introduzidos na América do Norte no final do século XIX, a população selvagem começou a “aumentar dramaticamente” nas últimas duas décadas. A explosão de desova, diz ele, resultou em parte pela ação de pessoas em áreas densamente povoadas que liberaram animais de estimação em lagos urbanos.

As alterações climáticas também podem desempenhar um papel, devido à capacidade de o peixinho dourado de se adaptar ao aquecimento e às águas pouco oxigenadas, acrescentou.

— Existem literalmente milhões de peixes dourados nos Grandes Lagos, senão dezenas de milhões — estima Mandrak.

Apesar da ameaça, acrescenta, os gestores ambientais tendem a esquecer o peixinho dourado. — Eles simplesmente presumem: ‘Já existe há 150 anos – não há nada que possamos fazer a respeito — conta.

O problema não é exclusivo do Canadá e dos Estados Unidos. Na Austrália, um punhado de peixinhos dourados de estimação indesejados e seus filhotes tomaram conta de um rio no Sudoeste do país.

Peixes dourados selvagens também inundaram cursos de água no Reino Unido e, em Burnsville, Minnesota, a descoberta de criaturas do tamanho de uma bola de futebol num lago em 2021 levou as autoridades a implorar à população: “Por favor, não soltem o seu peixinho dourado de estimação em lagoas e lagos! ”

Anthony Ricciardi, professor de Ecologia de Invasões na Universidade McGill, em Montreal, observa que nem todos os peixes dourados invasores ficam superdimensionados, mas mesmo os pequenos são problemáticos, ultrapassando as populações de peixes nativos e prejudicando o meio ambiente.

As pessoas acreditam erroneamente que, como os peixes dourados são “pequenos e fofos”, eles não representarão um problema quando soltos na natureza, diz Ricciardi: — É a síndrome do ‘Free Willy’.

Os peixes dourados, acrescenta, são apenas uma pequena parte de uma vasta invasão de espécies não nativas cujos resultados podem ser imprevisíveis e, em alguns casos, são agravados pelas alterações climáticas.

— Sob a influência humana, os animais estão se movendo mais rápido e avançando em números, alcançando partes do planeta que nunca poderiam alcançar antes. Estamos falando sobre a redistribuição da vida na Terra — diz o professor.